- A senhora aprecia Camões?
- Como não? O nosso grande poeta. O nosso pai da língua! O
nosso fazedor da “Bíblia” nacional!
- E dizei-me, a senhora, de que lado está? Das cativas,
Leonores e ademais amadas pelo poeta, ou do lado do pobre poeta, que sem olho
ficou, nas suas desventuras?
- De que lado? Existem lados? Olha-me com que olhos afinal,
como personagem da obra Camoniana, como o poeta, ou como aquela cuja
compreensão toca as esferas e a luz vista por Vasco da Gama (em imaginação,
sim, em vera imaginação... )?
- Minha senhora, defina-se, ou ama ou é amada, ou é o poeta
ou é a musa, ambos nunca, não há leitores ausentes, não me venha com a história
da luz outra vez, ela não é própria de uma senhora, apenas de um homem da
envergadura de Gama.
- Compreendo o que diz... são as chamadas dádivas legítimas.
Pois se é dado a um homem tal presente dos céus, pode ser escrito e cantado em
poemas, pois se ao invés, é dado a uma mulher, será fruto da ilusão, mera
especulação da alma, sugestão de tais leituras... compreendo o seu ponto de
vista, que é apenas um entre tantos.
- A senhora aprecia Pessoa?
- Como não? O nosso grande poeta. O pai da consciência da
nossa alma! O fazedor de seres a haver!
- E dizei-me, senhora, de que lado está? Da fragmentação
caótica de que foi alvo o poeta ou dessa unificação tentada que, aparentemente,
para leitores desprevenidos, nunca o chegou a ser?
- De que lado? Existem Lados? Olha-me com que olhos, afinal,
como personagem fictícia da obra de Pessoa, ou como aquela que a todos entende
depois de adquiridos os olhos de luz (em imaginação, sim, em vera
imaginação...)?
- Minha senhora, defina-se, ou é uma ou é várias, ou é o
poeta que a todos assiste ou é todos a que ninguém assiste, e não me venha com
essa história dos olhos de luz... o tempo das deusas acabou... Só um cego, um
louco não vê que Fernando Pessoa morreu templário! Templário está a ouvir?
- Compreendo o que diz, se a rosa crucificada for um homem,
então pode ser escrita e cantada em poemas, mas se ao invés, é dada a uma
mulher tal crucificação na cruz heteronímica, será mera sugestão, colagem a um
poeta, carências afectivas, histerismos vários, compreendo o seu ponto de vista,
mas é um entre vários... nunca fui tão incomodada por ser mulher.
- Idiota, você é uma idiota: não vê que está tudo, mas tudo
na sua cabeça? Mulher louca! Louca da casa, insubmissa, ignóbil, ignorante!
Você não sabe nada, não entendeu nada. Você não é nada porque não se define...
faça o favor de se posicionar perante as obras como gente grande! Cresça de uma
vez!
- E o senhor? Como se define?
- Evidentemente que sou Camões e que sou Templário, sou
Fernando Pessoa Unificado.
- Em imaginação?
(Cynthia Guimarães Taveira)