terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Um dia...




As crianças têm coisas destas sobretudo quando conseguimos algum silêncio no universo do nosso mundo adulto sempre mal arrumado e bem arrumado para as visitas... o exercício de Português pedia ao aluno que acabasse as frases. Era-lhe dado um sujeito da frase e o resto era com ele,  isto para que ele distinguisse o Grupo Nominal do Grupo Verbal na moderna línguisitica saída de um qualquer programa de computador. “Mostra”, pedi-lhe, para que pudesse ver se havia alguma coisa a corrigir.
Uma das frases tinha por sujeito dado: Os poetas. O rapaz acabou da seguinte maneira: fazem um poema todos os dias.
“Os poetas fazem um poema todos os dias”, melhor que qualquer oração, verdadeira brisa de Elias escrito num lápis tão leve que custava a ler.
Andei uns anos a ler umas coisas sobre Portugal e também andei uns anos por aí a ver o que via e não devia. Das coisas que li ficou-me uma certa tradição poética do país. E ficou também a importância dada à língua por poetas, escritores e até governantes. Ficou-me assim uma espécie de promessa misturada com uma espécie de evocação da língua portuguesa como se ela fosse, na sua essência, uma reunião das duas.
Creio que Pessoa teria gostado de ler esta frase do menino. Muito dele há igual àquele outro do seu poema que anda pelo Outeiro a correr e a jogar com pedrinhas. Tive mesmo pena que o poeta não estivesse ali ao meu lado. Teríamos olhado um para o outro e dito ao mesmo tempo:
“É esta a pedra invisível do novo tempo. Aquele no qual todos os homens farão um poema por dia na absoluta liberdade de poder escolher não o fazer”.
(Cynthia Guimarães Taveira)

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