segunda-feira, 7 de julho de 2014

Entre as asas do dragão e as orelhas de burro





A responsabilização do estado das coisas sobre uma única e exclusiva pessoa é tão demente como a aceitação de bom grado de um tirano.

E dito isto e porque, por vezes, aquilo que se assiste no percurso das pequenas histórias que nos cercam é no mínimo bizarro e porque talvez tenha nascido com uma sensibilidade apurada (que só dá trabalho e mais nada), fico tonta de ver o que se faz neste país só para se ter popularidade. Fico tonta com o que se faz neste país quando se procuram resolver os problemas do mundo com uma capa e uma espada num jardim. Fico tonta com o que se passa neste jardim à beira mar plantado quando o jardineiro antigo tenta, a todo o custo, derrubar o actual e com o que o actual faz e tenta fazer para se manter no jardim e de como este vício se espalha por ondas, indo desde os mais pequenos círculos até aos maiores. Fico tonta com os que são envolvidos em barulhos e ruídos e caem na tentação e tentam tirar vantagem, também. E com as orelhas de burro que colocamos sistematicamente nos príncipes que somos em vez de utilizarmos as asas de dragão... Fico tonta com a coscuvilhice doméstica verdadeira e ilegal e elícita e com a falta de naturalidade que com que os acontecimentos acontecem e deviam acontecer. Fico doida com os boatos e com as intrigas e com a tentativa desesperada para levar as suas visões do mundo tão além que se atropela tudo e todos pelo caminho, e com o falso moralismo, e com a falta de frontalidade, e com o medo que se tem e se provoca e com os reis na barriga e com a misoginia instalada de rabo largo na sua grande cadeira e do que de muito haveria a dizer sobre isso. Fico doida, neste país, onde a Inquisição subsiste e é mantida, tal como a inveja e da forma como se Camões regressasse não estranharia nada porque tudo continua exactamente na mesma, e seria obrigado a dedicar outra vez ao Rei a sua parcela de Amor por este país. Vivemos encerrados num circulo vicioso e nunca largaremos o eterno pranto que é gostoso porque gostamos dele e o alimentamos e o repetimos por gerações na História, com mais ou menos génio, com mais ou menos escândalo. E negamos o mito para o continuar e afirmamo-lo para o esquecer e somos o paradoxo vivo encerrado numa nação auto-definhada onde consecutivamente o justo paga pelo pecador e nada fica esclarecido e onde, para se ser santo basta morrer e para se ser amado só depois de morto, como o Saramago passou a santo depois de morto, e Fernando Pessoa só foi amado depois de morto...  sendo a morte condição essencial quer para a injustiça quer para a justiça... não fazendo sequer diferença morrer, portanto... o que torna deveras inútil até o acto de morrer nada se alterando no percurso do mundo... ( esta é para inteligentes). Fico doida com este país por saber sempre que e o meu reino se situa no sonho, mas que fica só em sonhos, e em poesia, e em pinturas e no silêncio profundo de quem guarda um segredo que poderia ser de todos.
 
Cynthia Guimarães Taveira

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