quinta-feira, 28 de março de 2024

A picareta

 







Este irmão do ex-primeiro-ministro não quer guerras culturais mas quando faz estas afirmações já está numa.
Podia explicar-te muito melhor o que se passa, mas como tu sabes sempre tudo não precisas que te explique nada, bem sei que te preparas muito bem sempre que tens de entrar no ar. Imagino que começas a estudar logo pela manhã e só páras à hora em que apareces na televisão. Apeteceu-me oferecer-te uma picareta para destruires os símbolos portugueses, mas em vez disso, proponho-te que estudes o seguinte tema e subtema: símbolos e símbolos portugueses ou de Portugal. A sapiência e a cultura, ao contrário do que pensas, não leva uma manhã e uma tarde a adquirir, leva milhares de anos e tu és a prova viva de que a informação só serve para que possas desbobinar aquilo que aprendes rapidamente, em poucas horas, enquanto a sapiência fica em silêncio a admirar ignorantes como tu. Também, e sendo tu filho de pai indiano, brâmane ainda por cima, te posso oferecer uma picareta para ires à Índia destruir duma vez por todas os símbolos de uma cultura que te corre no sangue e assim ficas com o serviço terminado. A verdadeira guerra não tem nada a ver com partidos políticos que são todos idiotas e só servem para partir o país todo (eles nem sequer são reflexo de algo maior pois a qualidade dos políticos hoje é uma desgraça), a verdadeira guerra é entre a sabedoria e a ignorância. Também te posso oferecer uma t-shirt com uma pintura de Mondrian para passeares com ela todo contente com as duas picaretas, uma em cada mão. Mas vendo bem, até tens razão, o símbolo é tão mau que serve perfeitamente a República, nunca o Reino e para ficar mesmo perfeito só falta acrescentar um cacho de bananas.



sexta-feira, 15 de março de 2024

Lua Nova

 


 

Talvez seja apenas necessário guardar um grão de vida e andar com ele no bolso interior do coração e não o mostrar excepto às crianças e aos animais, os únicos capazes de o identificar, os restantes estão cheios de rugas na alma e têm os olhos pregados ao desgosto e o desgosto pregado nos olhos.  Desde que saí do jardim, tem de ser assim. Lá podia ser eu própria e andar desnuda, sem vergonha nem medo, mas cá fora temos de nos cobrir de trapos e de véus para não haver nenhuma desgraça. Neste mundo woke, todas as excentricidades são permitidas, menos a verdade. E no mundo anti-woke, o mesmo se passa e o mesmo ainda no que não é nem deixa de ser e onde se é funcionário  de uma democracia bizarra encaixotada em tecnocracia e profissionalismo, seja lá o que isso for. Já passamos por muitos escritores que agarraram o “sonho de Portugal” sempre esbatido no pano de fundo que é o Quinto Império. Hoje olho para trás e vejo uma grande jornada feita durante décadas por esse sonho fora, mas a sua materialização não pode ser feita dentro de pessoas cheias de rugas ou com o desgosto pregado nos olhos e os olhos pregados ao desgosto, de maneira que afasto o pensamento desse sonho e coloco-o, como uma vez fiz com um livro, no topo da estante, encostado à parede, num ponto incessível e invisível que só eu conheço. Não se deitam fora os sonhos, sobretudo este, o de Portugal. A única coisa a fazer é colocá-lo longe do nosso olhar, não pensar muito nele para não nos tornarmos impacientes numa altura em que o globo terrestre não está para brincadeiras com noventa e nove por cento de loucos, enlouquecidos por o restante um por cento. Evidentemente que temos de estar fora do mundo, a orbitar em volta dele, com um grão de vida no bolso interior do coração e a brincar com ele, dentro de nós e para nós, como se fosse um berlinde. Um abafador, abafado, só utilizado nas almas que valem a pena, como as das criança ou dos cães. Giramos à volta do mundo como se fossemos satélites à espreita e à espera de uma oportunidade para cair em cheio nele e então sim, começar a transformá-lo. Até lá, apenas ouvimos a música das esferas e rebolamos na relva com cães e crianças. Também descemos dunas de areia gigantes e rebolamos como se fôssemos bolas e rimos todos juntos do nosso segredo que o mundo não vê. Desse e do segredo da gruta onde escondemos, num sítio inacessível, o sonho de Portugal. Claro que há quem fale dele, mas ou o desvirtuam (apenas quando falam dele) não o beliscando sequer na sua essência (é apenas uma tentativa de apropriação impossível de se concretizar) ou não serve para nada falar dele  porque há palavras cujos ouvidos actuais nem reconhecem, ficam imediatamente surdos à passagem do seu som e por isso não vale a pena falar de certas coisas, mais vale rir e rebolar pelas colinas e ser-se satélite sem nome, nem voz, nem fama, ser uma constante lua nova e permitir que as trevas se instalem em sossego, deixá-las respirar e ser o que são e não as incomodar com sonhos nem com nomes de países demasiado misteriosos para serem ditos em voz alta. Não se pode dizer o nome de Portugal em voz alta, só se pode sussurrá-lo pois a força do seu nome equivale a um tsunami e ninguém quer um tsunami na sua alma. Ninguém quer morrer para renascer. Às vezes penso-me como guarda-livros, mas não daqueles que fazem contas, antes daqueles que os guardam de facto dentro de si, como no filme Fahrenheit 451. Ainda não chegámos ao ponto dos livros serem proibidos, apenas os sonhos o são. Podemos ler tudo, desde que não sonhemos. E muito menos temos permissão para entrar num sonho, isso é o sacrilégio mais trágico. Duas realidades apenas se querem sobrepostas, nunca fundidas. É por isso que o ponto não é uni-dimensional, é bi-dimensional. A sobreposição é aceite, ser-se várias coisas ao mesmo tempo, em paralelo, sem se tocarem e dizer a toda a gente que se trata de um ponto, de uma unidade. É mentira. São várias, sobrepostas num líquido. São liquefeitas, dissolvidas, mas não unidas, fundidas numa só.  Como o nome de Portugal é unidimensional, não pode ser dito em voz alta, como o segredo do Templo. Simplesmente porque o mundo não ia aguentar e talvez passasse por um grande período de choro, ou de dilúvio e ninguém quer um dilúvio, nem chorar. Preferem um desgosto colado aos olhos porque assim a boca ainda pode sorrir sem conhecer o sabor da lágrima. Sem o sal, sem a vida. As trevas, neste momento, são muito mais interessantes porque ofuscam a luz e nós disfarçamo-nos de lua nova, mas as trevas que carregamos são de uma outra espécie, daquela que contém tudo e onde tudo flutua em expectação, embora quem nos veja de fora, veja apenas a lua nova, a permitida, como um livro que se lê sem poder ser sonhado. 

domingo, 10 de março de 2024

Nunca chega


 A quantidade de Comunistas que no Alentejo votaram no Chega mostra bem o compadrio... Se os Socialistas e os Sociais Democratas não fizessem tanto mal ao país não havia tantos votos nos carrascos. Resumindo, desde que haja a ideia de Socialismo, todos se favorecem e lutam entre si para ver quem afunda mais o país. Ou já se esqueceram do nome do partido do Hitler? Não vão ao médico, não... Viva o Rei, que nunca foi Socialista! 


O progresso

 


sábado, 9 de março de 2024

Dia de reflexão

 




O presidente da República Portuguesa bem tenta convencer as pessoas a votarem, no entanto, está tanto frio e tanta chuva... e estas alergias de Primavera também não ajudam, com espirros e tosse e os olhos inflamados. Há agora um Guru indiano que está muito na moda e diz ele que as alergias aparecem porque as pessoas não gostam do mundo como está. O pólen é mais severo quando não estamos incluídos. Bem vistas as coisas até os excluídos do costume já estão incluídos nesta massa de gente uniforme e os verdadeiros excluídos são os alérgicos, carregados de rinite severa que vão para os cantos da vida tossir, esfregar os olhos e maldizer as mucosas. Eles não percebem porque é que estão assim. Antigamente não havia tantas alergias e já me disseram que começaram em força na minha geração, nos nascidos na década de sessenta que já a nasceram revoltados, mas com os sintomas baralhados: em vez de irem para as ruas gritar - não nos obriguem a isso, já dizia o Zeca - espirram, tossem e assoam-se com demasiada frequência e são, por isso, a verdadeira oposição. São permanentemente excluídos das reuniões onde se juntam as pessoas incluídas, porque os ataques de espirros e de tosse são de tal maneira grandiosos que são obrigados a sair para não incomodar ninguém e são também excluídos da vida social pelo mesmo motivo e porque quando aparecem as crises, a última coisa que apetece fazer é conviver. Os outros não percebem o que se passa, pensando que a alergia é uma fragilidade do sistema imunitário quando é exactamente o contrário, é uma força viva que procura expelir do corpo o mundo da maneira como está. Os alérgicos, verdadeiros excluídos de um mundo inclusivo, são a resistência camuflada de doença e só na consciência de que isto é mesmo assim, como o guru indiano disse, é que se fará uma reviravolta no mundo que se encontra de pernas para o ar. 

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

AI


 A AI parece que agora se quer meter no meu trabalho. Esta modernidade anómala invade todos os espaços. Tenho de me fingir desalmada e inexistente para sobreviver, como as vitimas de violação. Apetece-me dizer que não quero AI para nada, mas os meus pares pensam o contrário e como vivemos numa democracia, a maioria ganha, mesmo que esteja senil. Ainda me hão-de explicar qual é o interesse disto tudo se os Mistérios permanecem os mesmos. E os carácteres também. Filhos, meus ricos filhos, nada supera a nossa mão, ligada ao cérebro, ao coração e ao restante corpo. Fecho-me como os caracóis, dentro da minha própria casca e guardo e aguardo por essas conversas tão interessantes com os anjos. Infinitamente maior é esse espaço de reserva, longe do puro absurdo cheio de estigmas e cicatrizes. A inadaptação ao mundo dá-me para ter alergias. Passo a vida a espirrar como que a querer expulsar o ar que ingiro e que não me pertence. Passo bem sem a AI, porque a minha já me dá trabalho suficiente. Sempre que me apresentam uma novidade, espirro. Mas não são espirros normais, parecem vir do fundo da alma, são fortes demais para um resfriado, são metafísicos, como diria o meu querido Pessoa, mas não são poéticos, são literais, altamente terrestres, de tal forma que tocam o metafísico, excedem-se a si próprios. Todo o corpo estremece com esses espirros alérgicos que me salvam a vida. Não fossem eles e morreria soterrada em novidades vãs e em atitudes idiotas. Sorrio com a maior doçura para os loucos, dando-lhes toda a razão para existirem com esse sorriso, mas por dentro canto: "A mim não me enganas tu, a mim não me enganas tu, a panela ao lume e o arroz está cru" porque o fogo do espírito não existe neles, e o paradoxo da cantiga é esse. 

domingo, 21 de janeiro de 2024

Ascensão



 Olhei indiscriminadamente para os sonhos e revi-me neles, como notas fugazes, notas de rodapé que desbravam caminhos. É possível ser-se fugaz sem se ser fútil, como os sonhos e relembro a possibilidade, cada vez mais visível, dos sonhos dentro dos sonhos, onde um deles é esta nossa vida ... os sonhos balançam, mas não caem, ao contrário das ideias e das ideologias, permanecem como marcas na areia sem que os seus passos se dissolvam na água ou no ar. A vida é tremenda pela quantidade de possibilidades e pela qualidade delas. É esta sapiência do onírico que atravessamos que nos permite ir à substância das coisas. Mas uma substância feita de choques contínuos onde a sapiência de atravessarmos os sonhos em nada nos ajuda, se assim fosse, não seriam os sonhos esses choques contínuos... e a tentativa de resolução deles em nós. E há qualquer coisa que subsiste e não se afoga no rio do esquecimento. Como esse homem gigante que vi mergulhar e desaparecer nas águas para em seguida dar por mim numa ascensão tão rápida que me levou no sonho a balançar, sabendo que não cairia por conhecer de cor essa ascenção vertiginosa, como um passo de dança, tantas vezes repetido. É essa partícula de nós que não se afoga no rio do esquecimento e que antes ascende como resultado dos sucessivos choques a que foi sujeita. Já diziam os alquimistas. Quando os havia...