Sim, talvez fosse o único nicho do mundo onde era possível
ser exuberante e discreto todo o ano. E onde o dentro correspondia ao que
estava cá fora num sentido irónico e ligeiramente melancólico... longe, hoje,
essa Veneza, essa outra que apenas deixou um rasto de sonho atrás de si. Longe,
tão longe das vaidades genuínas e das máscaras tão absurdamente verdadeiras.
Longe, essa Veneza do hoje sem arte... percorro as galerias na rua e procuro,
em vão, esse vulto d’outrora em que se adivinhava o pormenor, o detalhe e a
atenção da máscara... tanto que não era máscara coisa nenhuma mas a realidade
última da expressão do artista, andando naturalmente com os chapéus que sabiam
vindos da sua própria cabeça, prolongamento deles... nada mascarado, afinal,
senão de si próprio... com dias mais discretos, tão discretos que se confundia
a máscara com a própria sombra e outros, tão radiantes e luminosos que se
confundiam com a própria fonte de luz... longe, tão longe essa Veneza, tão rara
de encontrar numa esquina da rua que só tem sentido com ela, e onde, a
dignidade da vénia nada mais é do que uma imensa reverência pela arte.
(Cynthia Guimarães Taveira)
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