segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

As rosas, as cruzes e a luz




 
- A senhora aprecia Camões?

- Como não? O nosso grande poeta. O nosso pai da língua! O nosso fazedor da “Bíblia” nacional!

- E dizei-me, a senhora, de que lado está? Das cativas, Leonores e ademais amadas pelo poeta, ou do lado do pobre poeta, que sem olho ficou, nas suas desventuras?

- De que lado? Existem lados? Olha-me com que olhos afinal, como personagem da obra Camoniana, como o poeta, ou como aquela cuja compreensão toca as esferas e a luz vista por Vasco da Gama (em imaginação, sim, em vera imaginação... )?

- Minha senhora, defina-se, ou ama ou é amada, ou é o poeta ou é a musa, ambos nunca, não há leitores ausentes, não me venha com a história da luz outra vez, ela não é própria de uma senhora, apenas de um homem da envergadura de Gama.

- Compreendo o que diz... são as chamadas dádivas legítimas. Pois se é dado a um homem tal presente dos céus, pode ser escrito e cantado em poemas, pois se ao invés, é dado a uma mulher, será fruto da ilusão, mera especulação da alma, sugestão de tais leituras... compreendo o seu ponto de vista, que é apenas um entre tantos.

- A senhora aprecia Pessoa?

- Como não? O nosso grande poeta. O pai da consciência da nossa alma! O fazedor de seres a haver!

- E dizei-me, senhora, de que lado está? Da fragmentação caótica de que foi alvo o poeta ou dessa unificação tentada que, aparentemente, para leitores desprevenidos, nunca o chegou a ser?

- De que lado? Existem Lados? Olha-me com que olhos, afinal, como personagem fictícia da obra de Pessoa, ou como aquela que a todos entende depois de adquiridos os olhos de luz (em imaginação, sim, em vera imaginação...)?

- Minha senhora, defina-se, ou é uma ou é várias, ou é o poeta que a todos assiste ou é todos a que ninguém assiste, e não me venha com essa história dos olhos de luz... o tempo das deusas acabou... Só um cego, um louco não vê que Fernando Pessoa morreu templário! Templário está a ouvir?

- Compreendo o que diz, se a rosa crucificada for um homem, então pode ser escrita e cantada em poemas, mas se ao invés, é dada a uma mulher tal crucificação na cruz heteronímica, será mera sugestão, colagem a um poeta, carências afectivas, histerismos vários, compreendo o seu ponto de vista, mas é um entre vários... nunca fui tão incomodada por ser mulher.

- Idiota, você é uma idiota: não vê que está tudo, mas tudo na sua cabeça? Mulher louca! Louca da casa, insubmissa, ignóbil, ignorante! Você não sabe nada, não entendeu nada. Você não é nada porque não se define... faça o favor de se posicionar perante as obras como gente grande! Cresça de uma vez!

- E o senhor? Como se define?

- Evidentemente que sou Camões e que sou Templário, sou Fernando Pessoa Unificado.

- Em imaginação?
 
(Cynthia Guimarães Taveira)

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