É verdade que somos elementos fraccionários de uma Unidade que ninguém conhece. As várias camadas de informação conseguem percorrer vários espectros entre a verdade e a ficção, não direi todos, porque não sabemos da Unidade, mas de muitos deles. Hoje há a preocupação com as notícias falsas (para não escrever em inglês “fake news”, porque há uma palavra em português semelhante), e há todo um clima de entusiasmo perante uma ciência que, embora não se possa apelidar de “falsa”, pelo menos as suas intenções não o são (estando de boa fé), a realidade é que essa ciência espalhada aos quatro ventos em todas as áreas, alimentação, saúde psíquica e corporal, etc. , parece ser produto de estudos fragmentados eles mesmos por várias Universidades e dentro dessas universidades por micro-departamentos que se baseiam em micro-amostras. É com esses “resultados” que somos bombardeados diariamente no google e nos telejornais. Parecem funcionar como palavras de pequenos deuses nas quais devemos acreditar absolutamente na mesma proporção em que não acreditamos absolutamente nos astrólogos que redigem as previsões diárias para todos os signos do zodíaco. Frequentemente, esses estudos anulam-se, esquecem-se com o tempo ou são substituídos por outros apresentado resultados contraditórios. E o mesmo se passa com tudo: as convenções sucedem-se a um ritmo vertiginoso ao ponto de ser a convenção, em si, aquilo que constituí a verdade dentro dos limites de microssegundos em que ela dura. O mesmo se passa com a arte, a memória, a cultura. Para quem observa, a partir de fora, este movimento circular e fluído em torno do ralo-abismo, não deixa de ser tentador nada fazer e nada dizer. Não há nada mais falso, hoje, do que exprimir uma opinião porque aquilo que é o objeto da opinião não dura mais do que um lapso único, instantâneo e extra-limitado no tempo. E a opinião ainda dura menos. O desencanto vem daí. O encantamento tem a virtude de nos retirar do espaço em volta e do tempo. O desencanto atira-nos para o canto de uma realidade material que nos submerge. E todos os cantos dessa realidade estão preenchidos com ela mesma. O desencanto dá-nos sempre a sensação de não haver saída. Ou a única que existe é o silêncio. O abençoado silêncio, tão semelhante à tela branca ou à página por escrever. Nele se forma uma pequena plataforma de liberdade. Nesse silêncio só encontro gente simples. Mesmo simples, sem complicações, nem cultura, nem metafísica de laboratório. Entre essa gente simples e o sublime, estão todos os outros, pejados de opiniões, com uma imensa cultura, na qual navegam circularmente como peixes no aquário redondo. É nesse espectro (da simplicidade ao sublime) que dou por mim a esquivar-me como se os outros fossem obstáculos confusos. E são. São um obstáculo entre mim e o meu silêncio. Vulgarmente ditadores e absolutamente democratas nas ideias ou o inverso. A bom rigor, nada disto é para ser levado a sério. Quem se aproximou do sublime sabe da ruptura. Conhece-a diariamente e lida com ela como um artesão versátil e comprometido com a única arte que lhe é permitida: a de resistir, entrando no mundo, só em caso de necessidade e sair dele o mais depressa possível.
domingo, 10 de abril de 2022
sábado, 12 de março de 2022
Dançar
sábado, 5 de março de 2022
Ab initio
https://www.rtp.pt/play/p10004/terra-historias-da-ceramica
Porque quando a humanidade se encontra completamente desorientada, como é o caso, convém ir ao início.
Relativamente às iniciações, sacerdotal, guerreira e artesanal, a hierarquia, quando se diz existir, conta apenas a história do lado externo do tema. Em todas elas, sem excepção, são os três níveis que são envolvidos no processo, que é sempre um processo cosmogonico, até mesmo a sacerdotal que visa a libertação desse mesmo processo. É apenas a sílaba tónica que muda, consoante a via (intrinsecamente ligada a cada alma que a perpétua e a desenvolve). A magia não é iniciática, é apenas, e apenas por vezes, um aspecto rarefeito (e muito) da iniciação, mas muito apelativo em tempos de decadência ou de final de ciclo sendo este último também, e sempre, um aspecto totalmente rarefeito da humanidade. É caso para dizer que, quando a humanidade perde as suas características exemplares, modelares, o barro (donde provém), ainda que no seu aspecto caótico, como o desta fotografia, transporta o embrião da Obra embora, para isso, tenha de haver um recomeço, abrupto se fôr o caso do fim de ciclo da Idade Negra, na qual vivemos. Os minerais são os alimentos das plantas: neles colocam as suas raízes e desenvolvem a sua outra natureza, desta feita, ascendente e de outra espécie. A patologia humana acontece por amnésia de questões fundamentais, tais como, por exemplo, aquelas que são colocadas por estes oleiros neste documentário. Quem somos? Qual a demanda? O que é, de facto, o caminho? Tudo questões que andam a par com a matéria prima, seja ela o corpo, o coração ou aquilo que nos transcende como simples humanos. O barro, indivisível de nós, é o sustento do reino vegetal que transportamos na nossa memória ancestral, o mesmo reino que nos há-de devolver o Paraíso. Em tempo de queda vertiginosa, há uma preferência pelo Inferno, mas estas questões continuam intactas. Alguns dão com elas, outros, ficam diluídos no caos, incapazes de as colocar e de se pôr a caminho. Ficam estáticos como estátuas de sal pensando andar e sorrindo sarcasticamente de textos assim, sem se darem conta de que estão petrificados, de medo e de imbecilidade. O barro, esse, tem a virtude de se misturar com a água e, por isso, de ficar maleável. Da pedra ao barro, do barro à flor na terra e na jarra. Se não voltarem ao início, não voltam, nem vão a lado nenhum.
domingo, 27 de fevereiro de 2022
A globalização
O léxico político da humanidade, que se tornou globalizada, está de natureza binária: ou temos a democracia ou temos uma ditadura e, ainda assim, cada uma delas, consegue ter laivos uma da outra, a globalização total, portanto.
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022
O sagrado feminino e os resultados
sábado, 12 de fevereiro de 2022
A arca
O meu coração agita-se com coisas aparentemente parvas. Mas não são. Vivo sempre no limite onde acaba o passado e começa o execrável tempo moderno e sempre que uma réstia de bom, belo e de exuberantemente camuflando se manifesta, o meu coração agita-se. Não me dá muito jeito viver desta maneira, estaria mais estável se aceitasse o incontrolável desenrolar da queda sem pestanejar, mas não, não me está na natureza. É desta forma que guardo tesouros para mim mesma numa arca onde cabem todas as coisas que são muitas e variadas, ao ponto de desejar tornar-me eu própria uma arca flutuando acima do caos contemporâneo. Talvez por fora, do lado de fora que é sempre a visão dos outros, tal colectânea de tesouros fechados em mim, pareça um acto de egoísmo simples, quase mesmo a própria definição de egoísmo em acto. Mas não é. Não é também a incapacidade de me expressar porque me expresso se quiser. É antes a inevitabilidade do erro de o fazer. É saber, de antemão, que não vale a pena gesticular num mundo de cegos, falar num mundo de surdos, escrever num mundo de idiotas mascarados de intelectuais. O meu silêncio tem a densidade da pedra e, como tal, e à medida que cresce, tende a tornar-se num planeta com a força da gravidade que lhe é inerente e com a camada de atmosfera, de estratosfera, e por aí fora, que o protege e vivifica. O silêncio é pesado e sólido o suficiente para alterar o que nos rodeia num raio de acção, por vezes específico e curto, outras vezes, difuso e abrangente ou os dois em simultâneo. Isto é coisa de há pouco tempo para cá. A extroversão, bem como os seus efeitos, são assuntos que deixaram de me interessar, até porque, comparativamente ao silêncio, são inúteis. Só o silêncio de uma arca de tesouros produz efeitos, o restante é apenas barulho. Já lá vai o tempo em que havia música, essa arte que vive no ar, do ar e em plena Liberdade. Pois se tornam o mundo cada vez mais tóxico e cada vez mais claustrofóbico como podem reclamar a Liberdade se não a produzem, não a conhecem, nem a reconhecem, nem a querem sequer? Não podem. De maneira que, o meu coração se agita sempre que guardo mais uma jóia nesta arca que sou, neste arcano que me habita, nesta matéria única que não é a dos sonhos que habitam no desejo, mas sim aquela em que o desejo habita o Real ou em que o Real habita o desejo, unidos no travo das traves que compõem a arca que só pode ser de madeira porque acompanha o clima, insuflando para logo a seguir recuperar a sua forma original, num mimetismo externo ao qual o tesouro é inteiramente alheio, porque permanente e verdadeiro. Ainda tendes dúvidas que isto é assim? Melhor não as ter... Porque o erro é extraordinariamente humano e nós não queremos saber da extroversão humana para nada, do "tanto barulho para nada", da ausência de música em direcção ao silêncio vazio onde nem a centelha do silêncio sequer se houve crepitar. Por aqui, a voz do silêncio é audível e crepita. É o fogo inquestionável do brilho das jóias que em mim trago. E não as partilho. Nem pensem.