Reuniram-se, as três mulheres, à beira da piscina. Tinham três idades e a mais nova procurava estabelecer uma ponte entre as outras duas que se situavam em visões diferentes perante o céu.
Este é um universo gnóstico como qualquer outro. Creio que herdamos, nesta civilização ocidental, o gnosticismo como forma de participação em alguma coisa em que queremos acreditar. As três mulheres eram equivalências de três visões gnósticas diferentes e cada uma estava fechada no seu próprio universo, até mesmo a mais noiva, no seu universo fechado todo desenhado a pontes. O problema desta herança incompleta é exactamente o seu fechamento em si, para cada uma das pessoas, um isolamento que se vai tonando cada vez maior à medida que o tempo passa. Talvez para quem esteja assim, fechado sobre si próprio, esse facto não constitua um problema porque o isolamento nunca permite ver para além dessa linha que separa o interior do exterior. Cada gnóstico, herdeiro da chamada tradição gnóstica, acaba junto à sua crença, tendo-a como única companhia. Somente o hermetismo confere alguma partilha e liberdade. O gnosticismo é apenas uma excrescência, frequentemente disforme, que se despegou do organismo vivo que continua a ser o hermetismo e obriga a todos os que por lá passam a tomar a árvore pela floresta e, a dado momento, o silêncio da árvore é avassalador e tão incrível como uma árvore no deserto, solitária durante milhares de anos sem que alguma vez as suas sementes possam ter brotado mesmo ali ao lado ou porque a terra não deixou ou porque as sementes não eram verdadeiramente sementes. Quanto ao hermetismo, quando a poluição é muita, é mais salutar a reserva e a ausência de acção. Qualquer acção só serve o cansaço e o cansaço só serve o sono profundo. Foi isso que senti quando vi as três mulheres à beira da piscina, molhando os pés enquanto falavam. Ainda que cada uma estivesse fechada no seu universo ocluso onde a fé subsistia revelando-se em várias formas, numa mulher, através da oração, noutra através do riso e numa outra através das palavras, senti-me elevar para além delas ao vê-las nesse Verão que tinha sido tão fresco como as águas onde mergulhavam as memórias. À medida que me sentia pairar, crescia em mim a insatisfação, a inquietude energética com que a arte bafeja os seus, ao mesmo tempo que lhes dá a capacidade de se elevarem numa espécie de paz, um paradoxo vivo difícil de ser compreendido. Mas nós, os herméticos, capazes de nos desdobrarmos em três mulheres que se refrescam (sem que seja necessário porque todo o Verão foi fresco), fechadas na sua frescura gnóstica, sabemos o quão difícil é admitir que a poluição é muita e que não é o Verão em si que é tóxico, nem as três mulheres que só estão paradas dentro de si mesmas, mas todo o corpo terrestre que se contorce e fumega, expelindo os enxofres que partem da humanidade e se enterram no subsolo para, em seguida, surgirem vivos das suas entranhas, rodeando os seres e levando os herméticos à mais aborrecida da probabilidade dos seus destinos: a não fazerem absolutamente nada a não ser elevarem-se numa insatisfação perpétua e pacífica.
(Cynthia Guimarães Taveira)