No meu tempo de adolescência tive o gosto e a sorte de poder conviver com um actor embrenhado em teofismos da época. Onde aprendeu a "como saber mais sobre tudo do que os outros". A personagem, variava por teorias e por fases. Lembro-me da fase dos dinossauros dos quais todos nós descendiamos e de o ter ouvido contar com veemência a forma como a cauda, herdada dos dinossauros, tinha desaparecido no ser humano. Lembro-me também da fase da "Confederação Inter-galáctica" que decidia os destinos da humanidade, isto entre outras fases com que nos distraia na nossa associação nas horas vagas entre aulas e projectos. E foram muitas horas de "ensinamentos" pelas quais passamos (eu e os restantes que o ouviam) mas cedo percebi que não valia a pena contrariar quem mostrava certezas inabaláveis, sobre todo e qualquer assunto, e que reagia mal, às vezes até a simples perguntas que poderiam pôr em causa aquilo que na cabeça do actor (que não estava a representar) se tinha entranhado, e passei, por causa disso, a dizer que sim com a cabeça a tudo, a olhar interiormente para ele de forma condescendente, limitando-me a dizer de mim para mim que havia nele uma tendência (quase mórbida pela insistência) de tudo querer dominar, de tudo querer controlar, de maneira a que se sentisse uma pessoa com alguma importância no mundo. Aquela forma de estar era apenas uma maneira de compensar uma certa impotência no desenrolar da história. Nessa altura ainda não se falava muito de Teorias da Conspiração, mas havia já coisas muito semelhantes enchendo de "importância" quem tinha dado com o "gato", tornando essa pessoa mais esclarecida do que todas as outras. A Teoria da Conspiração mais em voga actualmente é a da Coronaspiração. Veio o vírus e logo se levantaram as vozes dos que "dominam" por inteiro a questão, fazendo questão de que todos saibam o quanto eles "dominam" o assunto, pairando acima da humanidade vulgar. Na verdade, nunca apresentam uma só prova em como o rei vai nú. Saíram para a rua a gritar que o rei ia nú mas o rei nem sequer está na rua, nem vestido, nem despedido. Como o gato da física quântica que nem está morto nem está vivo. Gastam páginas e páginas a avisar a humanidade (normalmente os amigos e os conhecidos mais próximos) querendo alertar para a situação, fazem um barulho estridente na rua, batem latas, e dizem tudo mas, apesar do alarido, o mundo segue o percurso que tem de seguir. As radicalizações estão antes de qualquer teoria da conspiração, elas apenas se servem delas para os seus propósitos. Nunca se percebe de facto como é que essa gente queria que o mundo fosse. Nunca escrevem nenhum manifesto. Dizem sempre "o que se está a passar" segundo a sua forma de ver o mundo, mas nunca dizem como é que as coisas se deveriam passar. Não só não têm coragem para isso como, no intimo, não sabem muito bem como é que seria o seu mundo "como deve de ser" e até que ponto estariam dispostos a sacrificar-se para o alcançar. Sugerem coisas, possuem um ódio difuso e não propõem absolutamente nada. Ou se propõem são de um conservadorismo sem pinga de imaginação, tanto da esquerda como da direita. A sua parca imaginação é canalizada para as Teorias. Nunca para a prática. São pessoas profundamente enfadonhas. Graças ao destino (esse grande malandro) fui vacinada muito cedo contra esse bando de frustrados à solta. Sei perfeitamente quais as perguntas que deveria fazer só para incomodar, mas não as faço porque a resposta é sempre irada e sem ponta por onde se pegue. Nunca têm paciência para os factos. Aliás, uma das suas características é a total ausência de paciência. Nem imaginação, nem paciência. O oposto da Arte que requer as duas.
sábado, 28 de março de 2020
Teoria da Coronaspiração
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