quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

O Museu da Língua Portuguesa...




Chamamos contratempo ao que parece ir contra o tempo. Sendo o tempo elite (eleita ou não) provinda de onde, pelo menos, não existe tempo (não sabemos que outras formas de tempo existem para além destas, o tempo, o intemporal e o não tempo e o contemporâneo está incluído, na categoria de tempo e, sob o ponto de vista zen, poderá ou não, conforme o “espírito com que é pronunciado” entrar na categoria do não-tempo), o contratempo, dizia, indo contra o tempo pode ser que esteja a favor ou do intemporal ou até mesmo do não tempo. Dirão: que bem jogas com as palavras! Coisa que me incomoda sobremaneira, senão, vejamos este caso, não são estas concepções (as concepções são mais do que conceitos) sobre a substância ou consistência ou própria natureza de várias palavras cuja raiz é o “tempo”. E tomamos a palavra “tempo” como sendo a raiz apenas porque estamos retidos num universo que aparentemente usa as coordenadas visíveis tanto para o espaço como para o tempo mas poderíamos tomar cada uma das outras como palavras raízes. Hoje ardeu o Museu da Língua Portuguesa e tal contratempo, porque o é, poderá significar coisas diversas consoante a perspectiva em que nos encontremos: de uma perspectiva intemporal, esse contratempo, pode revelar (falo em revelar e não em razão porque a revelação engole a razão e o vice versa na maioria das vezes não acontece)  que a língua é intemporal, ultrapassando o próprio conceito de museu... por outro lado pode revelar a vontade de um não tempo porque por mais interactivo e informático que fosse o museu, a língua não é uma brincadeira de computadores nem uma interacção em forma de jogo lúdico mas sim, qualquer coisa de importante, vivo, e que longe de estar morta e encerrada num museu, se revela afinal, fora das paredes dele não sendo este necessário. Tudo depende do que entendemos ou de que julgamos fazer com a língua. Tanto a ausência de qualquer coisa como a manifestação de qualquer coisa são sintomas de que esse qualquer coisa deve ser motivo de atenção. Um contratempo destes não poderia deixar de ficar imune à análise para quem escreve e lida com a língua. Muito mais do que jogos de palavras trata-se aqui da forma como concebemos, em última análise, a língua portuguesa. Não se trata de tomar partido por museus, mais ou menos informáticos, de existirem museus da língua ou não, trata-se de reparar que qualquer coisa mexeu. E pelo fogo, ainda por cima.
 
(Cynthia Guimarães Taveira)

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