sábado, 9 de fevereiro de 2019

Erros e acertos


"A mulher, que é um ser inferior (...)"
Fernando Pessoa, Obra em prosa de Fernando Pessoa - "A procura da verdade oculta", organização de António Quadros, Publicações Europa-América, 1989, pág. 149

"Erros meus, má fortuna, amor ardente"
Camões

Claude Lévi-Strauss, antropólogo, afirmou que o homem sempre pensou bem. Das duas uma, ou incluímos a barbárie das Guerras do Século XX nessa afirmação e as tornamos legitimas, aliás, legitimando tudo assim, ou a afirmação está incorrecta. Este antropólogo foi um estruturalista e o estruturalismo foi uma tentativa de aproximação da "ciência" antropológica à "ciência" matemática. 
A escrita é também produto do pensamento e um exercício de liberdade. 
Haveria muitos homens, no tempo de Fernando Pessoa (e ainda há) que, ao lerem a citação acima, nem a estranhavam, nem pestanejavam e a liam-na com a tranquilidade com que iriam ler "está um bonito dia, hoje". Existe uma coisa chamada contexto cultural e histórico que nos obriga a relativizar se formos capazes.  Antigamente também se falava em "raça" portuguesa quando os portugueses eram referidos. Era o modo de falar próprio da época. Assim, rasurar um texto só porque se encontra uma expressão que parece incontextualizável na época presente é não ter lido o suficientemente sobre outras coisas de modo a que, ao não se conhecer o contexto, a história e a intenção subjacente à época, resulta essa rasura num exercício de tirania que, pior do que aquilo que é "pensar mal" , é dizer aquilo "que se deve escrever ou dizer". Sendo assim, nunca o homem pensou sempre bem, nem escreveu sempre bem, nem falou sempre bem. Nem ontem, nem hoje. Do amanhã não falo, teria que pesquisar melhor o passado para o fazer. "Erros meus, má fortuna, amor ardente". Só esta afirmação de Camões é um compêndio do amor errado, do erro do amor, da má e da boa fortuna e, sobretudo, do fogo. O hermetismo permite uma liberdade que não é permitida aos não-herméticos. É incómodo dizer uma coisa destas. É pouco "progressista", ideologicamente reaccionário. Avança a afirmação directamente para as elites e deixando alguém de fora. A igualdade não é igual à liberdade. O cavaleiros são iguais "entre si", já o afirmou Pessoa no final do volume citado. Entre si. 

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Em nós


Sentir em nós uma presença em nós.  Se nossa ou não, não o saber. Presença que desbrava com a consciência o mundo e mais do que isso o seu mistério. Um pouco como Fernando Pessoa de quem maioria dos textos são explorações aventureiras da observação e do sentido das coisas, numa união íntima entre a descoberta do que há e das possibilidades do que há e das possibilidades das possibilidades de vir a haver. Isto tudo feito como uma caravela lançada ao mar. E descobrir a Ilha dos Amores dessa maneira, sem distinção entre a palavra e a consciência. Descobrir com ela, a consciência, símbolos e sentidos, entender cada passo como um ritual interno e secreto, entender os mitos por se ser um "fazedor de mitos" urgentes, auxiliares desses passos. Sentir em nós uma presença em nós, a mente absolutamente viva cavalgando todos os tigres e temas, inventado personagens e ritos como pequenas crianças cuja consciência, presença anímica e íntima, não sendo desdobramento, é a nossa melhor amiga, uma espécie de protótipo do segundo cavaleiro cavalgando o mesmo cavalo que nós. Habituamo-nos a essa companhia filosofante por sede de sabedoria. A sede dela é tão importante como o deserto que a acompanha. Até que um dia, tão crescente essa sede é que caímos inanimados nas dunas da ignorância. Já sem vida e só vontade ou desejo que são a mesma coisa, na total consciência da falta da importância da nossa vida e desejando-a, porque pressentindo-a  já sem forças e rendida a essa vontade que preenche cada espaço da palavra, "pronto", em morte concedida porque e apenas porque algo assim quis, dar uma volta nesse útero que é a morte e voltar a sentir a presença dentro da presença, e sabê-la, então sim, tão independente e soberana. Quem escreveu "matar a morte" não traduziu de verdade e engana com as palavras ditas de heróis. Não, não é matar a morte, isso faz quem tem medo dela e a ataca. Ter medo dela é o maior disparate alguma vez escrito. Trata-se antes de ser "vida sobre vida". Tudo revive. E deixar que, quando quer, essa presença soberana seja soberana e que nada tem a ver com a "escrita automática" que é apenas uma espécie de sonho escrito em papel com o "sem nexo" de tantos sonhos... Foi essa aventura primeira, a descoberta com a consciência do mundo e do seu mistério, em união íntima, quase indistinta entre causa e efeito que permite, mais tarde o lugar devido, dessa vida sobre vida, dessa presença outra, muito além da consciência, de uma outra natureza. É por isso que os escritos de Fernando Pessoa sobre Portugal são uma espécie de Graal imergindo da sua obra. Essa vida que pulsava, independente e soberana falava, pensava, sentia, lembrava, sonhava, e tornava próximo o futuro. Era o próprio ente de Portugal que vivia dentro do poeta, com o seu próprio anjo, também ele, trazendo mensagens desse núcleo em forma de rosa... Eram quatro, na verdade, mas porque era o poeta, o ente que é Portugal, o anjo desse ente e o centro que coincidia com o do poeta, com o de Portugal e com o anjo de Portugal. O anjo do próprio poeta, simplesmente anuia e sorria. Hoje os móveis que se vendem por aí não têm qualidade nenhuma. A madeira não é de nogueira. É um contraplacado o que se encontra por aí. O mesmo com as gentes (as mesmas que fazem contraplacados porque não conhecem nem sabem fazer mais nada). Têm até aversão à qualidade e acham que a devem matar por verem nela uma espécie de morte. E ainda a confusão vai no adro.  Sem se envolver essa primeira aventura com essa consciência íntima tudo o mais é um lugar obscuro e de morte do qual se aproveitam retalhos para preencher os espaços em falta da própria consciência (algo impossível porque a consciência é pessoal e intransmissível), ficando apenas com isso um aglomerado de gestos desarticulados e desalmados, inconsequentes. A qualidade, como tudo o que é verdadeiro, é interior, por mais gritos de vitória, heróicos, que se lancem ao ar para anunciar que se escolheu isto ou aquilo, que se descobriu isto ou aquilo ou que se é muito boa pessoa. Se não se enganam os animais vão enganar os anjos? A falta de qualidade é isso mesmo e coincide com a falta de consciência. Que não tem nada a ver com o "afastar" a consciência para a "soberana presença" passar. A falta de consciência é a ausência dela no coração. E assim nunca se pode sequer afastar...

Cynthia

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

No mais profundo fundo da Alma Portuguesa


 
Se a função de um filósofo-poeta ou de um poeta-filósofo é a política, ele é político e enganou-se.
Se o político tiver como função filosofar ou ser poeta, ele é filósofo-poeta e enganou-se.
A política é o nível mais baixo da função espiritual de um poeta e não está ao mesmo nível da poesia/filosofia.
A política está para a poesia como a magia está para a metafísica.
Um político não escreve poesia.
Um poeta não escreve política.
Um político cala-se para ouvir poesia.
Um poeta não ouve política, vê cravos.
O sentido descendente da política não é simétrico do sentido ascendente da poesia.
Um político é eleito depois de nascer.
Um poeta é eleito antes de nascer.
Um Rei-Poeta é eleito antes de nascer, nasce eleito e é eleito.
Um Rei-Poeta ou um Poeta-Rei não é um político.
O político é servente do Rei.
Um Rei é Soberano, o político, um subalterno e dispensável.
O socialismo é subalterno da Liberdade e dispensável.
A revolução é subalterna da poesia dos cravos e dispensável.
O dia é subalterno da Liberdade.
Quando o dia é Liberdade passa a ser a Hora, e o dia é dispensável.
Não é o povo que é soberano,
É o soberano que é o povo.
O povo é livre porque o soberano é livre.
Um político não gosta nem sobrevive na Anarquia.
Um político não gosta de Reis, sobrevive apesar deles.
O político é um profissional.
Um Rei é um destino.
A política é grega.
A anarquia e a monarquia são portuguesas
A anarquia-monárquica é a soberania exercida na Idade de Ouro.
A democracia, a sinarquia e o socialismo são perdas de tempo.
Subverter cada uma destas frases é não entender o Povo Português
no mais profundo fundo da sua alma, a raiz da sua soberania e o Rei-Poeta do futuro que o Povo-Poeta já vê, como vê D. Sebastião, para além das brumas, sublimado e libertado pela morte e dela livre.
 
 
cynthia

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019



Aqui deixo a resposta a um amigo que me questionou se sabia, por via de Cavalcanti, que este tinha escrito que um semi-heterónimo de Fernando Pessoa de nome Jean Seul De Méluret, tinha, por sua vez, por via da astrologia, adivinhado o ano e a forma como Salazar morreria.

"Olá! Já dei uma vista de olhos. Fui consultar um outro livro " Fernando Pessoa - Eu sou uma Antologia - 136 autores fictícios de Pizarro e Ferrari (envio fotos do livro e das páginas que referem esse semi-heterónimo - mais figura do que heterónimo, por enquanto porque o baú vai a menos de metade) e nenhum dos textos apresentados como sendo dessa figura mencionam tal previsão como poderá constatar pelas fotos anexas. 
Cavalcanti não é, à partida, confiável e quanto a mim tem uma imagem distorcida (provavelmente propositada para vender livros - para ele foi um filão...) de Fernando Pessoa. Basta lembrar que afirmou que o poeta "não tinha imaginação" o que é no mínimo ridículo. 
De maneira que há estudiosos mais sérios e que andaram pelo baú, como a Teresa Rita Lopes, a Manuela Parreira, por exemplo e que uma dessas não deixavam passar ou se deixaram foi lapso (que pode acontecer a qualquer um). Assim, o meu conselho é que tente entrar em contacto com alguém mais sério do que o Calvacanti e que tenha dispensado boa parte do seu tempo a estudar a obra de Pessoa. É certo que se interessou, o poeta, por astrologia (ou não fosse hermetista) e que corrigiu o vigarista e perturbado Crowley (uma espécie de Blavatsky do Satanismo) numas cartas astrológicas que esse "mago" toxicodependente do seu próprio ego havia elaborado (provavelmente durante um achaque químico, pois a nada mais esse tipo de magia obriga, sendo contra-iniciático pelas pouco duradouras iluminaçōes de origem duvidosa...), e lançadas logo em propaganda porque na publicidade, já naquela altura, é que estava o ganho, qualquer que fosse esse ganho. 
Os poetas, como muito bem lembrou Dalila Pereira da Costa, são os herdeiros dos profetas e os profetas, ao contrário do que é vulgar dizer-se, não adivinham coisas (isso são os adivinhos que fazem e estão abaixo dos profetas e dos poetas), simplesmente avisavam porque eram visionários (aquilo que um visionário vê não é o futuro, pode acontecer ou não) e avisavam em alto e bom som, na maioria das vezes contra a sua própria vontade (já vê que ser-se profeta é ter um papel ingrato ao contrário dos adivinhos que ganham sempre qualquer coisinha, nem que seja prestígio), e, embora gracejassem alguns, na época dele, apelidando-o de "bruxo do Oeste" (coisa curiosíssima, aliás), de adivinho e bruxo nada tinha, era um poeta com tudo o que isso acarreta, sendo uma dessas coisas a entrada numa espécie de caixa de ressonância onde tudo ecoa, do mais próximo ao mais longínquo, como essa ilha descrita na Mensagem como estando "próxima e remota" (sublimes versos). Respondi conforme soube. Se adivinhou que o Salazar ia morrer isso pode ter sido como o Manuel Alegre que também sete anos antes do 25 de Abril falava num poema de ruas com cravos vermelhos. É que ser poeta "é ser mais alto", e junto com a astrologia até pode ter resultados, mas como disse, um profeta não é um adivinho até porque os tempos se sobrepõem por não haver tempo (o tempo tal como o entendemos é apenas uma percepção nossa) e daí os "dejá vu" de que todos pedecemos sem saber porquê. Neste mesmo instante em que lhe escrevo há todos os passados e todos os futuros... dentro dos ciclos a que estamos submetidos e cuja precisão é sobretudo qualitativa. A quantidade de tempo é um mero efeito de uma causa maior. 

Boa noite

Cynthia"

A memória não nos falha - Pérolas de António Quadros



Aos estrangeirados

Os estrangeirados deste país, deveriam rever as suas próprias origens e prosseguir a partir da raíz, da fonte e não dos ecos exteriores que conduzem, naturalmente, a um desvio humano, demasiado humano, sintomático de uma fase de decadência. Podem começar por ler estas citações da obra de António Quadros e depois, se estiverem mesmo interessados, poderão ler os dois volumes. Se estiverem interessados...

" Já vimos que a Atlântida nos foi apresentada por Platão nos dois citados diálogos como uma civilização muito antiga, por assim dizer uma civilização-padrão. Foram aliás os sacerdotes egípcios que descreveram a Sólon a localização, a constituição, a organização e o destino infausto desta ilha antiquíssima, anterior à civilização egípcia.
   Ora foi precisamente no Egípto que a herança megalítica e dolménica se elevou a um estádio mais elevado de civilização, sem perder aliás a sua identidade, sendo pois natural que só os sacerdotes dos templos sucessores dos antigos cromeleques tivesse o saber para transmitir as tradições arcaicas da sua cultura.
   Pondo de lado o corpo poético e moral do mito, o desaparecimento da ilha no fundo dos mares por castigo dos deuses, desaparecimento que a arqueologia submarina nunca conseguiu provar e que é a nosso ver uma metáfora da extinção ou metamorfose da primitiva corrente dolménica de oeste para leste, aproveitada pelo filósofo para a sua utopia, subsistem contudo pistas que claramente relacionam a Atlântida com a civilização megalítica portuguesa em sua irradiação para o Mediterrâneo." Pág. 122
"  Descartando as imprecisões ou erros geográficos da época, bem como os exageros próprios da função mítica da narrativa, Platão evoca pois uma ilha que (seria na realidade um continente), situada para além do estreito de Gibraltar, isto é, no Oceano Atlântico.". Pág. 123
" Por outro lado a descrição do sacrifício de um touro, sacrifício purificatório, em que o sangue do animal era misturado numa cratera, dele bebendo em seguida os dez reis da Atlântida em vasos de ouro, precedendo a sua reunião solene em redor do santuário para se julgarem mutuamente (...)." pág. 124
" Facilmente poderemos estabelecer aqui a conotação da narrativa do apresamento dos touros para o sacrifício, no Crítias, ao descrever os rituais da Atlântida, com os trabalhos e as lides taurinas subsistentes na Península Ibérica desde o Paleolítico." pág. 125
"Tal é sem dúvida a origem das ganadarias ibéricas. e não será por acaso que as corridas de touros e as touradas, as única manifestações actualmente remanescentes dos antigos rituais cretenses ou mitraístas, continuem a realizar-se, como uma tradição viva, na Península Ibérica." pág. 125
" Um outro dos grandes e fundamentais mitos gregos, o do Jardim das Hespérides, é também relacionável com a civilização megalítica sudoeste-ibérica. O Macisso Hespérico, de forma aproximadamente triangular, constitui o solo fundamental da Península Ibérica, que foi chamada Hespéria pelos antigos. O triangulo abarca todo o lado ocidental da península a partir do planalto castelhano, sendo limitado ao norte pela fossa arturiana e pela depressão do Ebro, ao sul pela depressão bética ou andaluza e a oeste pela orla atlântica galaico-portuguesa." pág. 125/126
" A árvore das maçãs de ouro é identificada por Mircea Eliade como a árvore da vida, que segundo o Génesis se encontra no Paraíso ao lado da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. Deus não a menciona na sua proibição, o que para Eliade, seguindo Paul Humbert, significaria que estava «escondida», pois a imortalidade é um prémio que só se pode obter depois de duras provas, como na epopeia de Gilgamesh ou na aventura de Hércules em busca das maçãs de ouro no Jardim das Hespérides." pág. 126
"   Se na realidade - e tudo como vimos o indica -, a primeira grande religião solar, onde surge a crença da imortalidade, foi transmitida pela civilização megalítica portuguesa, dela evoluindo as mais antigas civilizações mediterrânicas, não seria para estranhar que a ela remontassem os mitos arcaicos da imortalidade. A Hespéria, particularmente a Hespéria Ocidental foi o lar de origem das grandes antas sepulcrais e dos altos menires, erigidos em nome dos princípios religiosos da ressurreição, tanto segundo o arquétipo lunar como segundo o solar e o heróico. É pois mais do que plausível que mitos como o do Jardim das Hespérides tenham aí as suas remotas raízes. Por outro lado, e vendo as coisas pela outra face, ambos os mitos, o do Jardim das Hespérides e o da Atlântida, confirmam ter sido o sudoeste ibérico em ambos indicado, o berço das civilizações mediterrânicas (Egipto, Creta, Grécia), o lar da sua infância espiritual." pág. 127
"    Poderemos encontrar também, no berço megalítico os traços do mito da Idade de Ouro, talvez o mito mais poderoso de entre os que sobreviveram aos tempos antigos, chegando intacto até aos nossos dias, por exemplo nas ideias de abundância generalizada e de sociedade sem classes? já vimos que as maçãs da imortalidade são de ouro, cor simbólica do sol, do fogo da imortalidade  através dos tempos, desde as  pinturas funerárias egípcias até à talha dourada das igrejas barrocas ibéricas, representando o ideal estético-escatológico da igreja de ouro." pág. 127
"   Assim, esses antigos e misteriosos navegadores e missionários dolménicos, os atlantes, depois de terem explorado os rios em barcos evoluídos a partir das antigas jangadas, de que terão derivado os rabelos e os moliceiros, adaptaram as suas embarcações à faina marítima, nelas partindo mais tarde em longas explorações oceânicas para o Norte da Europa e para o Mediterrâneo, deixando por onde passavam, a par dos tumulus ou das antas, dos menires e dos cromeleques, partes integrantes e solidárias do mesmo tecido religioso, também suas técnicas de construção naval, a sua arte cerâmica, os seus cultos, os seus mitos e os seus símbolos.
   A toda a parte onde chegavam apareceram como os inovadores, como os representantes de uma raça sagrada, que vinha trazer a salvação pela imortalidade e por uma religião mais depurada do que o esboço de uma religião animista e mágica que até ao seu advento subsistiu". pág. 129
"  Obviamente o labirinto deriva da espiral, também chamada labirinto da via única, que tem como uma das suas significações mais antigas e mais universais a viagem da alma depois da morte, ao longo de caminhos por ela desconhecidos, mas conduzindo-a por desvios ordenados para o lar central do ser eterno." pág. 131
"  Assim se compreende porque razão a espiral surge principalmente ligada aos dolmens, pintada ou gravada nos seus esteios, na sua cripta, ou em pedras ou rochedos das suas áreas." pág. 132
" Seja como for, para que a espiral passasse a uma cultura mais tardia, como a egeia, necessitaria de portadores, que só podem ter sido os navegadores dolménicos. É inconcebível, com efeito, a travessia do Mediterrâneo, num ou noutro sentido, pelos caçadores paleolíticos ou mesmo pelos homens de transição ou do mesolítico.
   É no seio da civilização megalítica, com efeito, que os motivos da espiral, da dupla espiral e também do labirinto por assim dizer se universalizam, passando da Europa ocidental ao Mediterrâneo e em especial em Creta, onde atingiram o seu clímax, nas pinturas murais dos palácios e na decoração das cerâmicas, quer sobre a forma linear, quer através da representação de polvos, conchas e caracóis. Os motivos curvilíneos são aliás próprios das civilizações marítimas, sugestionadas pela ondulação oceânica e pelas cascas dos mariscos.
   Figurações espiralóides, espirais plenas e círculos concêntricos, esboços de labirintos, a par de desenhos de inspiração astral (o sol e a lua) surgem abundantemente em Portugal e em insculturas nos esteios dos dolmens, do lado da cripta, ou em abrigos e rochas de lugares nesse tempo provavelmente sagrados." pág. 133
"   A simples observação do imaginário simbólico revela-nos a olho nu as três fases de um barroco de linhas curvilíneas e de matriz marítima, produto de culturas essencialmente oceânicas, navegadoras, colonizadoras, comerciantes e descobridoras.
A civilização megalítica portuguesa ou atlante, em primeiro lugar, com as suas antas, os seus cromeleques, os seus menires e as suas imagens gravadas enigmáticas, representando espirais, linhas serpentiformes, rodas solares, labirintos e danças cerimoniais, expandindo-se pelo mar do Norte e para o Mediterrâneo e deixando as sua sementes e as suas colónias nas ilhas, nas embucaduras ou deltas dos rios e em geral nas costas...
   A civilização minoica primitiva, em segundo lugar, placa rotativa para o Mediterrâneo Oriental e o Egipto, receptora e transmissora dos caracteres dolménico-atlantes, que viria a expressar toda uma simbólica oceânica, o predomínio do curvilíneo sobre o rectilíneo (que os dóricos iriam inverter, recebendo contudo toda a herança cultural de Creta e do Egipto, para atingir um grande nível de civilização) e ainda polvos, conchas, linhas ondulatórias, um barroquismo que se reflectiria na sua própria estrutura arquitectónica e na pintura dos seus vastos palácios cuja planta é um dédalo de salas, pátios interiores, escadarias, etc..." pág. 139
"   A civilização megalítica portuguesa, assentando numa religião astral, com predomínio solar, embora também lunar, e num culto escatológico orientado para a ideia de imortalidade pessoal, foi quanto a nós a Atlântida a que se referia Platão, se para além das roupagens poéticas da lenda e das alegorias utopísticas do mito, buscarmos não só a solidez de uma realidade cultural e histórica como também a lógica de transformação e evolução das culturas". pág. 149
" Sabemos que, na transição do eneolítico para Idade do Bronxe, a civilização megalítica decaiu na Península   e na Europa Ocidental. Os povoados neolíticos da região portuguesa penetraram numa zona sombria, de degenerescência e anonimato, só voltando a reanimar mais de mil anos depois, com a cultura dos Castros e com a Lusitânia celebrizada pela sua longa e singular resistência aos romanos." pág. 149
"   Terá sido pois especialmente em Creta e no delta do Nilo, regiões agricolamente mais fecundas ou com melhores possibilidades comerciais, que a civilização atlante continuou, transformando-se, apurando-se, requintando-se e progredindo, mas não perdendo inteiramente a memória da pátria-mãe, transmitida por via egípcia à cultura grega através do mito da Atlântida." pág. 150
"   Ora, se no seu arcaico fundo rácico e étnico, os Lusitanos são os descendentes, celtizados na Idade do Ferro, do povo dolménico e atlante da antiga matriz suduoeste ibérica, por seu turno os Portugueses  não são mais do que os descendentes dos Lusitanos, que a romanização e as posteriores invasões suevas, visigóticas e islâmicas fizeram evoluir através de novas contribuições culturais e de novas enxertias étnicas, sem contudo destruir, tão poderosa era a cepa original." pág. 153
" (...) são os portugueses a nosso ver os directos descendentes da cepa atlante sobre cujas sementes espalhadas pelo mundo, se ergueu o edifício da civilização mediterrânica. Tronco antigo e nodoso, que recebeu ao longo do caminho muitas enxertias, mas que permaneceu basicamente o mesmo. Parece ser seu destino a capacidade de criar os grandes ciclos da cultura e da civilização, para logo depois, como se esgotado pelo esforço ou como se castigado pelos desvios da sua fragilidade humana, demasiado humana, entrar em longos períodos de decadência de que aliás volta a emergir para de novo dar novos mundos ao mundo. Não para sermos uma nação feliz parecemos ter nascido, mas para sermos construtores de história em épocas axiais ou fundadoras...
Uma nação de destino, uma pátria missionada e missionária, um povo sacrificado e heróico, sempre dividido entre a queda e o abismo e a promessa divina, que mesmo quando nega, sente obscuramente na sua complexa vida psicológica.
   Povo da saudade e do saudosismo, mas também povo teimoso, povo de esperança, ainda que absurda, projectada em última análise no mito quando tudo parece perdido ou quando já não há confiança nos dirigentes, nas elites, nas condições sociais, económicas e materiais". Pág. 155
Todas as citações foram retiradas da obra de António Quadros "Portugal, Razão e Mistério", Vol. I, Guimarães Editores, 1986
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domingo, 3 de fevereiro de 2019

Meia Laranja


Uma laranja tem gomos em forma de crescente o que implica que esses gomos podem ser associados ao crescente lunar que tende para a lua cheia. Uma lua cheia acontece quando metade dela reflecte metade da luz do Sol. Assim, um crescente reflecte menos de um quarto de luz do Sol. Como um quarto minguante o faz. Quando partimos uma laranja ao meio isso significa que partimos uma série de quartos crescentes ao meio, o que significa que ficamos com um quarto de laranja e não metade. Assim é a vida, simbólica, e na qual a matemática é apenas uma parte e não a totalidade. Assim, é certo e sabido que, se como a mulher de Lot, olhamos para trás, em pleno caminho, em sal nos tornaremos, porque esse "olhar para trás" é feito aquando um quarto do caminho, de luminosidade quase nula, qualquer coisa que vai a crescer e, aí, se detém. Mas se prosseguirmos, nesse caminho onde "o que está em cima é igual ao que está em baixo", só que de pernas para o ar e formos por aí fora sem vacilar na naturalidade de o fazer, a páginas tantas, temos metade do caminho. Essa metade encanta-nos porque pensamos que vemos o sol todo na lua ou que comemos metade da laranja. Na verdade, vemos metade da luz do sol e comemos apenas um quarto da laranja. Nessa metade do caminho, quando se olha para trás (e aí Deus nunca nos proibiu de olhar), como já temos metade da luz solar, o olhar já é solar ou antes apenas um olho é solar, para ser mais precisa, o outro é finalmente lunar, com luar e já nada se vê como quando se via na escuridão da face oculta da lua. Vê-se nítidamente aquilo que nos parece ser metade de um caminho e um quarto de sabedoria nele encontrado, a laranja da fotografia, o que já não é mau. A depuração é isto só que qualitativamente...  Depois, para não contradizer por sistema a Tábua Esmeraldina, "o que está em cima é mesmo como o que está em baixo" sem que haja, neste caso o "ao contrário", se visto com o olho solar e ao contrário, (percebendo efectivamente esse "contrário", coisa que não acontecia sem a luz do sol, nem luar), se visto com o olho lunar e só com esta capacidade se pode , enfim, entrar no templo. É por isso que, à entrada de alguns templos antigos, a lua e o sol se encontram lado a lado, em harmonia, antes disso andamos todos no adro... na escuridão da face oculta da lua e, só depois de entrar, se inicia a viagem, propriamente dita. Perguntar-se-ão se não estará este raciocínio viciado. Não está. Para se comer verdadeiramente uma laranja, há que provar igualmente, a sua essência, o seu arquétipo, o seu princípio. É por isso que, e muito bem demonstrado pela natureza, a lua só reflecte metade da luz do sol ficando a outra metade por reflectir. Nem o sol se dá a conhecer na totalidade (só dirige uma face para a lua), nem a lua faz a rotação necessária sobre si mesma, para dar a outra face a reflectir ao sol, mesmo estando aparentemente cheia, coisa que, em verdade, não está. Fica pela metade. Dai que, a depuração seja necessária e consequência de qualquer caminho. Porque há sempre dois caminhos no caminho: o caminho da vida, mais longo e o caminho da sabedoria, mais curto, porque produto de depuração da própria vida. Só nos dias d'hoje, extraordinariamente quantitativos, se confunde "mais curto" com "mais rápido" quando ninguém aqui afirmou uma coisa dessas... Afinal, quando estamos a comer uma laranja, estamos a comer só metade, por muito rápidos que sejamos e, se há uma metade da lua que reflecte há, naturalmente, metade de um sol reflectido. 

sábado, 2 de fevereiro de 2019

Seja o que seja


Seja o som que consola,
o olhar que não magoa,
a dor fugidía de uma flor,
a anedota que não destoa
a lebre que corre por alegria,
os versos soltos de um poema
as margens esquecidas de um rio,
seja o que seja é sempre fonte viva,
correndo eterna, paralela e tocando o dia.