Como as coisas me incomodam. Imagino a Casa da Índia com os seus afazeres, ela própria um entreposto comercial. Mas as multinacionais nada têm a ver com isso. São pequenos impérios com propósitos sinistros que tornam as pessoas autómatos de vendas, de números, de especulações. Desumanizam e segregam. Há uma espécie de optimistas em número crescente. São aqueles que dizem que o mundo está perdido, que não há esperança para ele, mas que, relativamente à sua vida pessoal, têm sempre esperança de que as coisas vão melhorar. Isto só é possível com uma espécie de corte entre eles e o mundo. São filhos únicos do mundo. Depois, há os segregados que pensam que o mundo poderá vir a melhorar, apesar de, na sua vida, a esperança ser um resíduo perdido como a cauda de um cometa já de brilho ténue na imensa solidão do cosmos. Esses, inscrevem-se numa espécie em extinção daquilo a que se pode chamar uma semi-vocação: os mártires. E nenhuma destas espécies de optimistas parece sobreviver durante muito tempo. Mais tarde ou mais cedo, uma espécie converte-se noutra e vice-versa. O optimismo, sempre a par com o pessimismo de qualquer feitio, tornou-se numa doença bipolar e o entusiasmo perde-se, como uma festa que esmorece. Tornar vivas as coisas, independentemente do optimismo e do pessimismo, parece tarefa quase impossível. O mundo, aglutinado em duas espécies de massas, as das multinacionais e a dos desvalidos delas, refugiados em terrenos ideológicos de esquerda que vivem dos oprimidos (que se deixaram na maioria das vezes oprimir a troco de conforto e das promessas de felicidade, tanto da publicidade como da propaganda política), dão cabo do ambiente. Tanto do ambiente que nos cerca, cada vez mais poluído, como do ambiente propicio à vitalidade alegre de se estar vivo. O mundo torna-se num campo de batalha com a desvantagem de estar, não apenas num determinado terreno, o de guerra, mas em todo o ambiente que nos rodeia. As relações humanas são cada vez mais bélicas com sentimentalismo fácil à mistura. E enjoa como uma pastilha elástica velha. E tudo porque nada, absolutamente nada é feito à escala humana. Nem os edifícios, nem as pessoas. Babel, à medida que cresce em altura, baralha a comunicação entre os seres. Parece uma consequência natural. A grandeza externa do mundo dos negócios conduz à grandeza externa das massas de segregados e a única linguagem que existe em comum, quando há falta de capacidade de se comunicar, é a das armas. A guerra, já nem sequer possui o valor simbólico que um relativo aumento de consciência lhe proporcionou: a interna, entre a besta e o homem. A comunicação torna-se em agressão à medida que desaparece. De maneira que vivemos num mundo extremamente agressivo e bélico, em que as relações são sobretudo de poder, a melhor expressão da torre de Babel, mesmo que todos falem inglês e entendam o filme do mundo sem legendas. E daí que a maioria dos textos acabem por se parecer com diários de tempos de guerra, pontuados com os seus devidos romances, sempre redentores no seu sentimentalismo barato, de lágrima fácil ao canto do olho, que vai redimindo os cronistas, aplaudidos histericamente pelas massas que ecoam nas redes sociais. A escala humana das acções, dos produtos, dos projectos humanos é aquilo que nos dá o ambiente propício à boa lembrança. O ambiente feliz é aquele que é bem recordado, mais até do que aquele do qual temos consciência enquanto estamos nele. Tudo aquilo que é desmesuradamente grande ou desmesuradamente pequeno, torna-se numa má recordação. Daí que ainda recordemos Babel ou as mesquinhas acções que conduziram à crucificação de Cristo, com um sabor amargo na boca. A escala humana é mais complexa do que parece porque vem incluída com o prato predileto da divindade: o facto de fazermos a ligação entre o céu e a terra. Nem tão grande como o céu, nem tão pequeno como a terra. Somos aquele ponto em que as linhas paralelas se tocam e isso só é possível com uma determinada vibração do coração. Quando é possível, o coração vibra de felicidade ou de alegria, como lhe queiram chamar, os anjos rejubilam, os outros tornam-se irmãos e mais tarde, a recordação é boa. O ambiente é bom, as crónicas de guerra transformam-se em poesia e é nessa altura que a língua portuguesa intervém imediatamente porque está no seu ambiente, sendo que a poesia é muito mais do que a transformação dos escombros da guerra em ruínas românticas propícias a nostalgias de adolescentes… a poesia é bastante mais do que isso, é o brilho externo da ponte entre o céu e a terra, só possível, quando a escala é humana e o homem adulto readquire a sua primordial idade, com uma ligeira, mas muito qualitativa diferença da chamada infância, já não como recordação distante e nostálgica mas como vivência. Até que isto seja compreendido e alcançado, só temos ambientes tensos e frustrantes e a terra toda, o planeta todo, que é um ser vivo, não é indiferente a tais ambientes… e responde com a mesma linguagem porque é aquilo que escuta e recebe dos intermediários humanos, oscilantes, na contemporaneidade, entre o macro e micro optimismo e pessimismo, desproporcionais relativamente à razão pela qual existimos.
Gostei muito. Bom dia, Cynthinha 🤗
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