segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

A memória não nos falha - Pérolas de António Quadros



Aos estrangeirados

Os estrangeirados deste país, deveriam rever as suas próprias origens e prosseguir a partir da raíz, da fonte e não dos ecos exteriores que conduzem, naturalmente, a um desvio humano, demasiado humano, sintomático de uma fase de decadência. Podem começar por ler estas citações da obra de António Quadros e depois, se estiverem mesmo interessados, poderão ler os dois volumes. Se estiverem interessados...

" Já vimos que a Atlântida nos foi apresentada por Platão nos dois citados diálogos como uma civilização muito antiga, por assim dizer uma civilização-padrão. Foram aliás os sacerdotes egípcios que descreveram a Sólon a localização, a constituição, a organização e o destino infausto desta ilha antiquíssima, anterior à civilização egípcia.
   Ora foi precisamente no Egípto que a herança megalítica e dolménica se elevou a um estádio mais elevado de civilização, sem perder aliás a sua identidade, sendo pois natural que só os sacerdotes dos templos sucessores dos antigos cromeleques tivesse o saber para transmitir as tradições arcaicas da sua cultura.
   Pondo de lado o corpo poético e moral do mito, o desaparecimento da ilha no fundo dos mares por castigo dos deuses, desaparecimento que a arqueologia submarina nunca conseguiu provar e que é a nosso ver uma metáfora da extinção ou metamorfose da primitiva corrente dolménica de oeste para leste, aproveitada pelo filósofo para a sua utopia, subsistem contudo pistas que claramente relacionam a Atlântida com a civilização megalítica portuguesa em sua irradiação para o Mediterrâneo." Pág. 122
"  Descartando as imprecisões ou erros geográficos da época, bem como os exageros próprios da função mítica da narrativa, Platão evoca pois uma ilha que (seria na realidade um continente), situada para além do estreito de Gibraltar, isto é, no Oceano Atlântico.". Pág. 123
" Por outro lado a descrição do sacrifício de um touro, sacrifício purificatório, em que o sangue do animal era misturado numa cratera, dele bebendo em seguida os dez reis da Atlântida em vasos de ouro, precedendo a sua reunião solene em redor do santuário para se julgarem mutuamente (...)." pág. 124
" Facilmente poderemos estabelecer aqui a conotação da narrativa do apresamento dos touros para o sacrifício, no Crítias, ao descrever os rituais da Atlântida, com os trabalhos e as lides taurinas subsistentes na Península Ibérica desde o Paleolítico." pág. 125
"Tal é sem dúvida a origem das ganadarias ibéricas. e não será por acaso que as corridas de touros e as touradas, as única manifestações actualmente remanescentes dos antigos rituais cretenses ou mitraístas, continuem a realizar-se, como uma tradição viva, na Península Ibérica." pág. 125
" Um outro dos grandes e fundamentais mitos gregos, o do Jardim das Hespérides, é também relacionável com a civilização megalítica sudoeste-ibérica. O Macisso Hespérico, de forma aproximadamente triangular, constitui o solo fundamental da Península Ibérica, que foi chamada Hespéria pelos antigos. O triangulo abarca todo o lado ocidental da península a partir do planalto castelhano, sendo limitado ao norte pela fossa arturiana e pela depressão do Ebro, ao sul pela depressão bética ou andaluza e a oeste pela orla atlântica galaico-portuguesa." pág. 125/126
" A árvore das maçãs de ouro é identificada por Mircea Eliade como a árvore da vida, que segundo o Génesis se encontra no Paraíso ao lado da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. Deus não a menciona na sua proibição, o que para Eliade, seguindo Paul Humbert, significaria que estava «escondida», pois a imortalidade é um prémio que só se pode obter depois de duras provas, como na epopeia de Gilgamesh ou na aventura de Hércules em busca das maçãs de ouro no Jardim das Hespérides." pág. 126
"   Se na realidade - e tudo como vimos o indica -, a primeira grande religião solar, onde surge a crença da imortalidade, foi transmitida pela civilização megalítica portuguesa, dela evoluindo as mais antigas civilizações mediterrânicas, não seria para estranhar que a ela remontassem os mitos arcaicos da imortalidade. A Hespéria, particularmente a Hespéria Ocidental foi o lar de origem das grandes antas sepulcrais e dos altos menires, erigidos em nome dos princípios religiosos da ressurreição, tanto segundo o arquétipo lunar como segundo o solar e o heróico. É pois mais do que plausível que mitos como o do Jardim das Hespérides tenham aí as suas remotas raízes. Por outro lado, e vendo as coisas pela outra face, ambos os mitos, o do Jardim das Hespérides e o da Atlântida, confirmam ter sido o sudoeste ibérico em ambos indicado, o berço das civilizações mediterrânicas (Egipto, Creta, Grécia), o lar da sua infância espiritual." pág. 127
"    Poderemos encontrar também, no berço megalítico os traços do mito da Idade de Ouro, talvez o mito mais poderoso de entre os que sobreviveram aos tempos antigos, chegando intacto até aos nossos dias, por exemplo nas ideias de abundância generalizada e de sociedade sem classes? já vimos que as maçãs da imortalidade são de ouro, cor simbólica do sol, do fogo da imortalidade  através dos tempos, desde as  pinturas funerárias egípcias até à talha dourada das igrejas barrocas ibéricas, representando o ideal estético-escatológico da igreja de ouro." pág. 127
"   Assim, esses antigos e misteriosos navegadores e missionários dolménicos, os atlantes, depois de terem explorado os rios em barcos evoluídos a partir das antigas jangadas, de que terão derivado os rabelos e os moliceiros, adaptaram as suas embarcações à faina marítima, nelas partindo mais tarde em longas explorações oceânicas para o Norte da Europa e para o Mediterrâneo, deixando por onde passavam, a par dos tumulus ou das antas, dos menires e dos cromeleques, partes integrantes e solidárias do mesmo tecido religioso, também suas técnicas de construção naval, a sua arte cerâmica, os seus cultos, os seus mitos e os seus símbolos.
   A toda a parte onde chegavam apareceram como os inovadores, como os representantes de uma raça sagrada, que vinha trazer a salvação pela imortalidade e por uma religião mais depurada do que o esboço de uma religião animista e mágica que até ao seu advento subsistiu". pág. 129
"  Obviamente o labirinto deriva da espiral, também chamada labirinto da via única, que tem como uma das suas significações mais antigas e mais universais a viagem da alma depois da morte, ao longo de caminhos por ela desconhecidos, mas conduzindo-a por desvios ordenados para o lar central do ser eterno." pág. 131
"  Assim se compreende porque razão a espiral surge principalmente ligada aos dolmens, pintada ou gravada nos seus esteios, na sua cripta, ou em pedras ou rochedos das suas áreas." pág. 132
" Seja como for, para que a espiral passasse a uma cultura mais tardia, como a egeia, necessitaria de portadores, que só podem ter sido os navegadores dolménicos. É inconcebível, com efeito, a travessia do Mediterrâneo, num ou noutro sentido, pelos caçadores paleolíticos ou mesmo pelos homens de transição ou do mesolítico.
   É no seio da civilização megalítica, com efeito, que os motivos da espiral, da dupla espiral e também do labirinto por assim dizer se universalizam, passando da Europa ocidental ao Mediterrâneo e em especial em Creta, onde atingiram o seu clímax, nas pinturas murais dos palácios e na decoração das cerâmicas, quer sobre a forma linear, quer através da representação de polvos, conchas e caracóis. Os motivos curvilíneos são aliás próprios das civilizações marítimas, sugestionadas pela ondulação oceânica e pelas cascas dos mariscos.
   Figurações espiralóides, espirais plenas e círculos concêntricos, esboços de labirintos, a par de desenhos de inspiração astral (o sol e a lua) surgem abundantemente em Portugal e em insculturas nos esteios dos dolmens, do lado da cripta, ou em abrigos e rochas de lugares nesse tempo provavelmente sagrados." pág. 133
"   A simples observação do imaginário simbólico revela-nos a olho nu as três fases de um barroco de linhas curvilíneas e de matriz marítima, produto de culturas essencialmente oceânicas, navegadoras, colonizadoras, comerciantes e descobridoras.
A civilização megalítica portuguesa ou atlante, em primeiro lugar, com as suas antas, os seus cromeleques, os seus menires e as suas imagens gravadas enigmáticas, representando espirais, linhas serpentiformes, rodas solares, labirintos e danças cerimoniais, expandindo-se pelo mar do Norte e para o Mediterrâneo e deixando as sua sementes e as suas colónias nas ilhas, nas embucaduras ou deltas dos rios e em geral nas costas...
   A civilização minoica primitiva, em segundo lugar, placa rotativa para o Mediterrâneo Oriental e o Egipto, receptora e transmissora dos caracteres dolménico-atlantes, que viria a expressar toda uma simbólica oceânica, o predomínio do curvilíneo sobre o rectilíneo (que os dóricos iriam inverter, recebendo contudo toda a herança cultural de Creta e do Egipto, para atingir um grande nível de civilização) e ainda polvos, conchas, linhas ondulatórias, um barroquismo que se reflectiria na sua própria estrutura arquitectónica e na pintura dos seus vastos palácios cuja planta é um dédalo de salas, pátios interiores, escadarias, etc..." pág. 139
"   A civilização megalítica portuguesa, assentando numa religião astral, com predomínio solar, embora também lunar, e num culto escatológico orientado para a ideia de imortalidade pessoal, foi quanto a nós a Atlântida a que se referia Platão, se para além das roupagens poéticas da lenda e das alegorias utopísticas do mito, buscarmos não só a solidez de uma realidade cultural e histórica como também a lógica de transformação e evolução das culturas". pág. 149
" Sabemos que, na transição do eneolítico para Idade do Bronxe, a civilização megalítica decaiu na Península   e na Europa Ocidental. Os povoados neolíticos da região portuguesa penetraram numa zona sombria, de degenerescência e anonimato, só voltando a reanimar mais de mil anos depois, com a cultura dos Castros e com a Lusitânia celebrizada pela sua longa e singular resistência aos romanos." pág. 149
"   Terá sido pois especialmente em Creta e no delta do Nilo, regiões agricolamente mais fecundas ou com melhores possibilidades comerciais, que a civilização atlante continuou, transformando-se, apurando-se, requintando-se e progredindo, mas não perdendo inteiramente a memória da pátria-mãe, transmitida por via egípcia à cultura grega através do mito da Atlântida." pág. 150
"   Ora, se no seu arcaico fundo rácico e étnico, os Lusitanos são os descendentes, celtizados na Idade do Ferro, do povo dolménico e atlante da antiga matriz suduoeste ibérica, por seu turno os Portugueses  não são mais do que os descendentes dos Lusitanos, que a romanização e as posteriores invasões suevas, visigóticas e islâmicas fizeram evoluir através de novas contribuições culturais e de novas enxertias étnicas, sem contudo destruir, tão poderosa era a cepa original." pág. 153
" (...) são os portugueses a nosso ver os directos descendentes da cepa atlante sobre cujas sementes espalhadas pelo mundo, se ergueu o edifício da civilização mediterrânica. Tronco antigo e nodoso, que recebeu ao longo do caminho muitas enxertias, mas que permaneceu basicamente o mesmo. Parece ser seu destino a capacidade de criar os grandes ciclos da cultura e da civilização, para logo depois, como se esgotado pelo esforço ou como se castigado pelos desvios da sua fragilidade humana, demasiado humana, entrar em longos períodos de decadência de que aliás volta a emergir para de novo dar novos mundos ao mundo. Não para sermos uma nação feliz parecemos ter nascido, mas para sermos construtores de história em épocas axiais ou fundadoras...
Uma nação de destino, uma pátria missionada e missionária, um povo sacrificado e heróico, sempre dividido entre a queda e o abismo e a promessa divina, que mesmo quando nega, sente obscuramente na sua complexa vida psicológica.
   Povo da saudade e do saudosismo, mas também povo teimoso, povo de esperança, ainda que absurda, projectada em última análise no mito quando tudo parece perdido ou quando já não há confiança nos dirigentes, nas elites, nas condições sociais, económicas e materiais". Pág. 155
Todas as citações foram retiradas da obra de António Quadros "Portugal, Razão e Mistério", Vol. I, Guimarães Editores, 1986
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