Perguntou-me ontem um vizinho por causa da minha pintura se já tinha feito exposições. Disse-lhe que sim embora sem grande interesse por parte das pessoas. "Mas como?" Perguntava ele. Respondi-lhe que o sentido estético tinha sofrido uma grande anomalia e que a capacidade de decifrar símbolos ainda mais e que, por isso, não havia grande interesse por parte das pessoas. As pessoas gostavam mais de borradas do que de outra coisa. Vivemos numa época estética atípica, não é só o vírus que torna a época atípica. No outro dia o meu irmão ligou-me e adivinhei-lhe o sorriso maroto do outro lado do telefone (já não se pode dizer, do outro lado da linha porque já não há linhas, é tudo pelo ar) quando me perguntou: "O que é que achas da cultura?" referindo-se ao mundo cultural actual. Respondi-lhe que era uma "mer...". Ele disse que já sabia que iria responder assim. Nem costumo dizer asneiras, mas, neste caso, não há volta a dar. O desgraçado do meu irmão também apanhou por tabela com a cultura clássica da minha mãe e sofre de uma síndrome irreparável: a não identificação com nada disto. Já pintei a casa toda. Ao menos serve para alguma coisa. Demos por nós a falar sobre frascos transparentes para a casa de banho. Ele parou a meio da conversa e disse: "Já viste sobre o que é que estamos para aqui a falar? Sobre frascos!" Ri-me. Chegámos à conclusão que era uma tentativa desesperada de nos agarrarmos a qualquer coisa de bonito numa época tão feia. E é verdade, agarramo-nos a coisas aparentemente fúteis mas que são a ponta de um iceberg enorme, com as suas raízes numa educação da visão, da harmonia, do símbolo. Quem gosta de grafittis, de arquitetura contemporânea, das porcarias expostas, não pertence ao nosso universo, tomamo-los por tontos (por parvos). Vivemos numa espécie de solidão a dois. Na solidão de quem, pela infância, passeou pela mão da nossa mãe, ele com cinco, eu com sete anos, pelas ruínas de Roma e sentiu o tempo como coisa viva. Estamos vivos por entre ruínas. As pessoas, por seu lado, na sua grande maioria, surgem aos nossos olhos, como algo incompleto, tosco e difuso. Sem a dignidade das ruínas. Vivem numa ignorância pestilenta e peganhenta. Gostam das coisas piores e desdenham as melhores com a arrogância de quem se sente superior. São insectos obedientes. Horríveis. As pessoas, na sua grande maioria, estão horríveis. Dizer o contrário é mentira.
Sem comentários:
Enviar um comentário