Olá querido Fernando.
E passou mais um ano. Feliz aniversário e saudades tuas. Pois por aqui, neste mundo côncavo e de abismos, os homens continuam a sua marcha em direção a lado nenhum. Depois do vírus, uma guerra (há sempre guerras no mundo, mas como esta está mais próxima só se fala dela agora), e dizem que ela é o oriente contra o ocidente. Eu penso que é mais do mesmo porque as pessoas nem sabem o que é o ocidente nem sabem o que é o oriente, só conhecem as coordenadas da rosa dos ventos (e é quando conhecem...) e, como uns estão de um lado e os outros doutro dizem que a guerra é isso. Mas não é nada. O único interesse nesta guerra é o dinheiro, porque de História e de Cultura não sabem nada, nem de um lado nem do outro. Assim, como a maioria dos homens (eu sei que as mulheres para ti são inferiores, discordo de ti, naturalmente, mas amo-te muito) têm agressividade a mais no corpo e esta está toda mal direcionada, fazem guerras e são estúpidos que nem casas (até mais estúpidos do que as casas inteligentes). Também penso existir uma pulsão suicida no meio disto tudo: é o caminho inevitável do caos, poucos passam por ele e regressam renascidos e diferentes (estruturalmente diferentes). De maneira que temos as mais baixas pulsões e os mais medíocres instintos a comandar o mundo: o da ganância, o da sobrevivência e o da tirania (tanto de um lado como do outro) e, quando é assim, tudo é igual a tudo, num tédio profundo e arrastado pela miséria fora...
Quanto a ti, houve quem escrevesse a tua biografia. Ainda não a li porque não tive tempo, só li uma entrevista do autor e pareceu-me que o senhor era um produto desta época, um tanto ou quanto superficial e coerente com o absimo manifesto no qual nos encontramos. Quando tiver tempo, leio, mas não sei se aguento as mil páginas, muitas delas, segundo um crítico cá de casa, são palha suficiente para fazer uma cubata. Mas não quero falar sem conhecer.
O resto continua na mesma. Não há sentido de comunidade em Portugal, cada vez mais é cada um por si o que torna impossível de concretizar qualquer projecto para o país (aqui para nós, e para não variar naquilo que conheces bem, algo muito semelhante ao que se passa na nossa vida).
Fazes falta neste deambular em volta da própria cauda porque nos trazias sempre ideias criativas (mesmo que as ideias não fossem novas, nem tinham de ser: algumas velhas servem perfeitamente) capazes de nos fazer sorrir e pensar por sermos todos portugueses e por sermos, por isso, as tuas próprias palavras. Para que serve a língua portuguesa a não ser para ser o nosso próprio espelho? E que bela ela é, tirando o Acordo Ortográfico que é um acto selvagem e idiota, sim, também ele produto da época.
Assim, meu encanto, a única coisa que há a fazer é calar e continuar neste silêncio denso feito de concentrados de pensamentos e de emoções. Quando são provados pelos deuses (os únicos capazes de os provar) parecem extra condimentados como a comida indiana e eles dão estalos com a língua no céu da boca e arrepiam-se ligeiramente, e já é muito bom.
Lembras-te de teres escrito sobre a "ilha próxima e remota"? É como nos encontramos alguns de nós, muito poucos. Somos a nossa própria ilha: tal como uma miragem, está próxima e, com um gesto, se afasta... Para quê mais do que isso? O mundo vai para onde escolhe e nós não vamos com ele. No outro dia disseram-me que estava a ficar velhota. Tive vontade de rir. O mundo é que está velho e eu só demasiado jovem para ele. Mas como o mundo fez o pacto de Dorian Gray, vê tudo ao contrário. Alguns de nós nasceram antes do tempo só porque vieram do lado de fora do tempo.
Um beijo enorme.
Da sempre tua
Cynthia
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