sexta-feira, 5 de março de 2021

O Império que se faz


 



O Império que se faz

 

Remetemo-nos para uma espécie de interior, porque há várias espécies de interior. Nesta, o que vemos é aquilo que vimos neste dia até ao ponto pérola do tempo que é atingido sempre que escrevemos. E vimos já tanto desde que o sol nos acordou, afastando os sonhos que pensamos nossos. Concluímos que nada ou pouco sabemos neste vaivém na esfera da alma esférica. O dia é um leque de pétalas abrindo-se lentamente até ao meio-dia e, depois, a partir do meio-dia zénite de esperança, vai-se fechando lentamente, de um modo muito mais imperceptível do que quando se abriu. A classe subatómica das palavras é da mesma natureza do que a dos gestos e, nem uns, nem outros se repetem exatamente porque a intenção, grão de mostarda do seu âmago, varia com as cores do dia e com os timbres de luz, sempre trémula neste mundo, e nascendo espontaneamente como sementes sortidas lançadas à terra. Se os dias passam por nós como imperadores, em carruagens douradas de fim de dia, nós, num movimento aparentemente oposto, passamos pelos dias, como imperadores de um império situado noutro hemisfério. Cruzamo-nos ao meio dia, envoltos em verdes capas enquanto o sol, no alto, nos lembra o seu próprio império. Há um triângulo natural que se forma entre nós, os dias e o sol, acima, a essa hora. E a nítida evidência dele, clarifica-nos os gestos e as palavras e a luz que do alto se deixa verter sobre esse instante. Há um meio dia para tudo, sem sombras, nem análises excessivas. Apenas a evidência dos impérios brilhando em mármore, acompanhando a luz de todas as horas: dourado, rosado, lilás… os impérios são sempre revelações do que desconhecemos em nós e neles as cores aparecem e conjugam-se em padrões incansáveis na demanda da variedade que é só verdade. Os únicos impérios de verdade são tecidos, de avessos escondidos num canto do universo e, do outro lado, mármores aos sóis. Todos os impérios são acompanhamentos do sol no seu percurso e neles o sol nunca se põe porque o avesso do império é o contrário do sonho que o fez. Quando o sol, pela manhã nos desperta e nos afasta os sonhos, revela-nos o sonho maior que o império é. Sol, sonho e nós, o triângulo perfeito, em plena atmosfera visível, a meio do dia, para além do tempo.  


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