segunda-feira, 31 de maio de 2021

Questões


 

Deixo para os peritos a interpretação de mais um sonho que tive com o Estado Islâmico. Volta e meia, tenho um mau sonho com este bando de assassinos. Desta vez a acção situava-se na escolha entre o campo/natureza e a cidade para que conseguíssemos escapar ao seu ataque. No sonho, e em jeito de resumo, parecia-me muito mais seguro ficar no campo do que na cidade porque nela não tínhamos como nos escapar das milícias armadas. Os especialistas que interpretem como quiserem.

O portento dos sonhos e da forma como, por vezes, nos surgem como avisos, lembra-me a capacidade que temos de contornar a forma como percepcionamos o tempo. Todos os tempos nos são próximos, todos nos são chegados. Para mim, isso é indiscutível devido à quantidade de vezes que ao longo da minha vida vi os tempos fundirem-se num só. 

A consciência, quando se expande, parece querer atravessar este universo e ir para um outro, no entanto, para o fazer, parece ter como condição primeira, o abarcar deste universo inteiro. É nesses momentos que tudo nos aparece interligado e tudo existe em simultâneo.

Nada do que escrevo é novo, nem superior, nem inferior. É o que é. No mundo esotérico português, tais sonhos são  amplificados, extrapolados, exagerados e convertidos em alvos de atenções e comentários. A distancia entre mim e esse mundo actual é cada vez maior. Não me revejo nos protagonistas e nos actores secundários desse meio cada vez mais poluído por pessoas incultas, ambiciosas e malucas.  No mundo prático este tipo de sonho deve ser tomado em conta, mesmo sendo sonhos, por gente que, apesar de tudo e das suas fracas capacidades de entendimento de um qualquer plano metafísico e de uma qualquer perspectiva que não seja a corporal, ainda assim e como estão ligadas a esta realidade, podem levar em conta alguma voz que avise. 

Escrevo apenas por descargo de consciência e sei que quem lê este blogue com olhos de ler e não à procura de uma qualquer falha ou virtude de quem o escreve, também o faz por uma questão de consciência. 







domingo, 30 de maio de 2021

O estranho ritual da saída da gruta

 


Ando a conviver em salas de aula com crianças de doze anos, o número das badaladas do meio-dia e da meia-noite. A matéria que me coube leccionar foi a dos Descobrimentos, palavra que agora o Ministério por pudor, ignorância e sobretudo por aderir à contra-iniciação sem se questionar, substituiu por "Expansão Marítima". Enquanto a pide de esquerda não for à minha sala de aula, a palavra "Descobrimentos" ou "Descobertas" continua a ser proferida até porque, não nos limitámos a expandirmo-nos, fomos além disso e descobrimos muitas coisas. Falava eu dos contactos com outros povos e do que tínhamos aprendido com eles e de como a riqueza deles nos tinha enriquecido a nós quando um aluno hiperactivo me abordou questionando-me: 'E Portugal? O que é que Portugal lhe deu a si, professora? Reparei que a criança num microsegundo me tinha confundido com Portugal o que penso ser muito natural, e respondi-lhe: "O sonho e a poesia, coisas muito importantes". Rápido, o aluno acrescentou: "É verdade, somos um país de sonhadores e de poetas". E nesse instante, um estranho silêncio caiu naquela turma, e todos nós, movendo-nos nesse estranho silêncio, saímos da gruta e vimos surgir à nossa frente o Mar imenso. Este ritual português nunca foi escrito, os seus gestos nunca estiveram gravados e a sua dança nunca foi uma coreografia pré-definida. Ele acontece simplesmente ao longo das Eras. O grande silêncio da consciência de quem somos e de como somos. Ele acontece sem antes nem depois. O tempo pára na profundidade dos seres, a saída da gruta é solene. O mar brilha à nossa frente e a barca do sonho eleva-se até à grande poesia que existe só depois de se ler um poema, só depois de nos lermos a nós. Onde quer que seja, nem que seja com crianças de doze anos, todos juntos, a nascer de novo. 

domingo, 23 de maio de 2021

As banalizações



De quando em vez, neste mundo esotérico único que é o português actualmente, aparecem uma cabeças preocupadas, se não mesmo perdidas, com a banalização do conhecimento. Nas suas cabeças extremamente confusas confundem, conhecimento, sabedoria e ainda Iniciação. O adjectivo "banal" é impossível de conjugar com a palavra "conhecimento" e isto porque nada têm em comum. Até mesmo o conhecimento geral, é geral, não é banal. Também a sabedoria, por si mesma, não é banal, nem é geral (antes fosse) e a Iniciação, por definição, é Individual, ou seja, é diferente para cada ser humano e até mesmo a Iniciação de Portugal é individual face aos restantes países. Tanto ouço este princípio do horror à banalização do conhecimento que me convenço que vivo no filme "Stargate": meia dúzia de eleitos preferem manter as crenças irracionais das massas de maneira a permanecerem eleitos... e tudo é, afinal, uma questão de política, apenas uma forma de manutenção do poder e do respeito adquiridos à conta de um  conhecimento que dizem possuir.  É uma forma de preservação do território. Curiosamente, são os mesmos que possuem este horror à banalização que, no alto do seu pódio de palestras, vêm dizer depois ao público que deles se aproxima, que o conhecimento é coisa muito importante e que deve ser divulgado (o que tentam fazer nas palestras) e que, naturalmente, eles o detêm, mesmo quando dizem que não o detêm. Um laço solto é lançado por cima do público, dando-lhe alguma margem de movimentos mas não deixando de o manter aprisionado... Os palestrantes só o são por causa do publico que os ouve. Também confundem conhecimento com segredo. Bem, na maioria das vezes não confundem, estão cientes de que se disserem que possuem um conhecimento secreto, mais pessoas atrairão para o seu pequeno núcleo. Ora não é o conhecimento que é secreto, são os homens que o tornam secreto ou não. É um pouco como os símbolos da raspadinha antes de serem postos a descoberto. Os símbolos não são secretos. Estão à vista de toda a gente e o segredo está única e simplesmente na cegueira que temos perante eles e na incapacidade de os interpretar. Os mesmos que falam na banalização do conhecimento falam dos "vários níveis de leitura" dos textos sagrados. O princípio é sempre o mesmo: o texto é desvendado segundo a capacidade do leitor. O que se passa é que os palestrantes sentem que têm a missão de ajudar o leitor a ler o texto. Sentem que já conseguiram entender mais do que o público e, em simultâneo, dizem que aquilo que entenderam não deve ser "vulgarizado", não deixando, no entanto, de o "vulgarizar", segundo as suas próprias palavras, sempre que abrem a boca. O convite à sua própria interpretação não deixa espaço para dúvidas: querem discípulos. Querem ser uma voz marcante no percurso dos que os escutam... e porquê? Nunca hei-de perceber. Talvez confundam memória com eternidade. Enquanto alguém se lembrar deles, não morrem. 

Ontem ouvi a notícia de que em Inglaterra, no Ensino, os erros ortográficos vão deixar de ser motivo de correcção ou de penalização... porque, coitados dos petizes, não têm cabeça para isso. Estão embrenhados na novi-linguagem visual virtual e pedir-lhes um texto com cabeça tronco e membros é  pedir muito. 

Em vez de se preocuparem com a "banalização do conhecimento", que só existe na cabeça deles, deviam preocupar-se com a banalização da ignorância e aí o jogo ficava muito mais franco. Chamo-lhes de "esotéricos" e não de "esoteristas" porque é quase preciso tirar um curso superior para desmontar as fantochadas que vão lançando ao público. Eles são esotéricos apenas porque são passíveis de interpretação, de desocultação e de desmontagem. Os esoteristas, em si, já não existem em Portugal, ou seja, aqueles que se dedicam ao estudo das coisas menos visíveis, pelo simples interesse nessas coisas sem qualquer preocupação com a existência de um discipulado. E se existem, ninguém os vê. Tal qual o seu objecto de estudo. 

 

sexta-feira, 14 de maio de 2021

A Guerra dos Silêncios

 



Parece andar tudo muito preocupado com a ditadura do silêncio e queixam-se de que não podem falar. Muitos deles foram os primeiros a mandar calar quando lhes foi conveniente. A Inquisição a par com o Salazar deixou um rasto de silenciadores e de silenciados que se revezam nas funções, conforme o tempo, as necessidades, as intenções e as ambições e isto é tão pós - português ... desde a Inquisição que não somos bem portugueses... E eu vejo-os passar em caravanas e só não cantam canções de intervenção porque neste momento se encontram mais à direita no espectro. Um lugar, evidentemente, que não é fixo e muda. Oh, se muda. Os bardos e copistas da história poderão, se quiserem, inventar uma canção de intervenção de direita ou muito Revolução Francesa,  não tipo "fado de João Braga" ou "terra de fraternidade que já era",  mas, se quiserem, algo do tipo, "as saudades que já tinha da minha pequenina ditadurazinha pessoal que tanto estimava e fazia passar pelo boato, ou pelo vizinho da alegre casinha ali ao lado".  Nem um lado nem o  outro me convence do quer que seja. São todos socialistas e democratas e quando não são, são todos de extremos. Todos choram e dizem que não podem falar nem divulgar a informação ou desinformação que bem entendem. Tenho uma novidade para todos eles: encontramo-nos num momento da História em que já não há inversão, nem direito, nem avesso (estas noções requerem, apesar de tudo, alguma ordem), encontramo-nos em pleno Caos, em plena dissolução das formas... De maneira que bem podem chorar porque não vos deixam falar pois  mesmo que falassem, de nada serviria. Bem-vindos ao clube da inutilidade, já moro nele há muitos anos e há muitos anos, quando me mandaram calar, antevi que vos iriam fazer o mesmo, mais tarde, devido ao movimento do pêndulo. Quem manda calar acaba por ser calado. O lugar mais (des)confortável é aquele onde já não há surpresas que nos façam saltar da cadeira. E vai ser o vosso lugar, por muito tempo. A sensação de inutilidade, porque no Caos tudo é indiferente, vai ser o vosso Inferno. Para onde se virem, aquilo que digam, os gestos que façam, não têm consequência alguma. E se quiserem passar para o lado da Ordem, não quero estar perto do vosso sofrimento. Custa a ver e não sou sádica.  Mas que esta é uma grande lição do senhor pêndulo, é. Não mentissem tanto aos outros e a vós próprios... e não teriam de passar por isto. Vocês são o próprio Caos do qual querem fugir. E não sei se alguma vez serão capazes de sair dele. A acontecer até saltam da cadeira (des) confortável onde que se encontram. Nessa altura, voltamos a falar. Até lá, silêncio que se vai cantar o fado dos mariquinhas. 



terça-feira, 4 de maio de 2021

Optimistas e Pessimistas


(pintura de Cynthia Guimarães Taveira)

 Como as coisas me incomodam. Imagino a Casa da Índia com os seus afazeres, ela própria um entreposto comercial. Mas as multinacionais nada têm a ver com isso. São pequenos impérios com propósitos sinistros que tornam as pessoas autómatos de vendas, de números, de especulações. Desumanizam e segregam. Há uma espécie de optimistas em número crescente. São aqueles que dizem que o mundo está perdido, que não há esperança para ele, mas que, relativamente à sua vida pessoal, têm sempre esperança de que as coisas vão melhorar. Isto só é possível com uma espécie de corte entre eles e o mundo. São filhos únicos do mundo. Depois, há os segregados que pensam que o mundo poderá vir a melhorar, apesar de, na sua vida, a esperança ser um resíduo perdido como a cauda de um cometa já de brilho ténue na imensa solidão do cosmos. Esses, inscrevem-se numa espécie em extinção daquilo a que se pode chamar uma semi-vocação: os mártires. E nenhuma destas espécies de optimistas parece sobreviver durante muito tempo. Mais tarde ou mais cedo, uma espécie converte-se noutra e vice-versa. O optimismo, sempre a par com o pessimismo de qualquer feitio, tornou-se numa doença bipolar e o entusiasmo perde-se, como uma festa que esmorece. Tornar vivas as coisas, independentemente do optimismo e do pessimismo, parece tarefa quase impossível. O mundo, aglutinado em duas espécies de massas, as das multinacionais e a dos desvalidos delas, refugiados em terrenos ideológicos de esquerda que vivem dos oprimidos (que se deixaram na maioria das vezes oprimir a troco de conforto e das promessas de felicidade, tanto da publicidade como da propaganda política), dão cabo do ambiente. Tanto do ambiente que nos cerca, cada vez mais poluído, como do ambiente propicio à vitalidade alegre de se estar vivo. O mundo torna-se num campo de batalha com a desvantagem de estar, não apenas num determinado terreno, o de guerra, mas em todo o ambiente que nos rodeia. As relações humanas são cada vez mais bélicas com sentimentalismo fácil à mistura. E enjoa como uma pastilha elástica velha. E tudo porque nada, absolutamente nada é feito à escala humana. Nem os edifícios, nem as pessoas. Babel, à medida que cresce em altura, baralha a comunicação entre os seres. Parece uma consequência natural. A grandeza externa do mundo dos negócios conduz à grandeza externa das massas de segregados e a única linguagem que existe em comum, quando há falta de capacidade de se comunicar, é a das armas. A guerra, já nem sequer possui o valor simbólico que um relativo aumento de consciência lhe proporcionou: a interna, entre a besta e o homem. A comunicação torna-se em agressão à medida que desaparece. De maneira que vivemos num mundo extremamente agressivo e bélico, em que as relações são sobretudo de poder, a melhor expressão da torre de Babel, mesmo que todos falem inglês e entendam o filme do mundo sem legendas. E daí que a maioria dos textos acabem por se parecer com diários de tempos de guerra, pontuados com os seus devidos romances, sempre redentores no seu sentimentalismo barato, de lágrima fácil ao canto do olho, que vai redimindo os cronistas, aplaudidos histericamente pelas massas que ecoam nas redes sociais. A escala humana das acções, dos produtos, dos projectos humanos é aquilo que nos dá o ambiente propício à boa lembrança. O ambiente feliz é aquele que é bem recordado, mais até do que aquele do qual temos consciência enquanto estamos nele. Tudo aquilo que é desmesuradamente grande ou desmesuradamente pequeno, torna-se numa má recordação. Daí que ainda recordemos Babel ou as mesquinhas acções que conduziram à crucificação de Cristo, com um sabor amargo na boca. A escala humana é mais complexa do que parece porque vem incluída com o prato predileto da divindade: o facto de fazermos a ligação entre o céu e a terra. Nem tão grande como o céu, nem tão pequeno como a terra. Somos aquele ponto em que as linhas paralelas se tocam e isso só é possível com uma determinada vibração do coração. Quando é possível, o coração vibra de felicidade ou de alegria, como lhe queiram chamar, os anjos rejubilam, os outros tornam-se irmãos e mais tarde, a recordação é boa. O ambiente é bom, as crónicas de guerra transformam-se em poesia e é nessa altura que a língua portuguesa intervém imediatamente porque está no seu ambiente, sendo que a poesia é muito mais do que a transformação dos escombros da guerra em ruínas românticas propícias a nostalgias de adolescentes… a poesia é bastante mais do que isso, é o brilho externo da ponte entre o céu e a terra, só possível, quando a escala é humana e o homem adulto readquire a sua primordial idade, com uma ligeira, mas muito qualitativa diferença da chamada infância, já não como recordação distante e nostálgica mas como vivência. Até que isto seja compreendido e alcançado, só temos ambientes tensos e frustrantes e a terra toda, o planeta todo, que é um ser vivo, não é indiferente a tais ambientes… e responde com a mesma linguagem porque é aquilo que escuta e recebe dos intermediários humanos, oscilantes, na contemporaneidade, entre o macro e micro optimismo e pessimismo, desproporcionais relativamente à razão pela qual existimos.