ORQUÍDEAS VOADORAS
Quando uma orquídea voa, leva sempre as raízes
consigo. Quando ascende à luz, não as perde. Não se sabe se se alimenta das
cascas das árvores ou do ar que fica por entre elas. No jardim dos símbolos a
ciência é outra. Talvez porque a orquídea não precise de um sol directo e ainda
esconda espaços do seu alimento e não os desvende, mantendo a sombra. E por que
sobe pelo candelabro como se fosse uma serpente? E por que acaba lá no alto,
lado a lado, com as chamas? Lembra a fórmula V.I.T.R.I.O.L., sem dúvida, penso
nisto enquanto procuro um elástico que aparece quando olho para o lado como se
sempre lá estivesse estado ou tivesse simplesmente aparecido por saber que
precisava dele. No jardim tudo é um acaso. Tira-nos a respiração a quantidade
de acasos. São tantos, mas tantos que passam a ser uma sintonia. Já não
questiono. Como ninguém questiona a sintonia entre dois músicos. E a orquídea
continua a trepar pelo candelabro de prata. Só aceita o fogo, não o sol. Talvez
ainda esteja na idade das palavras e não dos astros. A diferença entre o sol e
o fogo é surpreendente e a orquídea parece saber qual é. Talvez porque não
largue as raízes e isso dá-lhe respostas e necessidades. Talvez não lhe chegue
ainda a comoção estética da cor da chama onde quer que ela esteja, na ponta de
um candelabro ou no centro do sistema solar. Talvez ainda necessite da palavra.
Talvez nunca pare e nunca chegue a olhar para aquele ponto indefinido, que pode
ser um anjo, ou alguém a acenar ao longe.
Talvez a orquídea seja alguém que conhecemos e não sabemos. As raízes
parecem garras demasiado fortes a segurar o ar. Como se soubessem que nunca o
poderão aprisionar e, ainda assim, se fossem desenvolvendo numa esperança
indefinida de agarrar o céu donde vieram… (as raízes são a esperança) e a flor,
em cima, esquecida dessa demanda, procura a chama vibrante da palavra que se
solta da cera, das abelhas… das abelhas que são a palavra. No jardim, quando se
diz que a palavra é de fogo, é porque é de fogo. Lá não se mente porque não
vale a pena. Os símbolos são cristalinos
como o nosso rosto no orvalho da manhã, tão desoculto, tão próximo do disco
solar, nesse lado convexo da gota oval… com dois polos, o fogo e o sol; nós,
ainda da palavra, do sol, dos astros, e os símbolos, do ar que a raiz da
orquídea tenta apanhar… a raiz procura o sol. V.I.T.R.I.O.L.; na escuridão da
terra, as raízes rectificam o seu caminho, tornam-se sinuosas, procuram o
astro-rei, no centro da terra enquanto se alimentam de ar ou de cascas de
árvores, não sabemos ao certo. Lá no alto, perto da chama, as suas pétalas voam
revigoradas pelas suas raízes em demanda oculta e essencial. Talvez seja alguém
que conheçamos, a orquídea voadora, enrolada num candelabro. Talvez seja uma
forma vegetal em volta de um caduceu esquecido e tombado no tempo, antes do
tempo das serpentes enroladas em árvores/candelabros com pomos solares no lugar
das chamas… antes da árvore, talvez fosse o caduceu, noutra época, em que as
árvores curavam e davam luz e eram doutra maneira. No tempo das nossas raízes
ou de alguém que, se calhar, conhecemos. Já não sabemos onde acabamos e começam
os outros quando a demanda das raízes pelo sol é semelhante à das pétalas pelo
fogo da palavra que só ecoa em chama no silêncio dos silêncios.
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