terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Longe, tão longe...





Sim, talvez fosse o único nicho do mundo onde era possível ser exuberante e discreto todo o ano. E onde o dentro correspondia ao que estava cá fora num sentido irónico e ligeiramente melancólico... longe, hoje, essa Veneza, essa outra que apenas deixou um rasto de sonho atrás de si. Longe, tão longe das vaidades genuínas e das máscaras tão absurdamente verdadeiras. Longe, essa Veneza do hoje sem arte... percorro as galerias na rua e procuro, em vão, esse vulto d’outrora em que se adivinhava o pormenor, o detalhe e a atenção da máscara... tanto que não era máscara coisa nenhuma mas a realidade última da expressão do artista, andando naturalmente com os chapéus que sabiam vindos da sua própria cabeça, prolongamento deles... nada mascarado, afinal, senão de si próprio... com dias mais discretos, tão discretos que se confundia a máscara com a própria sombra e outros, tão radiantes e luminosos que se confundiam com a própria fonte de luz... longe, tão longe essa Veneza, tão rara de encontrar numa esquina da rua que só tem sentido com ela, e onde, a dignidade da vénia nada mais é do que uma imensa reverência pela arte.


(Cynthia Guimarães Taveira)

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