terça-feira, 23 de julho de 2024
Luz
terça-feira, 2 de julho de 2024
quinta-feira, 13 de junho de 2024
Parabéns, meu querido Fernando
O mundo está farto de arte porque não sabe o que é a arte.
E assim me despeço, com muitas saudades, meu amor.
Da sempre tua, Cynthia.
domingo, 9 de junho de 2024
Dias mágicos
Acredito que todos tenham dias ou momentos mágicos, que saem da órbita monótona dos dias, que se elevem como sonhos e que residam numa impressão, numa sensação tão forte que nada os abala. Foi assim, naquele dia em que cheguei a Veneza, entrando nela pelo Grande Canal, e desembarcando na Praça de S. Marcos. Só que daquela vez, foi tudo diferente, uma orquestra tocava numa das esplanadas, apenas essa orquestra tocava nessa noite, naquela praça, o Bolero de Ravel. E dei por mim a dançar, numa praça semi-vazia, há muitos anos, ao som da música crescente, crescendo também a meus olhos a Basílica de S. Marcos, dourada, brilhando na noite. Lembro-me que a música durou exactamente o tempo da travessia da Praça, com o seu culminar, e o culminar da minha dança em frente à Basílica. Para sempre na minha memória como coisa mágica, uma oferta do acaso a quem, como eu, ama aquela cidade. E outros dias há, assim, mágicos, em que tudo daparece em volta dessa memória, desses momentos sem tempo, como aquele, na Costa onde tínhamos casa com alicerces enterrados na areia aveludada, com um grande avarandado onde jantávamos ao pôr do sol, mas naquele dia, diferente. Pousámos os talheres quando nos demos conta de que o mar estava negro, a temperatura morna e o sol dourado já próximo da linha do horizonte e, numa espécie de hipnotismo comum, cerca de dez pessoas, largaram a refeição e entraram, sem palavras e sem qualquer razão lógica, pelo mar adentro, e o mar estava quente e as algas verdes escuras eram aquelas que lhe davam aquela tonalidade negra. E lembro-me de homens e mulheres colocarem as algas no pescoço como se fossem colares vivos, e de nadarem e rirem até escurecer. Dias perfeitos e mágicos, sem perguntas nem respostas, apenas a adesão a eles, como se lhes pretencessemos desde sempre. Outros há, para descrever, embora a escrita não chegue a eles, nem dê sequer a intensidade da sua memória.
domingo, 5 de maio de 2024
O drama
O drama do teatro em vida é que este ocupa tudo, a atenção, o palco, o cenário, o tecto da casa de espectáculos, os atores, o texto, a ideia, as luzes, os trajes, os sons. Ocupa de tal forma tudo que mais nada se passa e o espírito afasta-se por não ser necessário. Isto quando é bom teatro, porque o mau ainda ocupa mais lugar no pensamento. A força da memória aparece como uma musa falante: "O teatro é a queda do Rito". É muito raro conhecer alguém que utilize o teatro para que o Espírito faça a sua aparição. Na verdade, só conheci uma pessoa capaz disso, todas as outras necessitam de rito como de pão para a boca e uma das coisas que aprendi com essa pessoa, foi a reconhecer aqueles que tentam, em vão, fazê-lo. A forma de reconhecer passa pelo coração e daí que não haja volta a dar a alguns candidatos a atores-mestres. Continuam perpetuamente no limbo que o seu teatro proporciona. Mas como o espectáculo começa e acaba com eles, o drama é total. O Espírito nem espreita por falta de espaço. Quando estamos perante Ele através daquele único que conheci, Ele brilha como uma jóia na noite. Exactamente o contrário da máscara. A memória é um forte. O Espírito é a Hora.
domingo, 28 de abril de 2024
O homem e a natureza
O mundo encontra-se num tal estado de inferioridade que mostrar alguma superioridade perante ele é um acto de lúcida loucura. Obedeço a regras muito simples quando escrevo, um delas é a de não querer saber o efeito que provocam as palavras. Se quando pinto, a pintura, um vez terminada, vive para além de mim, o mesmo se passa com as palavras. Soltas são e soltas ficam. Se digo que “não somo todos iguais”, essas palavras iniciam o seu voo em revoadas e atingem os que pensam exactamente o contrário só porque não se dão ao trabalho de pensar que não há nada igual a nada na natureza e no mundo. Esse é um dos casos em que a “utopia” pode encarnar, ou seja, a ideia encarna, mas não há corpo que a suporte, apenas e tão só, um corpo deficiente, torto consegue suportar, e mal, a encarnação da utopia, simplesmente, porque a natureza não aceita aquilo que não existe. De maneira que as pessoas podem vir com o argumento que ”em termos políticos somos todos iguais, que por exemplo, que somos iguais perante a lei”, ao que respondo, depende do advogado, do juiz, dos conhecimentos, da riqueza, do prestígio, da sorte, do contexto, da própria lei em vigor no momento. Este é um dos exemplos mais crassos em que se vê que não somos todos iguais. Perante esta frase também podem afirmar: “Pensas que és melhor do que os outros?”, ao que respondo “sou melhor que muitos e pior que muitos”, e mais uma vez, lá se vai a igualdade por água abaixo. Aquilo que a política tenta fazer, hoje, para além de andar a reboque (e só anda a reboque) dos negócios do mundo é achar denominadores comuns, a parte mais baixinha da fracção. E nunca consegue, e nunca consegue ser plenamente justa também, no entanto, tenta fazer crer que é o melhor de todos os sistemas, e o melhor de todos os piores sistemas. O denominadores comuns só conhecem a equidade quando são multiplicados e devem sê-lo por números diferentes, nunca iguais. Isto passa-se também a nível do sistema económico mundial, frágil como a estátua do sonho de Nabucodonosor. Sempre que é atirada um pedra, seja o discurso de alguém, algum desfalque ou algo semelhante, a estátua treme e normalmente os preços sobem para sempre. Assegurado, por isso, deve estar o nosso quintal onde se plantam alguns vegetais, não vá o diabo tecê-las...
A maior parte do tempo ando magoada, magoada com tudo o que se passa e pergunto-me porque é que é assim, porque não vivo indiferente e feliz, orgulhosamente só. Mas ando orgulhosamente cheia do mundo dentro de mim. Uma das funções que tenho é falar. Não para as pessoas que não ligam ou são surdas, mas falar para o alto e fazer o relato do que se passa. Mesmo sem palavras, lá em cima, são bons leitores do coração. O caractere chinês que indica “o homem”, é também aquele que indica que este faz a ponte entre o céu e a terra. Somos pontífices naturais. É por isso que, as castas tradicionais vão da todas ao mesmo, porque na essência, fazemos todos essa ponte. É esse o único grau de igualdade aceitável, mas até as pontes são todas diferentes... até no que ligam. A melhor maneira de viver, continuo a pensar, é como faço: tenho as conversas que os outros querem (andam tudo louco com o seu próprio espelho, lá está, a igualdade), e escrevo o que me apetece. Com os outros, sou eles, sem os outros, definitivamente, não tenho nada a ver com os outros. A minha total insatisfação, a minha total alma atormentada, não permite conversas, apenas monólogos e alguns recados para o alto. Admitir isto, hoje, é heresia. Da mais pura, porque ser que é ser humano tem de ser sociável, se não o for, não existe. É agradável não existir neste mundo. Mergulhar nas águas e ver as anémonas que não nos veem a nós. Como disse o Miguel Sousa Tavares, a humanidade divide-se entre aqueles que já viram o fundo do mar e os que ainda não viram. Mal sabe ele a razão que tem. As anémonas não se dão conta de que estão no fundo do mar, já dizia Platão. Caverna ou fundo do mar, tanto faz, vai dar no mesmo. No Japão há um passatempo fabuloso por entre os criadores de carpas: procuram a carpa perfeita. Eles sabem que as carpas são todas diferentes, e têm tanques onde elas se reproduzem. Os japoneses têm a esperança de encontrar aquela carpa que é perfeita. Penso que nem eles sabem muito bem o que é a perfeição, mas procuram-na com a certeza em que no dia a que encontrarem a reconhecerão. Acho isto espantoso como alegoria da demanda. Relativamente aos sistemas políticos, já aqui escrevi que como disse um alquimista” o homem é aquele que contém em si todos os animais”, pois na verdade, conseguimos imitar todos e, como cada espécie (às vezes até mesmo dentro da mesma espécie), tem a sua organização, o problema da organização social (hoje denominada de política e transformada em pura economia) é grande pois teria que se escolher uma parte do todo, sacrificando algo. É isso que se passa. O homem completo, total, não necessita de escolher, vive apenas de si para si ligando-se e ligando a terra com o céu. Esta é a anarquia-monarquia sublime. A única capaz de preencher os requisitos e as potencialidade humanas: a anarquia divina da qual o homem é rei. Tudo o resto, são partes, como a economia atual são remendos sucessivos, pensos rápidos paras as crises sistémicas. O homem vai manco enquanto tentar encarnar utopias porque a natureza não admite o que não existe, enjeita e ignora. O homem desperto estará tanto mais ligado à natureza quanto maior o seu despertar. Só assim ela o acolhe e conversa com ele. Só assim, juntos se redimem. Ora se andamos a reboque de economias periclitantes e de pensamentos suicidas em estado permanente (quem pensa que está aqui para se aproveitar e para aproveitar ao máximo é um suicida em acto pois não acredita na eternidade, é um ateu por natureza, natureza essa que o recusa e o rejeita...) nunca haverá sintonia entre o alto e o baixo. Ganham em simultâneo o Euromilhões e um cancro incurável, à conta de tais pensamentos e atitudes. É por isso que penso que esta civilização está condenada, e ainda bem. Foi mais uma tentativa frustrada. Vamos lá ver é se não é a própria humanidade, tal como a conhecemos, que está condenada. Houve várias e se tiver de ser preciso, Deus tenta de novo, sem problema. Tem todo o tempo do mundo...
quinta-feira, 18 de abril de 2024
O deus, o provinciano e o actorzeco
https://antena1.rtp.pt/programas-antena-1/alguem-diga-a-joaquim-de-almeida-que-nao-e-al-pacino/
O provincianismo português, a falta de segurança em nós próprios e a subserviência ao estrangeiro estão incrustadas na nossa gente. Este podcast de Luís Osório, é mais um exemplo disso. No triângulo mental criado pelo autor do texto, existe o deus Polanski, o provinciano que é próprio Luís Osório, fiel representante de três dos maiores defeitos da nação acima mencionados e um actorzeco que venceu lá fora. O texto até não começou mal, mas quando Joaquim de Almeida tem o desplante de duvidar da coerência de um guião que lhe foi apresentado pelo próprio deus da película, aí a coisa começa a correr menos bem. Osório indigna-se porque o atorzeco não chega aos calcanhares do deus Polanski, e tudo o que o deus Polanski quer é para cumprir. O actorzeco Joaquim, como bom português, deveria colocar de lado o seu gosto pessoal, os seus critérios de qualidade, aceitar humildemente o convite, chorar de emoção e até e beijar os pés do mestre, dizendo-lhe que faria tudo por ele. O mais engraçado nisto tudo é que Joaquim de Almeida acabou mesmo por aceitar o papel, não pelo guião, mas pelo realizador. Tudo estaria bem se tivesse ficado em silêncio, mas caiu no erro de abrir a boca e de se manter firme relativamente à sua apreciação do guião, nada que um actor não tenha o direito de fazer. Fico a pensar qual seria o comportamento que na cabeça do jornalista o actorzeco português (tratado com paternalismo pelos americanos) deveria ter tido e das duas uma: ou devia ter aceitado logo o papel, pois tratava-se de um convite feito por deus, talvez até mesmo sem ler o guião, ou deveria ter ficado calado, guardando o que se lhe passava na alma para si porque perante os deuses estrangeiros só temos de silenciar. Nós, portugueses, estamos assim desde que D. Sebastião resolveu desaparecer nas areias de Alcácer-Quibir, na queda total na disforia. Isto até vem a propósito de uma conversa que estava a ter à mesa ainda há pouco, antes de ouvir esta magnifica prosa de Luís Osório que exibe, qual super-homem, a t-shirt do provincianismo, da falta de segurança e da subserviência portuguesa (pode até mesmo mandar fazer bastantes t-shirts com essas temáticas, era negócio garantido pois o povo português, no geral, identifica-se com todas as suas palavras), dizia eu que estava a conversar à mesa sobre a forma como quando nos dizem desde a infância que não valemos nada, que não somos nada e nem nada do que fazemos presta, nos condiciona os gestos posteriores, nos condiciona a vida, nos tolhe e não nos deixa sermos totalmente nós próprios. Este tipo de pensamento apresentado pelo jornalista está para o país como está o nevoeiro pairando sobre a pátria. É muito bonito, chega a ser quente, provoca um certo silêncio interior e exterior, mas não nos deixa ver o sol. O texto de Luís Osório, até não está mal escrito, envolve-nos, convence-nos, mas o bom senso passa-lhe ao lado. Bom, da Luz, então dessa, nem se fala.