domingo, 1 de novembro de 2020

Dia 1 de Novembro

 


Tive a sorte de conhecer Dalila Pereira da Costa, António Quadros e António Telmo. Eram pessoas absolutamente normais e capazes de trazerem um fôlego novo aos estudos sobre Portugal. De trato simples, nada complicados, agradáveis, simpáticos e atentos. Hoje lembro-me deles como se fossem de outro mundo. Um mundo que já desapareceu. Continuam a ser uma espécie de faróis, de luzeiros num campo que ora está num crepúsculo, ora está mergulhado na noite. Escreveram o suficiente para voltarmos sempre lá. E escreveram pela sua própria pena. Deram-me uma memória rica. Inigualável. Cada um deles era igual a si próprio. Por vezes pergunto-me por que é que esse mundo já morreu. Que diferença há entre hoje e ontem? Toda. O interesse pelas coisas nascia puro e assim se mantinha pelo percurso. Foi quando me dei conta de que esse mundo, de pessoas simples, tinha acabado que quase entrei em depressão. E foi o povo que me deu a mão porque nos seus gestos simples estava tudo o que esses outros tinham escrito. E foi o povo que me disse que tudo continuava vivo. Há, de facto, uma espécie de orfandade pela noção de que perdemos a companhia de sabermos que quem admiramos continua vivo. Os livros que eles escreveram, esses estão sempre vivos, à nossa espera. Ninguém preenche o vazio que deixaram. O mundo, entretanto, transformou-se num verdadeiro caos e, com ele, as pessoas. Ao ponto de os lerem sem os entenderem ou de os lerem e de se tornarem visíveis à sua custa, como se isso fosse o mais importante. O mais importante foram as memórias que nos deixaram e o facto de serem pessoas simples sem qualquer preocupação com a visibilidade, apenas alguma mágoa devido ao facto de, por vezes, não serem entendidos, os que é absolutamente natural. A falta de figuras assim acompanha a actual desfiguração de Portugal. Essa desfiguração é, por sua vez, um acompanhamento da desfiguração do mundo. O movimento é decadente, actualmente. A complexificação não é garante de sabedoria, nem a simplificação tampouco e há quem faça disso porta-estandartes quando nada mais tem para oferecer. Quer num caso, quer noutro, parecem espelhar apenas a ausência de reflexão. António Quadros pensava-se lunar face a António Telmo. Sol e lua lado a lado. Depois, essa figura feminina, Dalila, parecia conjugar os opostos com tranquilidade. Tudo naturalmente, porque a qualidade nasce, não se fabrica. O panorama actual é desolador. O deserto imenso, ideias inóspitas, quando são ideias… é possível viver-se com o trauma de se ter conhecido a qualidade humana. É possível viver num luto permanente. Mas é também essa memória que nos alimenta. O facto de poderemos regressar a ela e de revertermos o tempo. Quando as pedras falam. Quando as tocamos e vimos o que guardam. E quando, por sorte, encontramos alguém no caminho capaz de nos lembrar a nossa origem, nem que seja o povo simples, cheio de arte.


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