segunda-feira, 18 de julho de 2016

A verdade e a doutrina

Dalila Pereira Da Costa é uma mistica portuguesa que escreveu livros. Como todas as figuras de verdadeiro destaque nacional (e não aquelas que aparecem recorrentemente na TV ou nos jornais "culturais" ou nas secções culturais "anichadas" dos jornais gerais e que de "nichos" culturais nada têm, antes pelo contrário, falando sempre da mesma "espécie" de cultura que alterna entre os nomes sabidos de cor e com um prestígio de décadas e com figuras da "moda" porque a cultura está hoje entrelaçada com a moda de tal forma que quase não se distingue, às vezes... Dalila Pereira da Costa, dizia, é uma figura de destaque nacional e, como todas elas, desconhecida. Esta verdade é inevitável para quem leu a sua obra, e que são muitíssimo poucos. Mística, poetisa, visionária, ensaísta que coloca Eduardo Lourenço num cantinho no qual pouca ou nenhuma luz brilha, foi, como é usual neste país, abarbatata por leituras tendenciosas querendo colocá-la, por vezes, num altar da Igreja Católica com umas flores por baixo. O esforço foi quase inútil pois na sua obra vigoram bastantes detalhes, para não dizer imensos, de experiências e observações que contrariam as doutrinas da referida instituição.
Possuindo um mundo interior vasto e rico a sua capacidade de análise feita a partir de vivências pessoais (intransmissíveis por serem isso mesmo, pessoais), paira acima, com grande frequência, de qualquer ideia pré-estabelecida em e com  vigor numa qualquer carta fundamental de princípios.
Um dos pontos em que isso se revela está no seu relato de vidas passadas feito em consciência. Sem margem para dúvida, Dalila relata-nos, por exemplo, o Porto de outras épocas, com outra paisagem e outro sentido de tempo. Os actos imaginários, são fantasiosos para qualquer mente positiva e formatada da época. Os actos imaginários, para outras sensibilidades, contêm em si, toda a promessa de experiência e seu encontro com a verdade. A fantasia confunde-se com a imaginação para os primeiros e é mero infantilismo para os segundos.
Nesses relatos de outras vidas nos quais o véu do tempo é levantado, há um "distanciamento" tal como a autora escreve, face ao próprio tempo como se essa fosse uma condição necessária para que um outro tempo fosse visitado. É na distância de nós mesmos que tudo nos é dado ou apresentado.
A re-encarnação, aceite no oriente, torna-se motivo de reflexão.
Deve tornar-se motivo de reflexão. Não pelo motivo enganador da chamada "evolução espiritual" tão em vigor agora como se se tratasse de uma carta de condução com pontos, mas motivo de reflexão absolutamente materialista, com consequências materiais. Se voltarmos a esta terra voltamos à própria matéria que aqui deixámos. Tão simples quanto isto. Se deixarmos uma casa em ruínas é à casa em ruínas que voltamos. É o chamado "consciente colectivo" de que ninguém fala tão distraídos que andamos com o inconsciente e por isso mesmo com a inconsciência ou pura fantasia.
Há uma casa de "férias prolongadas" possíveis a que vulgarmente se chama céu. E há aquela de uso frequente que é esta. Se é um jogo de espelhos isso fica para as teologias que são sempre matérias vagas em vagas navegando nas vagas do vento.
A visão materialista das religiões e das políticas diz-nos "aí de nós, que planeta vamos dar à nossa descendência!" e no fundo não se rala. Mas e se a descendência, mais tarde ou mais cedo formos nós? Nós.
E se nós por mero capricho do destino voltássemos com a consciência exacta de que somos nós? Talvez já se perceba que o dilúvio tenha sido um mar de lágrimas e que o próximo seja um mar de fogo. O fogo é a consciência. Com tudo o que ela pode trazer. A memória, inclusive. É esta a questão fundamental que Dalila Pereira da Costa levanta quando fala de outras vidas. E até trememos.


(Cynthia Guimarães Taveira)

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