sábado, 2 de outubro de 2021

Os múltiplos

 




Aí, Fernando, nem queiras saber o que por aqui vai

A multiplicidade de Fernando Pessoa é criativa. Depois dele, tornou-se moda ser múltiplo e, com esse escudo, alguns aproveitam para justificar as asneiras dizendo: "Não fui eu, foi o outro que há em mim", e safam-se do raspanete ou de algo pior. Normalmente os neo-múltiplos não criam nada, limitam-se a dizer que são múltiplos e, ao contrário de Pessoa, não sabem quem são. Fernando Pessoa escreveu muito em nome dele próprio. A melhor forma de lidarmos com os neo-múltiplos e dizer que também o somos. No diálogo fica criado um vazio suficiente para que nada sobre a não ser o passatempo dos "incriadores" que é fazerem tudo em nome da lei, que é múltipla também. Antigamente isso tinha o nome de vira-casacas, agora, com a leitura de Fernando Pessoa tornou-se tudo mais culto e mais fino. Já conheci dois que me disseram ser eles mesmos Fernando Pessoa ao que respondi: "Então porque é que não escreve?". Evidentemente que sempre poderão inventar que são a quarta personagem vista numa visão por Pessoa e que ninguém sabe qual é e se ele a viu mesmo e que consta não ter deixado nada escrito, uma excelente justificação para as duas pessoas que me disserem ser o poeta e que deixo aqui em forma de sugestão não vá alguém fazer-lhes a mesma pergunta. Em nome da multiplicidade e da ignorância do que se é, faz-se o que se quiser. Assumir a liberdade é coisa que fica mal nos círculos e circuitos intelectuais que são circuitos em círculo porque não a conhecem nem gostam dela. Mas, se nesses circuitos circulares alguém se afirmar "múltiplo" o aplauso é total e em pé. Fica assim escancarada a porta para o caos moderno que é sempre bem vindo e nada criativo. A liberdade é outra coisa e fonte de criatividade, feita de um diálogo constante entre nós e nós, nós e os outros e nós e Deus. Até mesmo quando Deus soletra o que deve ser escrito, fá-lo num clima de liberdade que é desconhecido dos circuitos em pista (normalmente a competição é feroz nesses círculos intelectuais, à imagem das empresas multinacionais que angariam clientes, o princípio é o mesmo) e há uma convergência, um ponto de encontro entre duas ou mais vontades, o contrário da competição. Quando ouço dizer que são múltiplos quero ver o aspecto criativo que contêm e nunca contêm, ou apenas os mínimos como quem sabe identificar as cores quentes e frias. São técnicos. 




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