O mundo encontra-se num tal estado de inferioridade que mostrar alguma superioridade perante ele é um acto de lúcida loucura. Obedeço a regras muito simples quando escrevo, um delas é a de não querer saber o efeito que provocam as palavras. Se quando pinto, a pintura, um vez terminada, vive para além de mim, o mesmo se passa com as palavras. Soltas são e soltas ficam. Se digo que “não somo todos iguais”, essas palavras iniciam o seu voo em revoadas e atingem os que pensam exactamente o contrário só porque não se dão ao trabalho de pensar que não há nada igual a nada na natureza e no mundo. Esse é um dos casos em que a “utopia” pode encarnar, ou seja, a ideia encarna, mas não há corpo que a suporte, apenas e tão só, um corpo deficiente, torto consegue suportar, e mal, a encarnação da utopia, simplesmente, porque a natureza não aceita aquilo que não existe. De maneira que as pessoas podem vir com o argumento que ”em termos políticos somos todos iguais, que por exemplo, que somos iguais perante a lei”, ao que respondo, depende do advogado, do juiz, dos conhecimentos, da riqueza, do prestígio, da sorte, do contexto, da própria lei em vigor no momento. Este é um dos exemplos mais crassos em que se vê que não somos todos iguais. Perante esta frase também podem afirmar: “Pensas que és melhor do que os outros?”, ao que respondo “sou melhor que muitos e pior que muitos”, e mais uma vez, lá se vai a igualdade por água abaixo. Aquilo que a política tenta fazer, hoje, para além de andar a reboque (e só anda a reboque) dos negócios do mundo é achar denominadores comuns, a parte mais baixinha da fracção. E nunca consegue, e nunca consegue ser plenamente justa também, no entanto, tenta fazer crer que é o melhor de todos os sistemas, e o melhor de todos os piores sistemas. O denominadores comuns só conhecem a equidade quando são multiplicados e devem sê-lo por números diferentes, nunca iguais. Isto passa-se também a nível do sistema económico mundial, frágil como a estátua do sonho de Nabucodonosor. Sempre que é atirada um pedra, seja o discurso de alguém, algum desfalque ou algo semelhante, a estátua treme e normalmente os preços sobem para sempre. Assegurado, por isso, deve estar o nosso quintal onde se plantam alguns vegetais, não vá o diabo tecê-las...
A maior parte do tempo ando magoada, magoada com tudo o que se passa e pergunto-me porque é que é assim, porque não vivo indiferente e feliz, orgulhosamente só. Mas ando orgulhosamente cheia do mundo dentro de mim. Uma das funções que tenho é falar. Não para as pessoas que não ligam ou são surdas, mas falar para o alto e fazer o relato do que se passa. Mesmo sem palavras, lá em cima, são bons leitores do coração. O caractere chinês que indica “o homem”, é também aquele que indica que este faz a ponte entre o céu e a terra. Somos pontífices naturais. É por isso que, as castas tradicionais vão da todas ao mesmo, porque na essência, fazemos todos essa ponte. É esse o único grau de igualdade aceitável, mas até as pontes são todas diferentes... até no que ligam. A melhor maneira de viver, continuo a pensar, é como faço: tenho as conversas que os outros querem (andam tudo louco com o seu próprio espelho, lá está, a igualdade), e escrevo o que me apetece. Com os outros, sou eles, sem os outros, definitivamente, não tenho nada a ver com os outros. A minha total insatisfação, a minha total alma atormentada, não permite conversas, apenas monólogos e alguns recados para o alto. Admitir isto, hoje, é heresia. Da mais pura, porque ser que é ser humano tem de ser sociável, se não o for, não existe. É agradável não existir neste mundo. Mergulhar nas águas e ver as anémonas que não nos veem a nós. Como disse o Miguel Sousa Tavares, a humanidade divide-se entre aqueles que já viram o fundo do mar e os que ainda não viram. Mal sabe ele a razão que tem. As anémonas não se dão conta de que estão no fundo do mar, já dizia Platão. Caverna ou fundo do mar, tanto faz, vai dar no mesmo. No Japão há um passatempo fabuloso por entre os criadores de carpas: procuram a carpa perfeita. Eles sabem que as carpas são todas diferentes, e têm tanques onde elas se reproduzem. Os japoneses têm a esperança de encontrar aquela carpa que é perfeita. Penso que nem eles sabem muito bem o que é a perfeição, mas procuram-na com a certeza em que no dia a que encontrarem a reconhecerão. Acho isto espantoso como alegoria da demanda. Relativamente aos sistemas políticos, já aqui escrevi que como disse um alquimista” o homem é aquele que contém em si todos os animais”, pois na verdade, conseguimos imitar todos e, como cada espécie (às vezes até mesmo dentro da mesma espécie), tem a sua organização, o problema da organização social (hoje denominada de política e transformada em pura economia) é grande pois teria que se escolher uma parte do todo, sacrificando algo. É isso que se passa. O homem completo, total, não necessita de escolher, vive apenas de si para si ligando-se e ligando a terra com o céu. Esta é a anarquia-monarquia sublime. A única capaz de preencher os requisitos e as potencialidade humanas: a anarquia divina da qual o homem é rei. Tudo o resto, são partes, como a economia atual são remendos sucessivos, pensos rápidos paras as crises sistémicas. O homem vai manco enquanto tentar encarnar utopias porque a natureza não admite o que não existe, enjeita e ignora. O homem desperto estará tanto mais ligado à natureza quanto maior o seu despertar. Só assim ela o acolhe e conversa com ele. Só assim, juntos se redimem. Ora se andamos a reboque de economias periclitantes e de pensamentos suicidas em estado permanente (quem pensa que está aqui para se aproveitar e para aproveitar ao máximo é um suicida em acto pois não acredita na eternidade, é um ateu por natureza, natureza essa que o recusa e o rejeita...) nunca haverá sintonia entre o alto e o baixo. Ganham em simultâneo o Euromilhões e um cancro incurável, à conta de tais pensamentos e atitudes. É por isso que penso que esta civilização está condenada, e ainda bem. Foi mais uma tentativa frustrada. Vamos lá ver é se não é a própria humanidade, tal como a conhecemos, que está condenada. Houve várias e se tiver de ser preciso, Deus tenta de novo, sem problema. Tem todo o tempo do mundo...