domingo, 21 de agosto de 2022

Telmo




Pelo que entendo, António Telmo, passado 12 anos da tua partida para a Luz que tanto amavas, as gentes e o mundo que contém as gentes (porque o oposto, as gentes que contêm o mundo, é algo cada vez mais raro) continuam com as garras de fora e poder-se-ia quase dizer que, não havendo filosofia selvagem alguma, há uma animalidade filosófica permanente e uma demonstração de machos (mesmo que haja fêmeas) de rituais de luta pelo território. Diria que já se assemelham a rituais apenas devido à constância no tempo de taís fenómenos provindos dos restos, altamente remendados e esfomeados, da outrora luminosa filosofia portuguesa. A visão que passam é a de becos acinzentados com homens esfarrapados em busca de um pedaço de filosofia solta atirado pelo público a um qualquer contentor do lixo e, mal o conseguem segurar, erguem-no vitoriosos e exibem-no aos restantes mendigos ao mesmo tempo que grunhem a canção de serem o verdadeiro discipulado. É mais ou menos isto que se passa, caro Amigo e, num outro lado, muito afastado dessa realidade urbana e pejada de malfeitores, numa herdade antiga esquecida pelo tempo e pelas gentes, uma mesa desenrola um grande banquete (daqueles à antiga) servido aos simples, caseiros e afins, longe das filosofias que sofreram o enfarte do Ego e pasmaram loucas ao espelho por só conseguirem rastejar em torno dos contentores. Aí, nessa herdade única, a brisa de Deus passa e, em silêncio, o copo é levantado em memória do teu Espírito. Os sinais permanecem aquém das gentes e do mundo e permanecem igualmente belos. A herdade eleva-se na paisagem inacessível e o jardim, bem cuidado, ofertado a quem nele nasce, tem a tal fonte no seu centro. Sim, aquela que alimenta os rios que vão muito para além do jardim encantado, desaguando no mar do pensamento e do coração. Tal como disseste. 

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