sexta-feira, 14 de abril de 2023

O JARDIM DOS SÌMBOLOS XXVI

 


 

OS SÍMBOLOS

 

Os símbolos estão dentro da nossa cabeça. No âmago deles, como no âmago do jardim, encontra-se a nossa alma, algo de indefinível e abstracto, uma espécie de éter que capta os quatro elementos e que, com proporções diferentes, ganha tonalidades, mais terra, mais fogo, mais ar, mais água. Sem a nossa cabeça, os símbolos são meros pedaços de matéria directamente ligados ao espírito pelo equilíbrio que proporcionam ao universo. Com o coração adquirem o vigor com que toldam a alma ou com que a tornam mais transparente para que o espírito nela possa brilhar com mais ou menos intensidade. Os intermediários podem ser também obstáculos. As raízes mais profundas podem tocar a gema mais pura, mas a árvore, frondosa, com folhas, ramos e caminhos, assemelha-se à alma com quatro estações, quatro elementos em torno dela. Se a raiz toca a gema, a árvore, no entanto, pode transformar-se em jóia lapidada, reflectindo todos os pontos cardeais do universo e que são infinitos, como a esfera possui infinitos raios. Quanto mais perto estamos da visão do jardim como fonte, mais perto estamos do infinito e do absoluto. No entanto, riste-te e disseste que estava tudo na nossa cabeça. Primeiro nela, respondi. Mas, a pouco e pouco, o coração começa a pensar e a tocar as coisas com os seus dedos que são muito próprios, e a falar antes de tempo e por intuição. E o jardim começa a agitar-se e as palavras começam, pouco a pouco, a surgir em chamas. Só elas podem transformar. Guiar-nos no jardim labiríntico. Deus, quando disse aos homens para guardarem o jardim, não lhes disse o segredo que estava por detrás desse conselho. Nunca disse para recriarmos o jardim e, no entanto, sabia que o iríamos fazer, mais tarde ou mais cedo. Que iríamos mudar as plantas de sítio, que iriamos escolher os locais onde iriam nascer algumas flores; sabia onde colocaríamos o lago, o caminho de pedras e a sua profundidade derradeira que nos levava a ver o arco-íris no fim dele, pequeno e encaixado no caminho. Não nos disse que a par e passo com o facto de sermos guardiões, seríamos, também, criadores. Que deslocaríamos as sementes, que procuraríamos, ainda no alto da montanha rude, como rude é este povo no extremo ocidente da Europa, quais as cores e as formas que melhor combinavam dentro dos pequenos muros erguidos pedra a pedra com as mãos igualmente rudes, pequenas e sujas de tanto removerem a terra. Não nos falou dos humores da alma, e do pensamento do coração. Falou-nos em árvores do bem e do mal e da vida, mas o resto calou e nós descobrimos como se faz um jardim. Pode ser que seja um novo jardim feito com elementos antigos feitos por Deus. Não nos disse que as árvores se podiam transformar em jóias lapidadas como a nossa alma. Calou tudo num segredo infinito e absoluto. Mas, os nossos dedos, em conjunto com os dedos muito próprios do coração, tornaram-se em quatro mãos, como as quatro linguagens, fazendo rendas, abrindo caminhos, erguendo árvores, dispondo as cascatas, chorando os lagos. Quatro mãos, duas externas e visíveis e duas internas e invisíveis, ligadas ao alto que Deus calou. E foi assim que nasceu a arte e que os homens, neste extremo do continente, inventaram um jardim novo. E casas caiadas à beira dos caminhos de pedra, com lagos nos vales, cascatas nas montanhas, árvores de frutos, quase jóias nos quintais, e flores, muitas flores, que trocavam com os vizinhos e que faziam pender dos muros e faziam subir nos canteiros e nos vasos que os oleiros, também eles com mãos d’arte, faziam pelo dia fora, soltando palavras de fogo se calhava levarem os vasos ao forno como se fosse pão. Porque estava tudo na cabeça deles, nos dedos deles e no coração deles. E foram moldando a alma. E conhecendo os astros.


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