A responsabilização do estado das coisas sobre uma única e
exclusiva pessoa é tão demente como a aceitação de bom grado de um tirano.
E dito isto e porque, por vezes, aquilo que se assiste no
percurso das pequenas histórias que nos cercam é no mínimo bizarro e porque
talvez tenha nascido com uma sensibilidade apurada (que só dá trabalho e mais
nada), fico tonta de ver o que se faz neste país só para se ter popularidade.
Fico tonta com o que se faz neste país quando se procuram resolver os problemas
do mundo com uma capa e uma espada num jardim. Fico tonta com o que se passa
neste jardim à beira mar plantado quando o jardineiro antigo tenta, a todo o
custo, derrubar o actual e com o que o actual faz e tenta fazer para se manter
no jardim e de como este vício se espalha por ondas, indo desde os mais pequenos círculos até aos maiores. Fico tonta com os que são envolvidos em barulhos e ruídos e caem na
tentação e tentam tirar vantagem, também. E com as orelhas de burro que colocamos sistematicamente nos príncipes que somos em vez de utilizarmos as asas de dragão... Fico tonta com a coscuvilhice doméstica
verdadeira e ilegal e elícita e com a falta de naturalidade que com que os
acontecimentos acontecem e deviam acontecer. Fico doida com os boatos e com as
intrigas e com a tentativa desesperada para levar as suas visões do mundo tão
além que se atropela tudo e todos pelo caminho, e com o falso moralismo, e com
a falta de frontalidade, e com o medo que se tem e se provoca e com os reis na
barriga e com a misoginia instalada de rabo largo na sua grande cadeira e do
que de muito haveria a dizer sobre isso. Fico doida, neste país, onde a
Inquisição subsiste e é mantida, tal como a inveja e da forma como se Camões
regressasse não estranharia nada porque tudo continua exactamente na mesma, e seria
obrigado a dedicar outra vez ao Rei a sua parcela de Amor por este país.
Vivemos encerrados num circulo vicioso e nunca largaremos o eterno pranto que é
gostoso porque gostamos dele e o alimentamos e o repetimos por gerações na
História, com mais ou menos génio, com mais ou menos escândalo. E negamos o
mito para o continuar e afirmamo-lo para o esquecer e somos o paradoxo vivo
encerrado numa nação auto-definhada onde consecutivamente o justo paga pelo pecador e nada
fica esclarecido e onde, para se ser santo basta morrer e para se ser amado só
depois de morto, como o Saramago passou a santo depois de morto, e Fernando
Pessoa só foi amado depois de morto... sendo a morte condição essencial quer para a injustiça quer para a justiça... não fazendo sequer diferença morrer, portanto... o que torna deveras inútil até o acto de morrer nada se alterando no percurso do mundo... ( esta é para inteligentes).
Fico doida com este país por saber sempre que e o meu reino se situa no sonho,
mas que fica só em sonhos, e em poesia, e em pinturas e no silêncio profundo de
quem guarda um segredo que poderia ser de todos.
Cynthia Guimarães Taveira
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