quinta-feira, 4 de abril de 2024

Bacocos


Bacoco, aparece como sinónimo de pacóvio, ingénuo, pouco esperto e por aí fora, aparece como um dos argumentos para que o logótipo adoptado para a República Portuguesa, a malfadada, prevaleça e foi,  afinal, colocado de lado. O novo governo, tal como prometido, voltou à esfera armilar. Ouvi de tudo, desde que era muito pouco como primeira medida adoptada até ao facto, segundo alguns progressistas entusiasmados, de o antigo logótipo, leia-se a bola amarela e os dois quadrilongos laterais, serem muito mais fáceis de trabalhar pelas novas tecnologias, mas, por enquanto, ficar-me-ia pela palavra “bacoco”, pois penso ser uma palavra deveras interessante. O pacóvio, o ingénuo e o pouco esperto que prefere o antigo logótipo é também um conservador, um anti-progressista, um retrógrado, um palerma. Tive um professor de parentesco (parte do estudos antropológicos) que me disse para atirar os livros de Mircea Eliade para o lixo porque estava ultrapassado, pelo que lhe perguntei se também Platão estaria, algo que o deixou calado. Os antigos gregos, com todos os seus defeitos, deixaram-nos, entre outras, três perguntas fundamentais, “Quem sou? De Onde vim? Para onde vou?” e são elas que estão no cerne do debate que nasceu em torno de um logótipo, ou de dois logótipos. Os que defendem o logótipo com a esfera armilar, podem não entender racionalmente porque o defendem, mas pelo menos intuem estas perguntas, os outros nem conhecem estas perguntas. Passado presente e futuro não vivem uns sem os outros e são os bacocos que parecem aperceber-se disso, consciente ou inconscientemente. Já os outros acreditam no futuro e em mais nada, como se isso fosse possível na terra do devir. Um futuro sem passado não se aguenta, abate-se sobre si próprio, e os símbolos, descobertos nesse passado, fazem parte do passado (digo descobertos porque lhe foi retirado o véu) e logo, pertencem à esfera da pergunta “De onde vim?”. Sabendo isso, passa-se para a seguinte, “Quem sou?” de depois para a outra “Para onde vou?”. E na verdade, o movimento actual de progressistas, não sabe, nem quer saber. Só sabe que o antigo logótipo não é bom para trabalhar com informática. Não se submete, e faz muito bem. Porque não é o símbolo que tem de se adaptar à tecnologia, é a tecnologia que tem de se adaptar ao símbolo. Esta é apenas uma das caraterísticas da inversão das coisas. O símbolo é hierarquicamente superior à tecnologia e não o inverso. O bacoco sabe disso, intuitivamente. Mas, os verdadeiros pacóvios, bacocos e ingénuos são aqueles que acreditam que a tecnologia é um grande barco que nos leva não se sabe muito bem onde, porque nunca fazem a pergunta “Para onde vou?”, até porque não fizeram as duas primeiras. São uns ingénuos, crentes e cegos. Os dilemas do século XIX continuam em força. Isto são questões básicas, o b-á-bá da existência. A criação de um mundo onde a assimbolia, ou seja, a impossibilidade de utilizar os sinais e/ou símbolos para se compreenderem ideias é o encontro com a bestialidade, e parece-me ser essa  a vontade inicial de todo este movimento progressista, porque há sempre um propósito nas acções ainda que não esteja visível. A raiva ao símbolo é apenas um sintoma de uma doença, de uma falha, de uma incapacidade. Nós, que nascemos para expandir a consciência, procuramos dar cabo dela, contraindo-a até à sua inexistência, até que se abata sobre si própria. Um dos propósitos dos símbolos é serem capazes de abrir portais da consciência. Mas o progresso está na tecnologia... que se irá abater sobre si própria, arrastando os homens com ela. O que não é novidade nenhuma. E aí, seremos uma bestas, tal como sonhámos, longe dos símbolos, longe do céu e bem longe de nós próprios.

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