quarta-feira, 7 de julho de 2021

Gazelas

 


Não é em vão que o desfiladeiro passa rápido por baixo dos nossos pés e saltamos, como gazelas, por entre os montículos de pedras e terra e que exalam o mar todos os dias e se deixam esculpir pelo vento por milénios. Passamos rápidos por eles como rápida é a nossa vida e qualquer vida humana. Se reduzida, a vida, a uma das suas essências possíveis, seria composta por esses passos rápidos de gazelas entre o abismo e a plenitude do contacto entre céu e mar. Vida que se repete dentro da própria Vida. Gazelas que somos e nascemos entre paixões, entusiasmos e o ruminar de rotinas coleccionáveis em frascos de cristal. Na anedótica visão da grandeza, deixamos de nos pensar como andrajosos informes e passamos a um reflexo qualquer desde que majestático ou sagrado, ou ambos,  e assim, o ruminar vegetal do animal passa a anúncio de uma boa nova que nos torna grandes e ágeis, capazes de saltar por entre as pedras dos montículos, ora humanos, ora divinos e que se erguem por entre abismos frente ao mar. Não fossem as perspectivas várias, impressas nas existências, viveríamos alegremente em duas dimensões, como deuses incrustados em estelas de pedra. Assim, somos gazelas de vento capazes de milagres quando saltamos acima dos abismos de uma dimensão para outra, tocando, raramente, a estabilidade dos deuses. Apaixonamo-nos com quem não o quer fazer quando é tudo o que queremos fazer e a paixão só morre por esse pequeno engano, por essa pequena camuflagem com que se apresenta. Se não viesse assim, trajada de inocência, estaríamos sempre apaixonados, plenamente viventes como gazelas de vento num salto único sobre o abismo, deuses a duas dimensões com a alegria do infinito. Ainda hoje essas estelas evocam o som e o movimento provindos dos deuses, aparentemente estáticos para quem não lhes pressente esse movimento eterno que copiamos no episódio da vida, quando, o desfiladeiro passa rápido abaixo dos nossos pés, ou cascos, ou o que for, desde que nos eleve e nos torne aptos à consciência da Vida que se instala dentro da própria Vida.


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