terça-feira, 4 de março de 2014

Chagall em Lisboa...




Por entre as lâmpadas fracas,
erguendo-se, amarelas, dos passeios,
ias pela noite até ao gradeado de um jardim
cujos portões se abriam de par em par
sobre uma fonte onde uma egípcia-escultura
sobressaía do centro da água.
Lisboa era visitável de noite e pelo alto
no miradouro onde revias as longínquas ruas,
agora tão próximas.
Fazia sempre frio nesse jardim
e todo o amor que  sentias
Substituía esse ardor gelado.

Não eram lâmpadas fracas
eram pequenos seres de asas de luz
erguendo-se pelos passeios
E cujos portões eram boas-vindas
e bem-aventuranças
iniciando-te nos verbos amorosos
nos tempos delicados
em que o lóbulo da tua orelha
era seda deslizada
atravessando desertos de rotas incertas
E o teu negro cabelo
eram as marés vivas de cetim
noites cobrindo o deserto

Não era uma egípcia-escultura
erguendo-se do centro das águas
mas deusa de viva luz
e em cuja água emergia e submergia
num mesmo tempo

E o olhar dela era mais do que tentação
era a tua pausa que reflectia sobre
aquele olhar que era mais do que tentação
e te deixava indefinido
num silêncio que era mais do que silêncio
mas vibração inaudível
nos passos que davas, na tua pausa
que a perseguia
a ela e a esse olhar que era mais do que tentação
mas sentido pleno de presença
sem tempo
nem para ser tempo
nem para ter tempo
nem para esses passos que davas
perseguindo-a
como se te perseguisses a ti

E não, não era Lisboa que vias pelo alto
desse miradouro de miragens
era o universo inteiro
que só poderias ver do alto de ti
quando de ti voavas
pelo frio da noite
seguido pelo amor,
seguindo o amor,
e do alto que eras
e voavas
mesmo por dentro do amor.

 
(Cynthia Guimarães Taveira)

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