sábado, 30 de julho de 2022

A Deusa

 


Um amigo, depois de me ouvir sobre o facto de  ter sido prejudicada em determinados meios autoproclamados "intelectuais-esotéricos" actuais, por ser mulher, com a melhor das intenções disse-me que fora desse "meio ambiente" talvez o meu trabalho fosse aceite, ao que respondi que não era verdade. Atravessando a fronteira desse contexto misógino muito bem disfarçado de Amor à Deusa (e que esquece o essencial) o desinteresse é total. De maneira que a pessoa sente que não vale muito a pena fazer o que seja. Os dias passam sem que nada de jeito se passe. À excepção, claro, de uma vitalidade intrínseca, meio produto da genética familiar, meio produto da transferência da tal Deusa que todos "amam" imenso sem se lembrarem sequer que é ela que os escolhe, quando os escolhe... 

domingo, 10 de julho de 2022

Os boçais



Quando o paternalismo absurdo nos entra pela casa dentro convém representarmos bem o papel de quem necessita absolutamente dele e, em simultâneo, com gestos simples, demonstrar a dança das virtudes para que os paternalistas saiam de lá com a nítida sensação de que nunca tiveram uma experiência assim. Foi o que fiz há uns dias. Os paternalistas são naturalmente preconceituosos, já trazem uma ideia feita do nosso "circo de horrores" (porque são considerados horrores no seu padrão de vida boçal), mas quando lhes satisfazemos as necessidades (que são sempre do mais básico que há) acrescentando em simultâneo o "horror" e a arte, dá-se neles a vivência do seu próprio paradoxo (levado ao limite) e, a forma como saem, assemelhar-se-á ao discurso que vão ter logo de seguida à dita experiência: irão continuar a apontar o "horror", mas pontuado com o acrescento de um "mas". É nesse "mas" que balançamos livres e nos livramos dos paternalistas. O "mas" que produzem com os lábios, é para nós um "mais", porque é nele que vemos a letra "i" ascendendo ao céu, e deitando por terra a armadura e a arma infanto-juvenil do preconceito. 
 

quarta-feira, 6 de julho de 2022

domingo, 26 de junho de 2022

Vinho

 


Tenho aqui em frente cinco vinhos que me ofereceram, e todos têm nomes sugestivos: Torre de Ferro, Valdeus, Pêra Doce, Mesa de Honra e Quinta das perdizes. Todos os nomes me remetem para o passado e há uma certa calma só por os contemplar. A sensação inversa que tenho quando vejo as imagens do Rock in Rio. Enchentes de campos sem flores, nem torres altas com reis de tristes destinos, nem mesas de honra (o que é isso da honra?) e muito menos quintas nos vales de Deus onde se passeiam perdizes enquanto as pereiras deixam cair  pêras doces nas nossas mãos. O aroma destes vinhos está no próprio nome. E o paraíso aqui tão perto, na varanda de mármore, na brisa morna, nas colunas onde se sustêm cortinados leves, asas quasi transparentes que acentuam o silêncio do sonho onde, por fim, respiro. Esta vida tenho-a por engano e é na outra a que pertenço que, sem limites, estendo o olhar para a paisagem, tão interior por verdadeira. Empresto a minha vida a este tempo, como quem dá uma esmola e sabe, de antemão, que não resolve a miséria. Ainda procuro nela os sinais da outra que em mim trago porque a traguei num instante de eternidade, mas são tão implícitos como rótulos de vinho a quem ninguém interessa por já pensar na sonolência dos vapores, na pressa tão apressada ela mesma, de tragar estes tempos tão pouco eternos, tão breves e tão explícitos como nenhum rótulo de vinho o é. Na eternidade, ao invés, não há pressa nem tempo e a vida é o próprio vinho com tudo aquilo que o rótulo, nesta vida daqui, insinua, sem capa, nem contracapa, o livro eterno, sem princípio nem fim. 


quinta-feira, 23 de junho de 2022

Flores silvestres

 


Os sismógrafos não param. Parecem a venda livre dos argumentos desfeitos. Na tabela periódica dos tipologistas está tudo estagnado e separado por divisórias e estes adormecem descansados enquanto contemplam o seu mundo perfeito, exacto como a matemática (que é apenas um dos dedos de Deus). Já não encontro vagar nem disposição para respirar o mesmo ar claustrofóbico dos monges indefinidos entre o cavalo e o paramento (o único lugar na tabela periódica ocupado por dois tipos de ideia). Os sismógrafos não param porque eles estão sempre a tremer e a atacar, tal como os seus adversários constituídos por lama de esquerda. Hoje andei por Sintra. Um primor! Verdejante e livre de vermes, pelo menos naquela encosta... E que bem que estavam as flores! Pareciam ter sido pinceladas nos muros das quintarolas esquecidas. Chega-se a um ponto em que a função já não interessa e resta a resistência pura e simples do que somos, sem grandes pensamentos, apenas essa contemplação sem a mácula da tentativa de compreensão. E lembrar que perante Deus, estamos todos nús, como no Paraíso. Se as sereias passam, que passem, com as sua caudas de mar, se os centauros se erguem, que se elevem sem me incomodar, mesmo não cabendo na tabela em nenhum lugar, ainda assim passam mesmo que os diligentes da sabedoria possível ericem os seus espigões semi-atentos face a uma realidade maior... Diz a voz da Arte, que os sacerdotes estão entre os artistas e que os guerreiros se dispersaram nos campos de batalha para mais não serem vistos, nem nada serem. E, reservadas, as flores silvestres ignoram as batalhas dos campos onde florescem... Nada é para elas e tudo é delas, nas sua circular, perfeita e imparável roda imóvel. 

terça-feira, 21 de junho de 2022

A Árvore da Vida

 


Bill Bryson no seu livro “Uma Breve História de Quase Tudo” chama a atenção para o facto de a indústria automóvel ter aumentado consideravelmente o nível de poluição corporal que os homens possuem nos seus próprios corpos, estimando-se que seja 400 vezes superior ao que continha no início da Era automobilística. Evidentemente, já não somos o que éramos como seres humanos. Por outro lado, no alucinante livro de Jonathan Black “História Secreta do Mundo”, na página 66, conta o autor que “O que professores das escolas dos Mistérios pretenderam indicar com a vitória do deus Sol foi a importante transição de um Cosmos puramente mineral para um Cosmos florescente em vida vegetal” e que, segundo a tradição desses Mistérios, "germes únicos uniram-se em vastas estruturas flutuantes semelhantes a teias que encheram todo o Universo”, sendo essa fase recordada nos Vedas como a “Rede de Indra” constituída por “luminosos fios vivos perpetuamente entrelaçados, unindo-se com ondas de luz e depois voltando a dissolver-se” para mais tarde se entrelaçarem de novo, desta vez de forma mais permanente, em forma de árvore, árvore que seria o próprio Adão e tendo essas formas ficado cada vez mais densas e semelhantes às plantas de hoje. Segundo o mesmo autor, o sistema nervoso simpático, é semelhante a uma árvore. Por sua vez, Rebecca Wragg Sykes, na sua obra (altamente sistemática), “A Nossa Família - vida, amor, morte e arte dos Neandertais”, coloca em evidência o desenvolvimento humano como uma árvore, tendo vários “tipos” pré-humanos e humanos, sobrevivido, ora mais ou menos tempo, tendo-se alguns desenvolvido, outros não (não falo em evolução porque esta é muito subjetiva) e tendo os mais desenvolvidos coexistido com os mais primitivos, exatamente como hoje se passa, com as tribos primitivas a quilómetros da “civilização". E, assim,  ficamos com a noção de árvore em várias dimensões. Se é verdade que o próprio Cosmos começou por ser algo de muito subtil e luminoso, também será verdade que guardamos essa memória algures. Se é verdade que a nossa estrutura corporal não é destituída dessa subtileza podemos calcular o que é que o excesso de poluição pode provocar: as toxinas impedem o fluxo daquilo que deve fluir. Se é verdade que o mais primitivo coexiste com o mais desenvolvido, vemos que, tal como os tipos de Neandertais que aparecem e desaparecem e que esses vários “tipos” podem ter coexistido com o Homo Sapiens, também é natural que as civilizações, que se desenvolvem como ramos, em vários níveis e que, na antiguidade chegam a coexistir, também aparecem e desaparecem. Quando olhamos para a nossa civilização e a consideramos estar no topo da evolução, somos, no mínimo, ridículos. Os nossos níveis de toxinas corporais dá-nos, não só para a vaidade como para nos impedir de conhecer o lado invisível das coisas, algo a que, possivelmente um pré-humano teria mais acesso. É curioso que a subtileza desses filamentos entrelaçados iniciais esteja ligada à luz. E que luz seria essa? A relatada pelos místicos cristãos, ou pelos yogis, os que tentam a União, nos seus exercícios, queimando as ilusões como etapas? A nostalgia do Paraíso, quando o mundo era diferente e os seus habitantes também, invade-nos como uma onda e escrevem-se livros e livros na tentativa de compreensão e reconquista desse Estado Adâmico. Não deixa de ser uma forte contradição actual que tal aconteça: então não estamos nós na crista da onda da evolução? Não, e é por isso que esses livros são escritos e tantas vezes a par com ideias magníficas de soluções ideológicas para as sociedades: capitalismos, tecnocracias, comunismos, liberalismos etc e tal, sem se perceber que qualquer sociedade equilibrada é apenas produto do homem equilibrado consigo mesmo, ou talvez por outras palavras, com a Luz que transporta como resíduo do Início, luz que concentra as potências. Até lá, somos toxinas ambulantes, deprimidas, perto do negro chumbo, o mineral dos minerais, pior que o ferro... e como assim somos, a nossa consciência não vai além da do próprio animal (que não tem muita consciência de si próprio) e temos aí um problema: diziam os antigos que o homem é o único capaz de imitar qualquer animal, exactamente por os conter todos dentro de si: a esse nível somos algo que se desenvolveu bastante, algo que foi para além do animal, mas, como as toxinas e a amnésia nos fazem esquecer essa subtileza do “para além” tentamos resolver as questões sociais à semelhança dos animais e com a diferença de termos alguma, não muita, consciência disso: uns preferem organizações sociais tipo colmeias, outros tipo matilhas, outros tipo anarquias e por aí fora e, como uma desgraça nunca vem só, contamos com a esperança de vir a ser o tipo de organização escolhida aquela que irá mudar o Homem. Ora, seres profundamente intoxicados produzem, naturalmente, sociedades tóxicas, imagens rarefeitas, pequenos “flashs” (e não Fiats) apenas ou resíduos limitados da grandeza do ser humano. Aponta-se a Revolução Industrial como a causadora deste círculo vicioso. O que se ganhou em conforto, perdeu-se em Espírito. Não há aqui uma mensagem ideológica, há apenas uma mensagem de toxinas. Parece muito materialista, mas não é, até porque a matéria nem existe, é apenas uma densificação de qualquer coisa. Da luz, provavelmente, que contém, entre outras coisas, diversas formas de consciência. Graus de consciência e que resultam num Hino de Sabedoria e da Alegria. 

domingo, 19 de junho de 2022

A Grande Cegada


Sofro de mágoa daquela do abandono tão rica que é assim feita pelos que foram. E nessa mágoa grito como quem vende peixe e chocalho como quem sacode o tapete à janela e esse grito ecoa nas ruas e tremo por temer esquecê-la porque sem mágoa o coração não chocalha nem o seu grito se espalha. E eu quero que se ouça tudo bem ouvido, para que haja a passagem de testemunho da minha mágoa para os deuses e deles para os infames que me magoaram. O coração magoado só perdoa quando é ouvido e quando o seu chocalhar faz tremer os infames, tudo o resto é raciocínio claro, preciso e dado pelos ditames, onde é claro que o coração não arde em chamas, e, por isso, nem há perdão que se veja nem esquecimento que se contemple. A única justiça do mundo é o arrependimento dos infames no exacto momento em que o coração magoado é a flama da dor. Por isso, não me venham com ordens, nem jarreteiras, com sofismas e princípios, com lemas e lições, com ditos por não ditos, nada disso apaga a fogueira deste coração magoado só as lágrimas dos infames de arrependimento e bem colocado, no centro do ser onde, o testemunho dos deuses de volta, não traz a cabeça de Baptista, mas no lugar dela o cálice da dor dos enjaulados no seu orgulho tolo e cego de personagens de revista.