terça-feira, 28 de julho de 2020

Pintura e suicídio


Soube de alguém que se suicidou. Ao longo de anos queixou-se que ninguém ligava à sua pintura. Não sei se isso contribuiu ou não para o seu suicido. O que sei é que, frequentemente, a pintura anda de mãos dadas com a loucura. Houve muitos pintores loucos e muitos se suicidaram, muitos conhecidos e muitos que permaneceram desconhecidos. Conheço as crises que a pintura nos pode causar. Como a palma das minhas mãos. Para continuarmos vivos temos, de alguma forma, de nós libertar da pintura não deixando de pintar. Temos absolutamente de o fazer. Tomei como lema pessoal, para acabar de vez com a cultura do sofrimento: "Ninguém vai gostar nunca da minha pintura". E não chorei mais. Choro pelos que se matam ou enlouquecem. Um choro fininho. Por mim, por causa da minha pintura, não choro mais. Digo para mim própria "os filhos da mãe não entendem" e prossigo. Prefiro a revolta às lágrimas. A rebeldia à depressão. Prefiro pintar a parede de um quarto de uma só cor, a não pintar nada. Um muro de um jardim, uniforme. Qualquer coisa me dá gozo. Arrancar a tinta velha do muro para pintar de novo. Tenho muita pena dos que partem levando consigo o seu sonho. Tenho pena de não lhe ter dito: "Olha!", "Vê!", E de lhes dizer que no "ver" é que está o ganho. Mais do que em qualquer obra que façamos. Ver é o primeiro acto de criação. O mais puro. O mais genuíno. Já pensava assim Almada Negreiros,  aquele da "estrada da alma", que é dura e bela. A quem cria: que nunca desista de ver. É o que mais desejo.

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