sexta-feira, 2 de setembro de 2022

"Morro pelas minhas próprias penas"

 


É sabido que a evolução da tecnologia bem como o acesso à informação não são sinónimos de alargamento da consciência, são apenas ilusões de que a temos enquanto a consciência permanece dentro do mesmo perímetro de sempre. A iniciação sacerdotal, a existir, algo de que francamente duvido, estará tão reservada que nem o mais astuto investigador a encontra. A iniciação guerreira a existir, é inacessível numa época em que a guerra deixou absolutamente de ser uma arte. Se os sacerdotes nos desiludem, os guerreiros contemporâneos ainda mais...  Resta a inocente, mas verdadeira, iniciação artesanal. Dentro da escala das iniciações, esta é considerada a mais baixa, no entanto, há que ter em atenção que partilha com as outras duas a palavra "iniciação", a palavra mais importante no meio de tudo isto. O processo é sempre o mesmo, a metodologia é que difere. Mas temos demasiados problemas práticos no mundo para nos perdermos em divagações e um deles é a autosuficiência de Portugal, um país pequeno com menos de dez milhões de pessoas ingovernáveis e com governantes que não sabem conhecer esses ingovernáveis. Se os governantes conhecessem os portugueses depressa entenderiam a necessidade em aderir ao projecto de Portugal porque embora tenhamos as fronteiras mais antigas da Europa  (há quem pense que é a Grécia, mas a Grécia é composta por ilhas que vão e vem ao sabor das guerras do Mediterrâneo), o país, como país ainda não está construído. Está inventado, como cantam os Heróis do Mar, mas não está construído. Sendo o âmago dos portugueses a consciência da liberdade, tudo o que for dependência não amorosa será sempre um empecilho para a concretização do país pois o que pulsa no mais profundo "ser português" deveria ser exteriorizado pelo próprio país. A agricultura de subsistência foi também, em ponto pequeno, a agricultura excedentária que servia os mercados e as trocas (uma agricultura pequeno polegar que punha o país a funcionar). Sabendo isto, fazemos o contrário e colocamo-nos à disposição dos excedentes do estrangeiro e alegremente destruímos aquilo que nos cabia a nós produzir. Não há volta a dar: perante o sistema econômico global, saímos sempre, como povo inteiro, a perder, enquanto muito poucos portugueses enriquecem e a pseudo-democracia nunca foi tão evidente. Pior que uma democracia, só mesmo uma pseudo-democracia... Os nossos governantes permanecem impávidos e serenos abraçando um sistema que contraria tudo o que somos, desde que eles estejam bem na vida, todos, segundo a sua visão distorcida da realidade, estão bem na vida. A contra iniciação requer uma boa dose de "encolhimento" da consciência e de preferência mesmo, a sua extinção. Os governantes permanecem sem saber distinguir a diferença entre quem se propõe "surfar" uma onda, e quem vai com a onda. Os primeiros procuram o auto-domínio, os segundos são náufragos alegres julgando-se bons surfistas, até ao afogamento final. Incomoda um país em que a nossa voz vale zero, não tem peso e nem sequer é motivo de meditação por ser imediatamente afastada por "não ter os pés na terra" e "não ter a consciência da realidade". Incómoda porque é mentira. Se para alguns a verdade é incómoda, para outros é a mentira.  Mesmo em silêncio ela é incómoda. Veja-se o Serviço Nacional de Saúde: todo o material, desde os objectos aos médicos é caríssimo porque está ligado a empresas cujo propósito é criar riqueza aos acionistas. Os médicos são caros porque estão ligados a empresas cujo negócio é a saúde e que beneficia os donos dessas empresas. Logo, para manter um médico no Estado é necessário que o seu salário entre em competição com o sector privado. Um médico é um objecto no SMS, tal como é um par de luvas látex ou um carrinho de soro. Esta visão das coisas como "normal" é a base de tudo. E isto para não falar do negócio das farmacêuticas que obrigam o público a ser bipolar: ora as colocam num pedestal de santidade por salvarem vidas ora as colocam no Inferno pelo facto das tirarem... Andamos nisto há décadas e achamos tudo isto normal e zangamo-nos em debates televisivos. É caso para dizer "casa onde há pão, todos ralham e todos têm razão" e quando todos têm razão algo de muito esquisito se passa. Os antigos juízes hebreus, quando concordavam unanimemente com o veredito, sentenciavam o contrário porque era anti-natura o acordo de todos... É com isto que vivemos. No fundo, todos concordam que estamos muito melhores, todos temos razão e, por isso, não temos razão nenhuma e esta sociedade está toda mal. É por isso que os extremos concordam absolutamente em ser extremos e colaboram para que assim permaneçam sem conhecerem o círculo por inteiro do qual fazem parte por se pensarem um extremo de uma linha qualquer, um finito indesejável, mas que eles desejam profundamente... Seja um império por mil anos, seja uma federação imutável de povos iguais e limitados em si próprios. O finito está sempre lá, já o infinito, está no Espírito que não tocam... É pena que a nossa voz não seja ouvida e meditada, não porque quem é superior, mas sim por quem é inferior pensando ser superior. No entanto, só quem é verdadeiramente superior pode meditar sobre estas coisas, o que torna viva a pescadinha de rabo na boca, o Ouruboros português, no qual, os extremos se tocam: quanto mais a pescadinha come, mais cresce e mais tem para comer: não há maior metáfora para a perversão daquilo que é o infinito... É que o infinito, não tem fim, nem princípio, ou seja, nem tem boca, nem tem cauda. É em si: o Ouruboros é uma imagem pálida do infinito, e altamente materialista. Tal e qual os tempos d'hoje. Já "morrer pelas próprias penas" é outra coisa, implica a morte para renascer ...

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