Todas as palavras são o silencio
do que vi. Vejo essas cadeiras espalhadas e nós sentados nelas, bebendo um
tónico ou não, de perna cruzada, essa esplanada de gente que vem e se senta,
que vem e que trás mais alguém que se levanta e sai, que se estende pela tarde
na esperança de uma companhia morna. Vejo esse sentido de estar a olhar como se
nele se procurasse a verdade no rosto deste e daquele. Vejo a alma calada que a
todos vê, metida por dentro do silêncio que não retive.
Procuram saber todos os rostos
que se cruzam, nesse passeio de fim de tarde tendo o mar como plenitude e os
outros sempre por ansiedade. De se saber quem é, de se saber o que pensa, o que
diz ou tem a dizer. Vejo multidões de gentes que tudo querem saber. Do outro,
nesses passeios diversos da cidade, da praia, do campo que já pouco campo se
sente assim com tanta gente que por ele passa.
E em mim, rostos param também, atentos
aos meus olhos perguntando-me sem perguntar: quem é? O quê?
Todos se envolvem nessa explanada,
nessa conversa de nada mas que tudo diz das crenças e dos dias onde tudo se
passa onde tudo se comenta e se fala deste e daquele e da curiosidade que neles
há. Nas perguntas dos pormenores dos trabalhos, onde estão, onde ficaram, para
onde vão o que têm ou o que não têm, nos comentários sobre o estado do tempo
que é sempre toda a gente embutida nele.
E olhamo-nos da mesma maneira que
nos perguntamos porquê, mas se fizéssemos a pergunta “porquê” estremeceríamos
de medo e então camuflamos o “porquê” nos outros e eles são todos os “porquês”
que não ousamos perguntar porque a filosofia custa sempre uma lágrima qualquer
e os outros talvez nos deem a possibilidade de um sorriso.
Dói perguntar porque a dúvida
suspende-nos no ar quando é verdadeira. Porque é um primeiro voo de um pássaro…
Ah! Tantas caras e tantos olhos e
tantas bocas e tantas perguntas sobre elas que são sempre as mesmas. As mesmas
que trazemos do berço à cova, as mesmas esplanadas no Verão, as mesmas mesas de
café no Inverno, os mesmos comentários, as mesmas horas sem uma rosa que nos
trespasse.
E juntam-se alguns ao meu redor
esperando um outro “porquê”, que seja diferente e que os tire dessas horas
arrastadas das mesmas perguntas. E nada sei dizer porque só sei ver e de tanto
ver apenas escrever. E tudo o que é sério só encontra lugar no papel porque as
palavras ditas em voz alta fazem barulho demais no sossego que a alma tem se só
lê. Porque todas as palavras ditas em voz alta soam a teatro e a cenário e a
voz é como se nunca fosse tão perfeita como aquela que lê para dentro da nossa
alma. É como se a manifestação da voz soasse a inconsistência pela vibração
cheia de atrito no ar, e que a voz de dentro, imanente à presença
atordoante, soasse de cristal, puro som, no nosso cosmos interno.
Há nessa voz de dentro que nem se
ouve quase a ausência de palavra. Como se essa fosse o traje do sentido. E assim,
todos os sentidos explodem por dentro, nessa voz sem palavras que tudo assimila
e ecoa na simultaneidade da nossa presença.
E juntam-se a meu redor, vêm em
busca da “conversa interessante”, que não sei ter, em busca da distracção das miudezas
do mundo, em busca de uma grandeza inesperada, e só lhes sei dizer que tudo o
que escrevi foi esse silencio que retive. E que passei pelo mundo invisível, e
que assim eles também, invisíveis uns aos outros, por não saberem que o amor,
quando encontrado é só sentido absoluto das coisas, sem palavras que o valham
ou leituras que o compensem.
(Cynthia Guimarães Taveira)
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