sábado, 24 de abril de 2021

Quando o sol nasce a ocidente e se põe a oriente



 




Portugal, China e Sol

 



Quem se debruça sobre as iniciações da puberdade sabe que elas são sobretudo dirigidas ao sexo masculino nas sociedades tradicionais. As casas dos homens são muito mais frequentes do que a casa das mulheres. Uma das explicações será a de que as mulheres são naturalmente iniciadas no mundo pelo próprio corpo e estando, por isso, dispensadas de determinadas provas. O sangue, a dor, as lágrimas a par com as quatro idades da mulher são o suficiente para a associarem à lua, a grande fonte de medida no mundo. Pela lua se medem os ciclos do mundo inseridos num ciclo maior e solar. Não deixa de ser curioso que a ciência, toda ela, se baseie na medida, ou antes nas diversas medidas. O mundo lunar no seu esplendor. Não deixa de ser curioso, igualmente, que um dos passatempos preferidos dos homens seja o de medir tudo, desde as forças às vitórias. Quer no caso das mulheres que com o corpo são inseridas nos ciclos, quer o caso dos homens medidores que com esse passatempo são inseridos na matéria, o mundo lunar, é o que permanece. O mundo solar é sempre uma síntese qualitativa no qual a medida não entra. É nesse sentido que existem anos bons e maus, anos piores e anos melhores. O ciclo é diferente e o critério é diferente quanto se trata do julgamento. Numa equipa de futebol, por exemplo, uma série de vitórias não constitui a qualidade do ano. O sagração do campeão não é igual à qualidade dos jogos. Um campeão à custa de penáltis deixa um gosto amargo na boca. O mundo lunar dos homens é curioso porque nele medem tudo: a potência do carro, por exemplo ou a quantidade de adeptos que conseguem atrair com as suas ideias. O mesmo se passa na política. Os votos são a permanência da medida. A distancia entre dois pontos ou a quantidade de vezes que o mesmo voto se repete num determinado universo. A feminização da sociedade apontada por Guénon e que tanto choque provocou às feministas cegas, é uma chamada de atenção para a sociedade no seu geral e do modo como esta vive equilibrada na frágil barcaça da medida. A britcoin, por exemplo, é uma medida imaginária, numa barcaça ainda mais frágil virando-se à mínima ondulação. É a elevação do estatuto que a nossa economia global já possuía porque ascende à virtualidade. A virtualidade tem cada vez mais prestígio. Desde as redes sociais, passando pela economia, uma espécie de compensação pelo desconhecimento do mundo subtil, um mundo subtil imaginado por não se conhecer o verdadeiro. Os deuses são substituídos por deuses talhados a régua e esquadro porque a base é apenas a medida. Entre a virtualidade e o mundo subtil, nestas novas cabeças, não há diferença substancial. Na virtualidade, que não passa de uma fantasia, toda a limitação, toda a ausência de liberdade é facilmente recuperada. No entanto, até mesmo o mundo subtil é uma refracção, quando não é uma distorção, dos raios solares, e disso não se fala. Silêncio absoluto. A realidade do mundo lunar é apenas substituída por uma imagem da imagem do mundo lunar. Nesse sentido, há um decréscimo acentuado da qualidade. Há uns dias apanhei na televisão, na RTP 2, um locutor chinês a falar do nosso país. Com aquela voz pausada, igual à dos documentários chineses, o locutor ia falando dos nossos pasteis de Belém, do nosso presunto, do nosso vinho e era fascinante ver aquilo que valorizavam em nós: o tempo e a mestria com que fazíamos os nossos produtos. Aquilo que nesse documentário era valorizado, à boa maneira tradicional chinesa, era a forma como as coisas eram feitas e não a quantidade de coisas que eram feitas. Os pastéis de Belém eram tocados pelas mãos dos pasteleiros e continham um segredo passado entre várias gerações ao longo do tempo,  não eram feitos numa fábrica, o vinho do Porto era pisado pelos pés e maturado por anos, o presunto, depois de salgado, era armazenado e abandonado ao tempo de cura lenta… eram todos os processos naturais do nosso fabrico que encantavam o olhar chinês, era aquilo que tínhamos em comum, um desenrolar de um enlace entre o corpo, a matéria-prima e o tempo qualitativo, enfim, todo o processo artístico uma vez que as práticas artesanais são a base de toda a Arte. Estranhamente, no fim, um chinês falava na durável e boa relação que o nosso povo tinha com a China, e ainda mais estranhamente disse: “nós queremos ser compreendidos”. Como se, pelo nosso vagar e sabedoria, nós pudéssemos, de alguma forma, resgatá-los a eles do sono de si mesmos em que se encontram. Um mundo solar, onde só semelhantes se encontram. Quando vejo os homens a medir forças, no meu olhar de mulher, parecem-me crianças tontas que ainda não perceberam nada e que não passam de personagens de um mundo efeminado, embrutecidos pela obsessão da medida. Um dia, quando for necessário e quando os homens portugueses, e as mulheres que os copiam, deixarem de lado essa obsessão, o sol vai nascer a Ocidente e irá iluminar até a própria China. 

terça-feira, 20 de abril de 2021

Os neo contemporâneos

 


Quando começamos a incomodar os neo-contemporâneos, de todas as ordens e feitios, imediatamente chovem, nesta sociedade de esoteristas altamente misóginos, imagens de  mulheres escarlate. As pobres referências que constam nos seus dossiers individuais não vão além de uns míseros séculos atrás. A pobreza masculina não se poupa a dizer, a referir, a sublinhar, a reafirmar e a citar a velha frase tornada batido de frutas para desportistas esotéricos de longo, penoso e repetitivo curso: "penso que as mulheres são superiores aos homens", e depois, vai-se a ver e... nada. É a chamada superioridade energética disfarçada de musa que dá jeito nas horas de tédio... na verdade não são superiores nem inferiores, são iguais e diferentes, mas a igualdade incomoda muito mais do que uma superioridade concedida em argumentos para que, na prática, ao mais pequeno gesto de uma senhora (para alguns as mulheres duvidosas, mas muito intelectuais, não devem ser chamadas de senhoras, epíteto dado às simplórias, mas boas esposas, quando são) lá venha a corte de esoteristas formados nas leituras de toda a História com olhos de Crowley (para eles este mago é o complementar de Cristo disfarçado de oposto), bramir a literatura juvenil que os encantou nas noites em que nada se passava. Na verdade, apenas utilizam o argumento da "superioridade da mulher" para a afastar para bem longe, colocando-a num altar bem ideal de onde não possa sair, não se possa mexer e, muito menos, escrever ou falar, para que não lhes seja roubado o lugar; bem sair até pode, desde que seja para práticas sexuais consideradas muitíssimo sagradas por essa corte de imberbes mentais, altamente justificativas do autoconvencimento , bem no fundo, da superioridade masculina...  Há que dizê-lo: os esoteristas portugueses são portugueses e, na sua grande maioria, tiveram uma família católica  cujas virtudes lhes foram, desde cedo, impostas e a rebelião é tão pouco imprevista que é feita exactamente com as mesmas cartas de jogar com que joga a Igreja Católica. O bocejo é enorme. Nascer diferente de tudo isto, e nascer mulher ainda por cima, é estar condenado a não entrar na grupalhada e o pior é que é a única que existe. Os restantes ou são teósofos, com loucura agravada, ou são orientalistas cujo espectro vai desde o médio até ao extremo oriente e cuja linguagem não é totalmente nossa. Nascer diferente é uma condenação danada ao inferno em que este país se pode tornar. É por exemplo olhar de frente para estes tipos e sentir a pergunta num esgar que se torna quase sempre indisfarçável "mas o que é que este tipo quer?" e perceber depressa que a conversa é sempre a mesma, os tiques iguais (embora disfarcem dizendo que estão em campos opostos), os propósitos idênticos, e as atitudes altamente previsíveis. Dizem que as elites intelectuais estão por detrás de um país, ainda que pareçam ser as económicas e se assim é, não admira que o país esteja como esteja, atrofiado, inquinado, desgraçadamente preso a estereótipos internos, desde os medievais em que os fiéis d'amor canalizavam as energias sexuais para andar para aí a cantar porque, doutro modo, nada lhes saia e convinha ser anti-Roma quando se era filho desta,  ao produto de uma Inquisição com um cheiro a mofo tão intenso que ainda não deixou de se notar mesmo passados todos estes séculos, passando pelas modas estrangeiras e estrangeiradas que agradam aos intelectuais quando se sentem habilitados a adquirir algum poder. Nascer diferente é a maior provação neste país por ter estes neo-contemporâneos por contemporâneos. E que de mulheres, não percebem nada. Quanto mais de arte... ou de iniciação que é exactamente o mesmo. 

terça-feira, 13 de abril de 2021

O Projecto de Portugal



Ontem tive uma conversa com o meu irmão durante quatro horas. Na verdade foi uma conversa, um debate e uma discussão cujo fogo da emoção variava alternadamente, ora mais aceso, ora menos. O tema? Portugal. Dei-me conta ontem de que já há muito tempo tenho um Projecto para Portugal. Evidentemente que sempre houve pessoas que tiveram um Projecto para Portugal, ora mais espiritual, ora mais social, ora mais cultural. O meu implica tudo e implica um novo olhar sobre todas as coisas. Evidentemente que, naturalmente ninguém está interessado no que digo ou deixo de dizer. Talvez o meu irmão. Tive o gosto de debater com ele ideias. Ideias a sério e não murros no ar, bocas para os infelizes que nada podem fazer ou alternativas radicalistas fáceis e acessíveis. Ideias mesmo, aliás como era típico na minha família. Evidentemente que não as vou expor aqui simplesmente porque é completamente inútil. Como foi inútil a minha completamente infeliz participação no Facebook. A única vantagem, no meio disto tudo, é a de morrer com a consciência absolutamente tranquila. 

 

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Os que não entendem António Telmo



Tive de acordar absurdamente cedo por causa dos homens das obras que estacionaram aqui e fizeram os cães ladrar e, por causa disso, escrevo agora sobre os mundos interiores. Não sei que ligação existe entre os homens das obras e os mundos interiores, mas deve haver uma estranha relação de causa e efeito. Lembrei-me da Dama de Oiros de António Telmo e da forma como este tipo de relações entre as coisas marcam o tempo e o espaço da sua obra. Inicialmente, para quem está de fora, o facto de se deixar guiar por acontecimentos externos que correspondem a acontecimentos internos pode ser estranho para algumas almas que se aproximem da leitura dos seus textos. Estamos sempre muito habituados a dar mais crédito ao nosso mundo interior do que ao dos outros que, neste caso, nos são próximos por via de certas demandas. Se a vida for, como dizem, o reflexo de uma enorme mandala geométrica, a cada um a sua forma, como as flores são diversas. E a cada um o seu perfume que é uma mistura da ciência das balanças e do éter, esse quinto elemento misterioso e invisível que pode alterar o perfume, independentemente do peso dos seus elementos químicos constituintes e do qual não há provas. A prova, aliás pertence ao mundo da ciência e ao mundo dos juízes. O éter pertence ao outro mundo e toca este em determinadas ocasiões quando quer que o perfume de uma flor seja de determinada maneira. As correspondências simbólicas são fascinantes. Podemos passar uma vida inteira a fazê-las, como uma tecedeira que tece padrões. Na pintura, por exemplo, que para mim é um pouco como a tecelagem, começo por uma base. Uma espécie de tom geral, que até pode desaparecer no fim, mas que, despercebidamente, está sempre lá, mais ou menos visível. Por debaixo do azul, pode estar um amarelo, e ele vive e pulsa, nessa camada encoberta vertida de azul que nunca chegou a transforma-se visivelmente em verde. Assim, quem vê o azul, vê o amarelo também e, por inerência, o verde. E vê também o violeta, a cor complementar do amarelo, o laranja, a cor complementar do azul e o espectro invisível do arco íris. Algumas cores apenas se destacam mais do que outras, mas, nessas correspondências emergentes e submergentes, o espectro está todo lá. O mesmo se passa com alguns mundos interiores que lemos como se estes fossem constituídos por cores que, pelo facto de estarem mais visíveis, umas do que outras, não deixam de nos conduzir para o nosso próprio mundo interior e, quando tomamos consciência disso, então dá-se o encontro entre o leitor e autor. Tanto um mundo, como o outro, procedem do mesmo arco-íris. Subindo um pouco ainda de grau de interioridade, é nesse sentido que Dalila Pereira da Costa nos lembra a frase conhecida: “Os místicos falam todos a mesma linguagem”. Evidentemente que aqui se trata de um misticismo superior e não da vagabundagem sensitiva que podemos encontrar nos neófitos imberbes destas andanças e que normalmente tendem para a multi-dispersão na multi-sugestão que é o próprio mundo. No misticismo, como em tudo, podemos encontrar um lado inferior e um lado superior, convergente e inseparável da aproximação ao mundo da Iniciação, embora seja, ainda e apenas, uma aproximação. A passagem de um universo místico para o universo iniciático é a mesma que existe da passividade para a acção. O êxtase desaparece, a saída de si, esfuma-se, e passa-se, ao invés, a “estar em si”. Isto tem sido muito pouco compreendido, mas até Dalila, uma mística, faz referência a essa diferença. Será como a possibilidade de nos apercebermos de todas as cores do arco-íris num simples azul vertido sobre um amarelo que desaparece. Isto a propósito do desprezo que certas figuras têm demonstrado para com a obra de António Telmo. Normalmente são figuras de dois tipos: ou sobrepõem a razão a tudo e depois colocam uma cereja em cima do seu bolo racional, chamada Deus, muito ao estilo de Descartes, ou são aqueles que, tomaram a floresta pelo todo e que, ao largarem o êxtase, passaram a “sair de si para si” dando-nos a sensação de exteriormente “estarem em si”. O produto não é muito diferente do de Descartes, a diferença está no facto de nunca ultrapassarem o mundo da tecelagem, o de Penélope, o do Devir, num entrecruzar de fios, de símbolos, de contextos ou bases, infinitamente, sem que cheguem a ultrapassar alguma vez o próprio símbolo. O seu mundo é o mesmo mundo lunar de sempre, apenas a forma como se apresentam, com vestes luminosas e seguras, é diferente. Observando esses seres de perto, e confrontando-os com uma transformação directa, a sua reacção é de pânico, ou de incómodo, tal qual aponta Guénon no início, no quarto parágrafo, do seu livro “Os Símbolos da Ciência Sagrada” quando diz: “Para muitos católicos, a afirmação do sobrenatural só tem valor teórico, e ficariam muito pouco à vontade se tivessem de constatar um facto milagroso. É o que se poderia chamar de materialismo prático, de materialismo de facto; não seria este muito mais perigoso ainda do que o materialismo reconhecido, precisamente porque os atingidos por ele não têm mesmo consciência disso?”. Poderia acrescentar ainda, e passados alguns anos da escrita desta ideia, que existem por aí, muitos católicos disfarçados de pagãos e cuja reacção não é nada diferente perante o mesmo facto. O apadrinhamento do mundo interior do outro é coisa rara e quando existe, ou é feito com vista ao “discipulado”, normalmente cego e superficial, ou é feito com vista a um “mestrado”, fazendo “nossas” a palavra do “mestre” que adoptámos. Esta última acção também ocorre muito e serve a deturpação das mensagens exemplarmente até porque um Novo Mestre, só é legítimo com um Antigo Mestre, mas só é Novo Mestre, se trouxer alguma novidade, acrescentar um ponto (que nunca lá esteve) à história, ou se aproveitar uma visão parcelar do Antigo Mestre. Isto também se passa muito. Depois há, como dissemos atrás, aqueles que rejeitam o mundo interior do outro. Neste caso concreto de António Telmo. Nem o consideram Mestre de coisa nenhuma (e aí estão certos) nem o consideram sequer um aprendiz válido (e aí estão errados). Digamos que o tentam afastar e minimizar porque, ao invés de Iniciados, são aqueles que, embora não estando “fora de si”, em êxtase, passaram a “sair de si para si”, dando-nos a sensação de “estarem em si”, mas na verdade, estão continuamente presos aos fios de Penélope, tecendo os dias e as noites, enquanto Ulisses anda em aventuras solares que não lhe dizem respeito. O mundo solar é criativo, por excelência, embora venha muitas vezes disfarçado com a camuflagem bélica. Na verdade, António Telmo era uma figura incómoda como se ele próprio fosse um fenómeno que incomodasse a ordem pré-estabelecida de um padrão ou de uma mentalidade inalterada ao longo do tempo. Alguns lhe apontaram essa capacidade de fazer “tremer” quem dele se aproximava, não entendendo que a presença de algumas pessoas é naturalmente assim e não produto de iniciações contrafeitas como são as martinistas e que dão a mesma sensação, mas apenas por via da sugestão. Esse tremor, verdadeiro e mudo, sem ser produto de qualquer olhar ou gesto, é o mesmo que existe na própria terra, que vive e pulsa e só é captável e emitido por aqueles que se vão aproximando do seu centro.

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Mundo lunar

No mundo lunar, que é este (quando não é sub-lunar...) o padrão é composto e nasce da medida. Mensurar é a palavra-chave de qualquer intuito dito ciêntifico. Ora, o imensurável pertence a outro universo. Apreendemos consoante os sentidos que temos e quando não os temos dizemos, em bom português, que é demasiada areia para a nossa camioneta. Já Guénon demonstrava o simples: que o atomismo não fazia sentido (ainda pouco se falava dos átomos), porque era divisível. O divisível, é-o, em valor indefinido e pressupõe sempre a "medida", por mais micro que seja. E os físicos lá vão alegremente, dividindo, dividindo. Depois, por vezes, esbarram com o inevitável, o grau indefinido da complexidade da divisão. A Unidade, pertence a um outro universo. Às vezes vão lá bater à porta e voltam para trás. É natural. Como natural é o universo em que vivem.