Tive a sorte de conhecer Dalila Pereira da Costa, António
Quadros e António Telmo. Eram pessoas absolutamente normais e capazes de
trazerem um fôlego novo aos estudos sobre Portugal. De trato simples, nada
complicados, agradáveis, simpáticos e atentos. Hoje lembro-me deles como se
fossem de outro mundo. Um mundo que já desapareceu. Continuam a ser uma espécie
de faróis, de luzeiros num campo que ora está num crepúsculo, ora está
mergulhado na noite. Escreveram o suficiente para voltarmos sempre lá. E
escreveram pela sua própria pena. Deram-me uma memória rica. Inigualável. Cada
um deles era igual a si próprio. Por vezes pergunto-me por que é que esse mundo
já morreu. Que diferença há entre hoje e ontem? Toda. O interesse pelas coisas nascia
puro e assim se mantinha pelo percurso. Foi quando me dei conta de que esse
mundo, de pessoas simples, tinha acabado que quase entrei em depressão. E foi o
povo que me deu a mão porque nos seus gestos simples estava tudo o que esses
outros tinham escrito. E foi o povo que me disse que tudo continuava vivo. Há,
de facto, uma espécie de orfandade pela noção de que perdemos a companhia de
sabermos que quem admiramos continua vivo. Os livros que eles escreveram, esses
estão sempre vivos, à nossa espera. Ninguém preenche o vazio que deixaram. O
mundo, entretanto, transformou-se num verdadeiro caos e, com ele, as pessoas.
Ao ponto de os lerem sem os entenderem ou de os lerem e de se tornarem visíveis
à sua custa, como se isso fosse o mais importante. O mais importante foram as
memórias que nos deixaram e o facto de serem pessoas simples sem qualquer
preocupação com a visibilidade, apenas alguma mágoa devido ao facto de, por
vezes, não serem entendidos, os que é absolutamente natural. A falta de figuras
assim acompanha a actual desfiguração de Portugal. Essa desfiguração é, por sua
vez, um acompanhamento da desfiguração do mundo. O movimento é decadente,
actualmente. A complexificação não é garante de sabedoria, nem a simplificação
tampouco e há quem faça disso porta-estandartes quando nada mais tem para oferecer.
Quer num caso, quer noutro, parecem espelhar apenas a ausência de reflexão.
António Quadros pensava-se lunar face a António Telmo. Sol e lua lado a lado.
Depois, essa figura feminina, Dalila, parecia conjugar os opostos com
tranquilidade. Tudo naturalmente, porque a qualidade nasce, não se fabrica. O
panorama actual é desolador. O deserto imenso, ideias inóspitas, quando são
ideias… é possível viver-se com o trauma de se ter conhecido a qualidade
humana. É possível viver num luto permanente. Mas é também essa memória que nos
alimenta. O facto de poderemos regressar a ela e de revertermos o tempo. Quando
as pedras falam. Quando as tocamos e vimos o que guardam. E quando, por sorte,
encontramos alguém no caminho capaz de nos lembrar a nossa origem, nem que seja
o povo simples, cheio de arte.
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