domingo, 9 de abril de 2023

O JARDIM DOS SÍMBOLOS XXV

 


 

A BELEZA

 

Começaram a conhecer as flores quando nasciam, quando murchavam quando ficavam mais viçosas, qual o seu brilho conforme as luas. As suas sementes propagavam-se junto aos canteiros com alimentos cultivados. As flores eram para ver, lado a lado com o alimento. A distinção entre aqueles que tinham nascido das sementes e os que tinham nascido dos ovos luminosos foi sendo cada vez mais visível. Alguns traziam consigo o desejo de belo, a necessidade dele e de o ter por perto. Outros, como disse o filósofo António Telmo, pareciam admirar a lua nos escritos filosóficos, nunca numa noite estrelada. Os alimentos confundem-se com as ideias se não houver beleza. Servem ambos para ir vivendo, para que nos agarremos a algo, ao alimento ou à ideia louca de desejo de se tornar uma prática ou de ser posta em prática para que seja um qualquer alimento. A beleza é inútil, não serve para nada. É uma consequência do equilíbrio. Um acidente no qual só os atentos reparam. No mundo, lá fora, o medo da contemplação é a marca da selvajaria que procura alimento apenas. Se numa noite apontarmos a lua dizendo que está bela desce um silêncio demasiado profundo que chega a incomodar os inaptos. Aquele silêncio profundo que acompanha o mistério. A beleza é a face visível do mistério. Faz estremecer. Sobretudo de noite. De dia, a beleza confunde-se com a face visível da ausência de mistério. Sossega-nos. Dentro do jardim, tudo isto é indiferente. Onde há paz não há estremecimentos nem necessidade de sossego e a beleza é sempre a face visível do mistério, sem o estremecimento nocturno nem o desassossego diurno. No jardim, como num templo, só se entra em equilíbrio. Sol e lua, lado a lado, para que se possa olhar face a face o mistério e percorrer os seus labirintos, subir às suas montanhas, erguer castelos com escadas misteriosas para ficar mais perto das águias que assim nos olham directamente, como se fossemos o sol que somos. As danças das aves dos augúrios dirigem-se sempre ao sol. No jardim dos símbolos é indiferente falar da beleza das coisas. Elas só são belas se as tocarmos com o nosso espírito. Os espíritos contemplam-se, as almas falam umas com as outras, à procura dessa luz solar vinda do fundo do jardim e que ilumina até as folhas secas que rebolam pelo caminho das pedras, aparentemente perdidas, esquecidas de si, entregues aos braços do vento. Quem lá nasceu, ama as palavras, mas não necessita delas. É por não necessitar delas que as ama. Ninguém cria por necessidade. Cria por gosto. A necessidade está demasiado próxima do alimento, das ideias e das sementes. Os ovos são frequentemente pintados. Desnecessariamente pintados. E podem ser jóias antes de serem outra coisa qualquer. Como os de Fabergé. A intensidade semelhante dos dois centros das esferas que formam a elipse oval é equivalente ao equilíbrio entre o sol e a lua. Os pássaros são flores que se libertaram, que passaram do círculo à espiral, a beleza foi a face visível do mistério do seu equilíbrio. E dos seus voos e daqueles que não se conhecem ainda. 



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