sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

O pássaro cantor


Uma das vantagens que há em viver no mundo intelectual português é a de podermos pensar o que quisermos sobre aquilo que os outros pensam tendo como consequência, se tornarmos os pensamentos públicos, as reações mais diversas. Evidentemente que isto não é português nem deixa de ser. A única coisa que é portuguesa é o facto de pensarmos em Portugal. Só o pensamento, no mundo intelectual, nos inclui ou nos exclui daquilo que é pensar Portugal. Ora as coisas até correm bem se pensarmos no melhor que Portugal tem e correm mal se pensarmos no pior que Portugal tem. Quando correm bem, arranjamos sempre amigos, quer os que pensam em tudo o que de bom tem Portugal como aqueles que pensam que devemos relativizar as coisas e que, por isso, nunca pensaram verdadeiramente em Portugal. Se pensarmos nas coisas más, e as dissermos em voz alta, os que pensam só nas coisas boas de Portugal pegam nas armas e vai disto, tornam-se inimigos mortais, não daquilo que é menos bom em Portugal, mas  sim, do pobre mensageiro que, no meio intelectual, ousou apontar os desastres lusitanos. É assim que, o meio intelectual português, aquele que se queria ser "o topo da elite" é também o
que mais mantém as ilusões. Ora a ilusão, como sabemos, é uma imagem inconsistente e perigosa. É por termos estas pseudo-elites que Portugal anda como anda. São elas as responsáveis pelo aniquilamento dos mensageiros que trazem uma mensagem do "alto" com o seu olhar de águia e a sua despreocupação com a sua situação no tempo que sabem bem não existir. Quem quer pertencer à "elite pensadora" tem de se auto-proclamar "defensor do reino" ainda que na prática apenas o agrida ainda mais. Pensar Portugal, só por si não chega . Aquilo que une os "mensageiros" é o coração. Ou batem juntos de forma a alcançar alguma sintonia ou então são, quando caçados, atirados para o saco de gatos, numa primeira fase (a da confusão), e para o circo das feras (a da selvageria pouco lúcida), numa segunda fase, composta por feras-defensoras e que, como feras que são, atacam para defender a ilusão que agride o país. Tentam o despedaçamento de todas as formas do infeliz mensageiro que mais não é do que um pássaro cantor, com a sua linguagem das aves abafada pelo rugido das feras não conhecedoras, por incapacidade natural, dessa linguagem sublime com que Deus dotou os que bem entendeu.

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