sexta-feira, 11 de julho de 2014

Genoma da História



Tem Dalila Pereira da Costa um precioso texto no seu livro intitulado: “Carta aos Jovens Arqueólogos Portugueses” ( Lello Editores – Porto – 1996) do qual destaco duas passagens: “Todo o avançar para o futuro dum povo, como seu projecto, terá de ter em conta este longo passado, perdendo suas raízes numa matriz abissal; e da qual sucessivamente trouxe uma certa e determinada identidade. Matriz a que sobretudo podemos ter acesso através da arqueologia” (p. 79) e um pouco mais à frente: “Uma dada alma, criada longa e sucessivamente por um certo complexo vivo de arquétipos, e estes manifestando-se visivelmente através de um conjunto de símbolos, por sua vez encarnando-se em pinturas, monumentos, objectos vários... a nós agora ainda acessíveis, nos permitirão uma abordagem, mesmo que incompleta e longínqua, mas a única possível, dessa alma. Alma vinda do fundo da pré-história, evoluindo através do devir histórico até ao nosso presente” (p. 79).

 
Tornam estas afirmações a confusão contemporânea pertencente ao domínio do diáfano na medida em que é possível tornar real a chamada arqueologia pelo símbolo libertando-nos, assim, primeiro dos artifícios que tanto se confundem com os factos destituídos de Real, e em seguida, libertando-nos do próprio símbolo como suporte apenas de realidades arquetipais, sem espaço ou tempo. Toda a arqueologia pode ir sempre mais além, não se sujeitando a uma repetição iniqua, mais ou menos disfarçada por mitemas (para usar a expressão de Gilbert Durant) oscilantes e adaptáveis a interpretações que concernem muito mais à vontade dos homens do que ao devir histórico. O Historiador carrega consigo, tal como afirmou António Quadros, a sua própria História quando se prepõe a elaborá-la.. A meta história, ou meta arqueologia, requer, no seu segundo momento, uma espécie de sintonia com os símbolos para que estes possam ser superados bem como mitos e mitemas a ele associados de maneira a entrar na verdadeira imaginação. É nesse sentido que a História é um acto de imaginação verdadeira e não apenas, como tantas vezes se confunde, uma re-criação imaginária. Tornando estes dados conscientes é possível, por esta via, a eliminação do próprio tempo (cronos) e a entrada no Tempo (kairos). A Arqueologia simbólica, mais do que um acto académico, passa a ter o valor de um acto vivencial e, sobretudo, aí sim, de participação efectiva, e não apenas teórica, no devir histórico. Este devir histórico participado, é, enfim, o próprio passado esclarecido ou manifestado numa segunda volta da espiral do tempo qualitativo e não quantitativo. Na urgência do desenlace ou resolução da História, a cada fim de ciclo pode acontecer, por vezes, estes tempos tenderem a confundir-se a maior parte das vezes em que ocorrem sintonias que nada mais são do que indícios externos de uma mutação que longe de estar sujeita apenas à vontade dos homens está bastante mais sujeita à sua capacidade de (re)conhecimento de determinados arquétipos (no verdadeiro sentido platónico) que sustentam o próprio tempo.
 
(Cynthia Guimarães Taveira)

 

 

 


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