As crianças têm coisas destas sobretudo quando conseguimos
algum silêncio no universo do nosso mundo adulto sempre mal arrumado e bem
arrumado para as visitas... o exercício de Português pedia ao aluno que
acabasse as frases. Era-lhe dado um sujeito da frase e o resto era com ele, isto
para que ele distinguisse o Grupo Nominal do Grupo Verbal na moderna
línguisitica saída de um qualquer programa de computador. “Mostra”, pedi-lhe,
para que pudesse ver se havia alguma coisa a corrigir.
Uma das frases tinha por sujeito dado: Os poetas. O rapaz
acabou da seguinte maneira: fazem um poema todos os dias.
“Os poetas fazem um poema todos os dias”, melhor que
qualquer oração, verdadeira brisa de Elias escrito num lápis tão leve que
custava a ler.
Andei uns anos a ler umas coisas sobre Portugal e também
andei uns anos por aí a ver o que via e não devia. Das coisas que li ficou-me
uma certa tradição poética do país. E ficou também a importância dada à língua
por poetas, escritores e até governantes. Ficou-me assim uma espécie de
promessa misturada com uma espécie de evocação da língua portuguesa como se ela
fosse, na sua essência, uma reunião das duas.
Creio que Pessoa teria gostado de ler esta frase do menino.
Muito dele há igual àquele outro do seu poema que anda pelo Outeiro a correr e
a jogar com pedrinhas. Tive mesmo pena que o poeta não estivesse ali ao meu
lado. Teríamos olhado um para o outro e dito ao mesmo tempo:
“É esta a pedra invisível do novo tempo. Aquele no qual
todos os homens farão um poema por dia na absoluta liberdade de poder escolher
não o fazer”.
(Cynthia Guimarães Taveira)
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