terça-feira, 31 de março de 2020
domingo, 29 de março de 2020
Animais
Outeirinho - Esgroviado
Matilde - Diva
Paxá - Nerd
Papoila - Melodramática
São todos emanações minhas. O lado oculto dos bichos é o nosso lado desoculto. Tenho um gato que é fadista mas esse é parasita. E um outro, o marradinhas, é uma espécie de bibelot carente com complexo de touro e a safira, pobrezinha, morde o meu nariz sempre que pode com a intenção secreta de me transformar em esfinge.
O copo de água
Tenho uma amiga holandesa que veio para Portugal há muitos anos e que aqui casou e teve os seus filhos. Um dia estávamos a conversar sobre a diferença entre os dois países e lembro-me de que uma das coisas que ela estranhou no início, quando tinha vindo para cá viver, foi o facto de se poder ir a qualquer estabelecimento, pedir um copo de água e de ele ser gratuito. Ainda hoje, frequentemente, se vê um jarrinho de água com copos ao lado para as pessoas se servirem nos estabelecimentos. Aqui, a água, não se nega a ninguém. A água das fontes. Lá na Holanda, dizia ela, isso não se encontrava, pois quem entrasse num estabelecimento tinha de pagar pelo copo de água. Ela estranhou bastante este hábito português. Numa canção popular portuguesa, a água assume o valor de tesouro, "só invejo de quem bebe/ a água de todas as fontes", canção que se dirige à "rama do olival", em tom coloquial, a uma árvore, a oliveira cujo azeite serviu durante muito tempo de combustível para se obter luz, tem propriedades medicinais e tendo sido com ele ungidos os reis, para além de servir de alimento. Mas se voltarmos ao copo de água depressa nos lembramos que ele assumiu o sentido de banquete. O copo de água dos noivos é, afinal, um banquete que é oferecido. Evidentemente que se trata de um eufemismo exagerado mas a verdade é que, mais uma vez, encontramos a associação "água-abundância-generosidade". Bem vistas as coisas a cornucópia de abundância tem todo um ar de búzios dos mares, em espiral e brotando alimentos, como uma fonte. Também por altura da Revolução dos Cravos as mulheres em Lisboa ofereciam copos de água a quem passava. A água não se nega a ninguém, nem mesmo aos revolucionários. A água é um tesouro. Mas o verdadeiro tesouro, aquele que a amiga holandesa nunca compreendeu, era a dádiva. O simples gesto de oferecer a quem precisa ou não precisa (estamos no campo da abundância, não da caridadezinha). Isso é uma coisa cultural que nos está no sangue. E vê-se, agora com o vírus, a forma como algumas empresas metamorfosearam a sua produção em objectos e líquidos necessários ao combate ao vírus. Isto enquanto o Trump anda às voltas com os empresários da terra dele a tentar encontrar um "acordo comercial" conviniente a ambas as partes. Por aqui, a generosidade, essa coisa estranha aos holandeses, foi colocada em primeiro lugar. Era em terras de Amesterdão que, até alguns tempos atrás, se podia respirar a sensação de liberdade. Amesterdão, à semelhança de Veneza doutros tempos (também tem canais de água), acolhia os apátridas, os desvalidos, os diferentes. Embora fosse generosa quanto aos costumes, não o era, pelos vistos, relativamente ao copo de água. O pequeno copo de água que, como um vírus, tem tendência a multiplicar-se, a espalhar-se a a tornar-se num banquete. Num banquete generoso. A Holanda tem muito que aprender relativamente a Portugal. Mas para isso, provavelmente, terá de fazer como a amiga holandesa que casou com um português. Com copo de água e tudo.
sábado, 28 de março de 2020
Teoria da Coronaspiração
No meu tempo de adolescência tive o gosto e a sorte de poder conviver com um actor embrenhado em teofismos da época. Onde aprendeu a "como saber mais sobre tudo do que os outros". A personagem, variava por teorias e por fases. Lembro-me da fase dos dinossauros dos quais todos nós descendiamos e de o ter ouvido contar com veemência a forma como a cauda, herdada dos dinossauros, tinha desaparecido no ser humano. Lembro-me também da fase da "Confederação Inter-galáctica" que decidia os destinos da humanidade, isto entre outras fases com que nos distraia na nossa associação nas horas vagas entre aulas e projectos. E foram muitas horas de "ensinamentos" pelas quais passamos (eu e os restantes que o ouviam) mas cedo percebi que não valia a pena contrariar quem mostrava certezas inabaláveis, sobre todo e qualquer assunto, e que reagia mal, às vezes até a simples perguntas que poderiam pôr em causa aquilo que na cabeça do actor (que não estava a representar) se tinha entranhado, e passei, por causa disso, a dizer que sim com a cabeça a tudo, a olhar interiormente para ele de forma condescendente, limitando-me a dizer de mim para mim que havia nele uma tendência (quase mórbida pela insistência) de tudo querer dominar, de tudo querer controlar, de maneira a que se sentisse uma pessoa com alguma importância no mundo. Aquela forma de estar era apenas uma maneira de compensar uma certa impotência no desenrolar da história. Nessa altura ainda não se falava muito de Teorias da Conspiração, mas havia já coisas muito semelhantes enchendo de "importância" quem tinha dado com o "gato", tornando essa pessoa mais esclarecida do que todas as outras. A Teoria da Conspiração mais em voga actualmente é a da Coronaspiração. Veio o vírus e logo se levantaram as vozes dos que "dominam" por inteiro a questão, fazendo questão de que todos saibam o quanto eles "dominam" o assunto, pairando acima da humanidade vulgar. Na verdade, nunca apresentam uma só prova em como o rei vai nú. Saíram para a rua a gritar que o rei ia nú mas o rei nem sequer está na rua, nem vestido, nem despedido. Como o gato da física quântica que nem está morto nem está vivo. Gastam páginas e páginas a avisar a humanidade (normalmente os amigos e os conhecidos mais próximos) querendo alertar para a situação, fazem um barulho estridente na rua, batem latas, e dizem tudo mas, apesar do alarido, o mundo segue o percurso que tem de seguir. As radicalizações estão antes de qualquer teoria da conspiração, elas apenas se servem delas para os seus propósitos. Nunca se percebe de facto como é que essa gente queria que o mundo fosse. Nunca escrevem nenhum manifesto. Dizem sempre "o que se está a passar" segundo a sua forma de ver o mundo, mas nunca dizem como é que as coisas se deveriam passar. Não só não têm coragem para isso como, no intimo, não sabem muito bem como é que seria o seu mundo "como deve de ser" e até que ponto estariam dispostos a sacrificar-se para o alcançar. Sugerem coisas, possuem um ódio difuso e não propõem absolutamente nada. Ou se propõem são de um conservadorismo sem pinga de imaginação, tanto da esquerda como da direita. A sua parca imaginação é canalizada para as Teorias. Nunca para a prática. São pessoas profundamente enfadonhas. Graças ao destino (esse grande malandro) fui vacinada muito cedo contra esse bando de frustrados à solta. Sei perfeitamente quais as perguntas que deveria fazer só para incomodar, mas não as faço porque a resposta é sempre irada e sem ponta por onde se pegue. Nunca têm paciência para os factos. Aliás, uma das suas características é a total ausência de paciência. Nem imaginação, nem paciência. O oposto da Arte que requer as duas.
sexta-feira, 27 de março de 2020
A China, os animais selvagens e o excesso de população
O problema é grande e já vem de trás, chama-se fome e a fome gera gostos excêntricos nos novos ricos da burguesia endinheirada emergente. A fome e a estupidez não são conspirações, são factos. Relativamente ao putativo domínio do mundo, por parte da China, nenhum chinês, com dois dedos de testa, o deseja. A braços sempre tiveram o gigantesco Império do Meio com vagas de fome sucessivas ao longo da sua história (habituaram-se a comer de tudo) e hoje, tal como os EUA, a Rússia, a Alemanha, a França, a Espanha, a Inglaterra, Portugal etc e etc, aquilo que a China procura no mundo são negócios. Este é o vector comum ao desejo de todos os países: exportações e negócios. Até nós não nos livramos da procura do lucro. Dominar o mundo é tentar dominar uma humanidade faminta e crescente. Dominar os negócios é apanágio de uma burguesia inculta nascida das garras da fome mas sem o saber da História como escudo. A forma como tratamos os planeta tem os seus custos. Esta é a única lição a retirar daqui, sejam chineses, espanhóis, americanos, brasileiros etc e etc. Qualquer país está na nau planetária e nenhum deles está livre nem da fome nem da estupidez humanas.
Animais de companhia
Há um grande número de pessoas no nosso país que a única coisa, e a mais acertada, que podem fazer, é ficar em casa. E ficar em casa mantendo-se sãos, física e mentalmente, sabendo que a única coisa que podem fazer é ficar em casa nessas condições. Por aqui o Paxá, que nunca quer problemas com ninguém, deixou-se adormecer, extenuado, com as patas em cima da Matilde. O cansaço superou a mania que ele tinha de "não incomodar a Matilde", sua mãe (com a dona não faz cerimónia). O meu gato Casemiro (fadista de renome aqui no bairro por passar os dias a miar) está traumatizado porque deve ter caído mal. Perdeu o pio, continua coxear independentemente de ter despejado um xarope e seis comprimidos anti-inflamatórios e da veterinária não lhe ter achado nada. Parece que o fadista deixou de cantar o fado e se concentrou no aspecto psicológico da queda, coxeando sem razão aparente embora seja verdade, e os gatos até sabem umas coisas, que o volume de festas aumentou desde que apareceu traumatizado e talvez queira prolongar a causa e o efeito. Os bichos até dão boas fábulas como a do gato das botas que tornou o dono rico, embora fosse sol de pouca dura porque, uma vez rico, ninguém mais soube dele. As peripécias animalescas têm muito interesse mas é apenas sob o ponto de vista dos donos dos animais. É um pouco como aquelas mães que falam compulsivamente dos filhos que são sempre os melhores do mundo e melhores que os outros filhos de todas as mães. É que a virose deixa doente quem tem o bicho e pode enlouquecer quem o não tem, o que vai dar no mesmo. Deste modo, convém resguardarmo-nos em casa tentando ficar o mais sãos possível.
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