segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

O JARDIM DOS SÍMBOLOS II

 




ORQUÍDEAS VOADORAS

 

Quando uma orquídea voa, leva sempre as raízes consigo. Quando ascende à luz, não as perde. Não se sabe se se alimenta das cascas das árvores ou do ar que fica por entre elas. No jardim dos símbolos a ciência é outra. Talvez porque a orquídea não precise de um sol directo e ainda esconda espaços do seu alimento e não os desvende, mantendo a sombra. E por que sobe pelo candelabro como se fosse uma serpente? E por que acaba lá no alto, lado a lado, com as chamas? Lembra a fórmula V.I.T.R.I.O.L., sem dúvida, penso nisto enquanto procuro um elástico que aparece quando olho para o lado como se sempre lá estivesse estado ou tivesse simplesmente aparecido por saber que precisava dele. No jardim tudo é um acaso. Tira-nos a respiração a quantidade de acasos. São tantos, mas tantos que passam a ser uma sintonia. Já não questiono. Como ninguém questiona a sintonia entre dois músicos. E a orquídea continua a trepar pelo candelabro de prata. Só aceita o fogo, não o sol. Talvez ainda esteja na idade das palavras e não dos astros. A diferença entre o sol e o fogo é surpreendente e a orquídea parece saber qual é. Talvez porque não largue as raízes e isso dá-lhe respostas e necessidades. Talvez não lhe chegue ainda a comoção estética da cor da chama onde quer que ela esteja, na ponta de um candelabro ou no centro do sistema solar. Talvez ainda necessite da palavra. Talvez nunca pare e nunca chegue a olhar para aquele ponto indefinido, que pode ser um anjo, ou alguém a acenar ao longe.  Talvez a orquídea seja alguém que conhecemos e não sabemos. As raízes parecem garras demasiado fortes a segurar o ar. Como se soubessem que nunca o poderão aprisionar e, ainda assim, se fossem desenvolvendo numa esperança indefinida de agarrar o céu donde vieram… (as raízes são a esperança) e a flor, em cima, esquecida dessa demanda, procura a chama vibrante da palavra que se solta da cera, das abelhas… das abelhas que são a palavra. No jardim, quando se diz que a palavra é de fogo, é porque é de fogo. Lá não se mente porque não vale a pena.  Os símbolos são cristalinos como o nosso rosto no orvalho da manhã, tão desoculto, tão próximo do disco solar, nesse lado convexo da gota oval… com dois polos, o fogo e o sol; nós, ainda da palavra, do sol, dos astros, e os símbolos, do ar que a raiz da orquídea tenta apanhar… a raiz procura o sol. V.I.T.R.I.O.L.; na escuridão da terra, as raízes rectificam o seu caminho, tornam-se sinuosas, procuram o astro-rei, no centro da terra enquanto se alimentam de ar ou de cascas de árvores, não sabemos ao certo. Lá no alto, perto da chama, as suas pétalas voam revigoradas pelas suas raízes em demanda oculta e essencial. Talvez seja alguém que conheçamos, a orquídea voadora, enrolada num candelabro. Talvez seja uma forma vegetal em volta de um caduceu esquecido e tombado no tempo, antes do tempo das serpentes enroladas em árvores/candelabros com pomos solares no lugar das chamas… antes da árvore, talvez fosse o caduceu, noutra época, em que as árvores curavam e davam luz e eram doutra maneira. No tempo das nossas raízes ou de alguém que, se calhar, conhecemos. Já não sabemos onde acabamos e começam os outros quando a demanda das raízes pelo sol é semelhante à das pétalas pelo fogo da palavra que só ecoa em chama no silêncio dos silêncios.


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