quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

O zumbido

 

O mundo está tão barulhento que chego a casa com os ouvidos a zumbir e as pessoas estão incómodas no seu geral. Parecem moscas. Só não somos estrangeiros em casa onde os objectos dormem sossegados e os cães brincam, eternamente pré-históricos, sem saberem ler ou escrever, apenas sorrir, quando chego a casa com os ouvidos a zumbir como se tivesse vindo de um concerto de "heavy metal". O silêncio é a grande sede e sede. Penso se não haverá uma oração permanente dentro do meu coração porque de outra maneira não conseguiria sobreviver a este constante terramoto diário. Até a força da gravidade eclode com mais força. A quantidade de doenças mentais existentes, conduz a que a maior parte da população procure cura por rotina, seja onde for, seja com quem for. Agradeço por só sentir o zumbido nos ouvidos como efeito secundário desta época de hecatombes sucessivas e por não andar à procura do curandeiro certo para patologias inevitáveis. No outro dia mostrei fotografias das plantas verdes e verdejantes da minha casa a uma pessoa e disse-me em resposta que eram uma espécie de cura. Disse-lhe que não eram por não me encontrar doente e que eram sim, pura alegria, sem qualquer doença que justificasse a sua presença em minha casa. Fez um silêncio como se estivesse perante um tabu que desconheço, feito do horror à alegria, sem antes nem depois. Dizer que não estamos mentalmente doentes tornou-se no grande pecado, o mais mortal de todos. Das ansiedades às depressões, passando pelos bipolares, obsessivos+compulsivos e esquizofrénicos, para a acabar na grande senhora das doenças mentais que é a psicopatia como culminar da carnificina fininha que atravessa as mentes e que chega em cheio com as séries sobre serial killers aos ecrãs, todos se vão sentido raptados, ora de umas, ora de outras, mas nunca desta última, remetida sempre para a ficção. Mas ao dizermos sentir pura alegria, esta tornou-se numa impossibilidade que remete para o silêncio como resposta, seguido de um olhar desconfiado que questiona, bem lá no fundo, se não haverá ali algo de psicopata nesse alguém que fala de pura alegria. Em suma, sentir alegria está muito próximo de se puder vir a ser psicopata porque a alegria tornou-se insuportável e injustificada no mundo actual e se for antecedida pela palavra "pura", então está mesmo o caldo entornado pois essa palavra recorta-nos da linearidade do tempo, por ser sem antes nem depois e logo agora que vivemos entre a angustia do tempo passado que já não volta e a do futuro que nunca é bom. Estar-se puramente alegre conduz ao fracasso no campeonato das doenças e, em simultâneo, à medalha de ouro das mesmas porque se é, quase de certeza, psicopata. Não admira que sinta os zumbidos desses moscardos, visitas não pedidas mas que entram pela janela dos pensamentos a uma velocidade estonteante, dando várias voltas à sala, batendo violentamente com a cabeça nos vidros à procura de uma saída e acertando, já zonzos, na a fresta por onde saem disparados e em pânico com tanta saúde mental. Já lá vai o tempo em que os loucos tinham graça, charme e sabedoria. Tornaram-se nuns chatos de primeira, sempre à procura de alguém igual a eles para fazerem uma manifestação de orgulho-crazy, enquanto gritam que os loucos unidos jamais serão vencidos e que hão-de entupir as portas de todos os Serviços Nacionais de Saúde deste mundo para acabar de vez com a Sanidade. Ser são é ser mais alto, é ser maior dos que os loucos, morder como quem morde e qualquer dia mordo todos loucos que encontrar no caminho e que me queiram morder como quem beija! Será essa a verdadeira poesia da mordedura, pois aqui não há beijocas como quem morde, nem mordeduras como quem beija aqui morde-se como um verdadeiro psicopata! É essa aliás, a minha grande alegria: dizimar loucos com insecticida e deixar o SNS a trabalhar em pleno para os saudáveis deste mundo que só partiram um pé! Um puro pé!


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