A BELEZA
Começaram a conhecer as flores quando nasciam, quando
murchavam quando ficavam mais viçosas, qual o seu brilho conforme as luas. As
suas sementes propagavam-se junto aos canteiros com alimentos cultivados. As
flores eram para ver, lado a lado com o alimento. A distinção entre aqueles que
tinham nascido das sementes e os que tinham nascido dos ovos luminosos foi sendo
cada vez mais visível. Alguns traziam consigo o desejo de belo, a necessidade
dele e de o ter por perto. Outros, como disse o filósofo António Telmo,
pareciam admirar a lua nos escritos filosóficos, nunca numa noite estrelada. Os
alimentos confundem-se com as ideias se não houver beleza. Servem ambos para ir
vivendo, para que nos agarremos a algo, ao alimento ou à ideia louca de desejo
de se tornar uma prática ou de ser posta em prática para que seja um qualquer
alimento. A beleza é inútil, não serve para nada. É uma consequência do
equilíbrio. Um acidente no qual só os atentos reparam. No mundo, lá fora, o
medo da contemplação é a marca da selvajaria que procura alimento apenas. Se
numa noite apontarmos a lua dizendo que está bela desce um silêncio demasiado
profundo que chega a incomodar os inaptos. Aquele silêncio profundo que
acompanha o mistério. A beleza é a face visível do mistério. Faz estremecer.
Sobretudo de noite. De dia, a beleza confunde-se com a face visível da ausência
de mistério. Sossega-nos. Dentro do jardim, tudo isto é indiferente. Onde há
paz não há estremecimentos nem necessidade de sossego e a beleza é sempre a
face visível do mistério, sem o estremecimento nocturno nem o desassossego
diurno. No jardim, como num templo, só se entra em equilíbrio. Sol e lua, lado
a lado, para que se possa olhar face a face o mistério e percorrer os seus
labirintos, subir às suas montanhas, erguer castelos com escadas misteriosas
para ficar mais perto das águias que assim nos olham directamente, como se fossemos
o sol que somos. As danças das aves dos augúrios dirigem-se sempre ao sol. No
jardim dos símbolos é indiferente falar da beleza das coisas. Elas só são belas
se as tocarmos com o nosso espírito. Os espíritos contemplam-se, as almas falam
umas com as outras, à procura dessa luz solar vinda do fundo do jardim e que
ilumina até as folhas secas que rebolam pelo caminho das pedras, aparentemente
perdidas, esquecidas de si, entregues aos braços do vento. Quem lá nasceu, ama
as palavras, mas não necessita delas. É por não necessitar delas que as ama.
Ninguém cria por necessidade. Cria por gosto. A necessidade está demasiado
próxima do alimento, das ideias e das sementes. Os ovos são frequentemente
pintados. Desnecessariamente pintados. E podem ser jóias antes de serem outra
coisa qualquer. Como os de Fabergé. A intensidade semelhante dos dois centros
das esferas que formam a elipse oval é equivalente ao equilíbrio entre o sol e
a lua. Os pássaros são flores que se libertaram, que passaram do círculo à espiral,
a beleza foi a face visível do mistério do seu equilíbrio. E dos seus voos e
daqueles que não se conhecem ainda.
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