Chamamos contratempo ao que parece ir contra o tempo. Sendo
o tempo elite (eleita ou não) provinda de onde, pelo menos, não existe tempo
(não sabemos que outras formas de tempo existem para além destas, o tempo, o
intemporal e o não tempo e o contemporâneo está incluído, na categoria de tempo
e, sob o ponto de vista zen, poderá ou não, conforme o “espírito com que é
pronunciado” entrar na categoria do não-tempo), o contratempo, dizia, indo
contra o tempo pode ser que esteja a favor ou do intemporal ou até mesmo do não
tempo. Dirão: que bem jogas com as palavras! Coisa que me incomoda
sobremaneira, senão, vejamos este caso, não são estas concepções (as concepções
são mais do que conceitos) sobre a substância ou consistência ou própria
natureza de várias palavras cuja raiz é o “tempo”. E tomamos a palavra “tempo”
como sendo a raiz apenas porque estamos retidos num universo que aparentemente
usa as coordenadas visíveis tanto para o espaço como para o tempo mas
poderíamos tomar cada uma das outras como palavras raízes. Hoje ardeu o Museu
da Língua Portuguesa e tal contratempo, porque o é, poderá significar coisas
diversas consoante a perspectiva em que nos encontremos: de uma perspectiva intemporal,
esse contratempo, pode revelar (falo em revelar e não em razão porque a
revelação engole a razão e o vice versa na maioria das vezes não acontece) que a língua é intemporal, ultrapassando o
próprio conceito de museu... por outro lado pode revelar a vontade de um não
tempo porque por mais interactivo e informático que fosse o museu, a língua não
é uma brincadeira de computadores nem uma interacção em forma de jogo lúdico
mas sim, qualquer coisa de importante, vivo, e que longe de estar morta e
encerrada num museu, se revela afinal, fora das paredes dele não sendo este necessário.
Tudo depende do que entendemos ou de que julgamos fazer com a língua. Tanto a
ausência de qualquer coisa como a manifestação de qualquer coisa são sintomas
de que esse qualquer coisa deve ser motivo de atenção. Um contratempo destes
não poderia deixar de ficar imune à análise para quem escreve e lida com a
língua. Muito mais do que jogos de palavras trata-se aqui da forma como
concebemos, em última análise, a língua portuguesa. Não se trata de tomar
partido por museus, mais ou menos informáticos, de existirem museus da língua
ou não, trata-se de reparar que qualquer coisa mexeu. E pelo fogo, ainda por
cima.
(Cynthia Guimarães Taveira)