Tem Dalila Pereira da Costa um precioso texto no seu livro
intitulado: “Carta aos Jovens Arqueólogos Portugueses” ( Lello Editores – Porto
– 1996) do qual destaco duas passagens: “Todo o avançar para o futuro dum povo,
como seu projecto, terá de ter em conta este longo passado, perdendo suas
raízes numa matriz abissal; e da qual sucessivamente trouxe uma certa e
determinada identidade. Matriz a que sobretudo podemos ter acesso através da
arqueologia” (p. 79) e um pouco mais à frente: “Uma dada alma, criada longa e
sucessivamente por um certo complexo vivo de arquétipos, e estes
manifestando-se visivelmente através de um conjunto de símbolos, por sua vez
encarnando-se em pinturas, monumentos, objectos vários... a nós agora ainda
acessíveis, nos permitirão uma abordagem, mesmo que incompleta e longínqua, mas
a única possível, dessa alma. Alma vinda do fundo da pré-história, evoluindo
através do devir histórico até ao nosso presente” (p. 79).
Tornam estas afirmações a confusão contemporânea pertencente
ao domínio do diáfano na medida em que é possível tornar real a chamada arqueologia
pelo símbolo libertando-nos, assim, primeiro dos artifícios que tanto se
confundem com os factos destituídos de Real, e em seguida, libertando-nos do próprio
símbolo como suporte apenas de realidades arquetipais, sem espaço ou tempo.
Toda a arqueologia pode ir sempre mais além, não se sujeitando a uma repetição
iniqua, mais ou menos disfarçada por mitemas (para usar a expressão de Gilbert
Durant) oscilantes e adaptáveis a interpretações que concernem muito mais à
vontade dos homens do que ao devir histórico. O Historiador carrega consigo,
tal como afirmou António Quadros, a sua própria História quando se prepõe a
elaborá-la.. A meta história, ou meta arqueologia, requer, no seu segundo
momento, uma espécie de sintonia com os símbolos para que estes possam ser
superados bem como mitos e mitemas a ele associados de maneira a entrar na
verdadeira imaginação. É nesse sentido que a História é um acto de imaginação
verdadeira e não apenas, como tantas vezes se confunde, uma re-criação
imaginária. Tornando estes dados conscientes é possível, por esta via, a
eliminação do próprio tempo (cronos) e a entrada no Tempo (kairos). A
Arqueologia simbólica, mais do que um acto académico, passa a ter o valor de um
acto vivencial e, sobretudo, aí sim, de participação efectiva, e não apenas
teórica, no devir histórico. Este devir histórico participado, é, enfim, o
próprio passado esclarecido ou manifestado numa segunda volta da espiral do
tempo qualitativo e não quantitativo. Na urgência do desenlace ou resolução da
História, a cada fim de ciclo pode acontecer, por vezes, estes tempos tenderem
a confundir-se a maior parte das vezes em que ocorrem sintonias que nada mais
são do que indícios externos de uma mutação que longe de estar sujeita apenas à
vontade dos homens está bastante mais sujeita à sua capacidade de
(re)conhecimento de determinados arquétipos (no verdadeiro sentido platónico)
que sustentam o próprio tempo.
(Cynthia Guimarães Taveira)