quinta-feira, 20 de abril de 2023

Visualizações do Luxemburgo


 Ainda estou para perceber quem é que, no Luxemburgo, na última hora, visitou mais de 100 vezes este blogue. É preciso paciência!

sexta-feira, 14 de abril de 2023

O JARDIM DOS SÌMBOLOS XXVI

 


 

OS SÍMBOLOS

 

Os símbolos estão dentro da nossa cabeça. No âmago deles, como no âmago do jardim, encontra-se a nossa alma, algo de indefinível e abstracto, uma espécie de éter que capta os quatro elementos e que, com proporções diferentes, ganha tonalidades, mais terra, mais fogo, mais ar, mais água. Sem a nossa cabeça, os símbolos são meros pedaços de matéria directamente ligados ao espírito pelo equilíbrio que proporcionam ao universo. Com o coração adquirem o vigor com que toldam a alma ou com que a tornam mais transparente para que o espírito nela possa brilhar com mais ou menos intensidade. Os intermediários podem ser também obstáculos. As raízes mais profundas podem tocar a gema mais pura, mas a árvore, frondosa, com folhas, ramos e caminhos, assemelha-se à alma com quatro estações, quatro elementos em torno dela. Se a raiz toca a gema, a árvore, no entanto, pode transformar-se em jóia lapidada, reflectindo todos os pontos cardeais do universo e que são infinitos, como a esfera possui infinitos raios. Quanto mais perto estamos da visão do jardim como fonte, mais perto estamos do infinito e do absoluto. No entanto, riste-te e disseste que estava tudo na nossa cabeça. Primeiro nela, respondi. Mas, a pouco e pouco, o coração começa a pensar e a tocar as coisas com os seus dedos que são muito próprios, e a falar antes de tempo e por intuição. E o jardim começa a agitar-se e as palavras começam, pouco a pouco, a surgir em chamas. Só elas podem transformar. Guiar-nos no jardim labiríntico. Deus, quando disse aos homens para guardarem o jardim, não lhes disse o segredo que estava por detrás desse conselho. Nunca disse para recriarmos o jardim e, no entanto, sabia que o iríamos fazer, mais tarde ou mais cedo. Que iríamos mudar as plantas de sítio, que iriamos escolher os locais onde iriam nascer algumas flores; sabia onde colocaríamos o lago, o caminho de pedras e a sua profundidade derradeira que nos levava a ver o arco-íris no fim dele, pequeno e encaixado no caminho. Não nos disse que a par e passo com o facto de sermos guardiões, seríamos, também, criadores. Que deslocaríamos as sementes, que procuraríamos, ainda no alto da montanha rude, como rude é este povo no extremo ocidente da Europa, quais as cores e as formas que melhor combinavam dentro dos pequenos muros erguidos pedra a pedra com as mãos igualmente rudes, pequenas e sujas de tanto removerem a terra. Não nos falou dos humores da alma, e do pensamento do coração. Falou-nos em árvores do bem e do mal e da vida, mas o resto calou e nós descobrimos como se faz um jardim. Pode ser que seja um novo jardim feito com elementos antigos feitos por Deus. Não nos disse que as árvores se podiam transformar em jóias lapidadas como a nossa alma. Calou tudo num segredo infinito e absoluto. Mas, os nossos dedos, em conjunto com os dedos muito próprios do coração, tornaram-se em quatro mãos, como as quatro linguagens, fazendo rendas, abrindo caminhos, erguendo árvores, dispondo as cascatas, chorando os lagos. Quatro mãos, duas externas e visíveis e duas internas e invisíveis, ligadas ao alto que Deus calou. E foi assim que nasceu a arte e que os homens, neste extremo do continente, inventaram um jardim novo. E casas caiadas à beira dos caminhos de pedra, com lagos nos vales, cascatas nas montanhas, árvores de frutos, quase jóias nos quintais, e flores, muitas flores, que trocavam com os vizinhos e que faziam pender dos muros e faziam subir nos canteiros e nos vasos que os oleiros, também eles com mãos d’arte, faziam pelo dia fora, soltando palavras de fogo se calhava levarem os vasos ao forno como se fosse pão. Porque estava tudo na cabeça deles, nos dedos deles e no coração deles. E foram moldando a alma. E conhecendo os astros.


domingo, 9 de abril de 2023

O JARDIM DOS SÍMBOLOS XXV

 


 

A BELEZA

 

Começaram a conhecer as flores quando nasciam, quando murchavam quando ficavam mais viçosas, qual o seu brilho conforme as luas. As suas sementes propagavam-se junto aos canteiros com alimentos cultivados. As flores eram para ver, lado a lado com o alimento. A distinção entre aqueles que tinham nascido das sementes e os que tinham nascido dos ovos luminosos foi sendo cada vez mais visível. Alguns traziam consigo o desejo de belo, a necessidade dele e de o ter por perto. Outros, como disse o filósofo António Telmo, pareciam admirar a lua nos escritos filosóficos, nunca numa noite estrelada. Os alimentos confundem-se com as ideias se não houver beleza. Servem ambos para ir vivendo, para que nos agarremos a algo, ao alimento ou à ideia louca de desejo de se tornar uma prática ou de ser posta em prática para que seja um qualquer alimento. A beleza é inútil, não serve para nada. É uma consequência do equilíbrio. Um acidente no qual só os atentos reparam. No mundo, lá fora, o medo da contemplação é a marca da selvajaria que procura alimento apenas. Se numa noite apontarmos a lua dizendo que está bela desce um silêncio demasiado profundo que chega a incomodar os inaptos. Aquele silêncio profundo que acompanha o mistério. A beleza é a face visível do mistério. Faz estremecer. Sobretudo de noite. De dia, a beleza confunde-se com a face visível da ausência de mistério. Sossega-nos. Dentro do jardim, tudo isto é indiferente. Onde há paz não há estremecimentos nem necessidade de sossego e a beleza é sempre a face visível do mistério, sem o estremecimento nocturno nem o desassossego diurno. No jardim, como num templo, só se entra em equilíbrio. Sol e lua, lado a lado, para que se possa olhar face a face o mistério e percorrer os seus labirintos, subir às suas montanhas, erguer castelos com escadas misteriosas para ficar mais perto das águias que assim nos olham directamente, como se fossemos o sol que somos. As danças das aves dos augúrios dirigem-se sempre ao sol. No jardim dos símbolos é indiferente falar da beleza das coisas. Elas só são belas se as tocarmos com o nosso espírito. Os espíritos contemplam-se, as almas falam umas com as outras, à procura dessa luz solar vinda do fundo do jardim e que ilumina até as folhas secas que rebolam pelo caminho das pedras, aparentemente perdidas, esquecidas de si, entregues aos braços do vento. Quem lá nasceu, ama as palavras, mas não necessita delas. É por não necessitar delas que as ama. Ninguém cria por necessidade. Cria por gosto. A necessidade está demasiado próxima do alimento, das ideias e das sementes. Os ovos são frequentemente pintados. Desnecessariamente pintados. E podem ser jóias antes de serem outra coisa qualquer. Como os de Fabergé. A intensidade semelhante dos dois centros das esferas que formam a elipse oval é equivalente ao equilíbrio entre o sol e a lua. Os pássaros são flores que se libertaram, que passaram do círculo à espiral, a beleza foi a face visível do mistério do seu equilíbrio. E dos seus voos e daqueles que não se conhecem ainda. 



sexta-feira, 7 de abril de 2023

O JARDIM DOS SÌMBOLOS XXIV


 

OÁSIS

 

Um vaso é um oásis, sossegado, quieto, passivo. A terra é um oásis quando está serena e acolhe a semente. Lá fora, no mundo, a guerra, que é sempre uma arte falhada, consegue apenas planificar novas ferramentas, porque as mãos, no mundo, na civilização selvagem, nunca são suficientes. São desconhecidas no mundo selvagem e são apenas necessárias na civilização. Quando a civilização é selvagem elas existem, mas todos os seus encantos são desconhecidos. No mundo solidificado nunca são suficientes para partir as pedras e dizer que se cria a partir daí. Só quando voltamos o olhar para o mundo vegetal, como modelo, podemos começar a falar em criação. Até lá, temos formas vazias de sentido, esferas, luas quadrangulares e pirâmides que nascem das luas, tentando no alto vértice tocar o sol, curva de todas as curvas, desejada por todas as rectas. A terra, os vasos, na sua curvatura, são serenos. Lá fora, no mundo, todas as ferramentas nascem da guerra; dentro do jardim, toda a criação nasce da paz. As palavras de fogo jorram das consciências tranquilas dos deuses que são eternos, nada temem e geram a sorte dos homens. Foi em paz que, no alto da montanha, esse homem do extremo ocidente viu a semente caída na terra brotar e transformar-se numa rosa. Foi em paz que a contemplou e que soube que a rosa era a própria montanha, com os seus caules compridos, ora elevando-se, ora encurvando-se até aos vales, com os seus espinhos como as pedras frias e difíceis de ultrapassar e com o seu segredo aberto lá no alto, como um sol que acolhe o céu, uma rosa que acolhe o nosso olhar. Foi em paz que, alguns desses homens, levaram a saudade consigo até ao cimo da montanha, que a enterraram e a veneraram, que iniciaram o jardim e, assim, deram início ao início de todos os inícios, a arte que nunca falha por seguir os passos das curvas e não os passos do mundo, sólido e constrangido, ao contrário da terra, curva, depressa tornada pó, etérea e serena. No jardim nunca há guerra, há arte, porque lá, todas as plantas, todas as árvores e todas as flores crescem em direcção ao sublime e não em direcção à vitória. A imortalidade dos heróis é uma cópia pálida da dos deuses que sempre o foram, mesmo quando, esquecidos de si, naufragaram e se refugiaram do céu nas grutas, porque se tinham esquecido de que o céu era a sua própria casa. Um deus louco é um deus sem olimpo onde brinca às guerras, em paz, por saber que nunca morre.

quarta-feira, 5 de abril de 2023

O símbolo

 


Quem vê o símbolo como coisa enfiada em contexto, não vê que o contexto está pejado de adjectivação. O símbolo é interessante como ponto de referência temporário. É o eixo no meio do contexto para quem navega. Para quem voa, serve apenas para descer à terra e voltar ao corpo. Como socorro no meio do desespero. Como quem invoca a Virgem para não morrer. No dia em que ri, como nunca tinha rido, por ter entendido isto, o céu rasgou-se. E vi a luz. Não a dos candeeiros, não a do sol. Outra.  

terça-feira, 4 de abril de 2023

Os activistas

 


Se nos atrevemos a dizer publicamente que estes sistemas sociais que estão espalhados pelo mundo são doentios, desde as ditaduras carnívoras de mentes e corpos, às democracias obsoletas e corruptas, passando por todo o sistema económico mundial para acabar na tecnologia que nos há-de matar, somos logo considerados activistas, aqueles seres com um ar porco, vestidos com trapos e variando nos penteados, metade rastas, outra rapada, a tocar uns tambores e a fazer barulho na rua. É imediata  a apelidagem e a visualização mental da imagem desses activistas. Uma óptima maneira de denegrir quem se põe a pensar e não tem necessariamente nem esse aspecto, nem essas actividades. Ser um activista, pelo contrário, é ser-se não-pensante e ser-se apenas activo. Se os nossos discursos se confundem, os de quem pensa e os dos não-pensantes, para além da coincidência (que também as há), deve-se ao facto de os instintos sobrevivência animalescos dos activistas, serem, ainda assim instintos. Têm a veracidade dos animais, na sua franqueza embora exalem mimetismo uns dos outros com sonhos feéricos de tribos idas. A contra-proposta de uma Anarquia-Monarquia superior, iria fazê-los uivar pela incompreensão e pela sua convicção total da ausência de Deus que tanto apregoam. O mundo está podre sim, e quem me chamar activista é que é.

segunda-feira, 3 de abril de 2023

O JARDIM DOS SÌMBOLOS XXIII

 



O MOVIMENTO

 

É inimaginável parar. Até em sonhos isso não é possível. Se uma onda neles pára, a mente, intrigada, procura saber porquê. Ainda que adormeças a meio da tarde recusando o que te rodeia, alguém te coloca uma flor na lapela, alguém se move por entre o teu segredo. Parece sossegado, o jardim, com as suas plantas pendentes em vasos pendentes, seguros por cordas pendentes, presas às traves pendentes, apoiadas nas casas pendentes nos alicerces que pendem da terra suspensa no céu e sabes que nem a terra, nem a casa, nem os vasos ou plantas permanecem no mesmo lugar porque o lugar és tu e nem em sonhos paras de percorrer os teus sonhos. Quem entra no jardim não vê ninguém e ninguém fica no limiar, debaixo do portão forjado. Descoberto o jardim, os passos prosseguem para o seu interior. No jardim não há limiares porque só a verdade dele existe em todos os passos. Os muros de pedra, as cercas de madeira, os arbustos que parecem limitá-lo, são parte de todo o jardim e a partir deles é revelado todo o vale e a montanha que começam a qualquer momento, a qualquer passo. O jardim é extensivo aos nossos gestos. Para onde quer que o nosso olhar se dirija, ele encontra-se lá, vivo, vivificante, em perpétuo movimento. Aparentemente sossegado para quem passa o portão e se dirige ao velho sino para chamar por alguém que nunca se sabe bem quem será, uma flor, um animal, um homem… alguém que se encontre por lá, aparentemente perdido e aparentemente pendente da salvação. O jardim foi criado por quem foi nessa barca no dia em que o céu se abateu sobre a terra, por quem foi ter à praia e, ainda atordoado, agarrou na areia e viu nela a promessa de um sonho; foi criado por quem foi salvo pelos primeiros raios de sol, por quem se dirigiu à montanha e viu nela a primeira rosa do mundo a florescer. Por quem tornou o círculo em espiral. Enquanto o mundo morre, corrupto, emerso na civilização selvagem, o jardim floresce em cada canto da alma que parece perdida no jardim. A criação não permite a corrupção, transforma-a em matéria prima. A corrupção é calada, contida, sinuosa. A criação é musical, extrovertida, transparente, mesmo nas trevas densas de onde emerge. A corrupção é sólida, a criação, etérea, mesmo quando cai solidificada em poesia. No jardim, o olhar atento à asa, cria a asa, a mão que toca a seara, torna-a viva, o rosto virado a Norte, permite o Norte, a canção entoada é reproduzida no canto dos pássaros, a brisa que passa foi um sorriso que aconteceu enquanto deitados contemplávamos as estrelas, a estrela cadente existe porque a desejamos. A perpétua criação é a própria vida e só assim se pode contemplar a salvação no jardim, só participando nele ela se revela, transparente. E a salvação não é parada, oca ou morta. É, no seu âmago, na sua face oculta, absolutamente insatisfeita. A raiz de todos os voos, até daquele que não conhece ainda.