domingo, 10 de setembro de 2023

A Beleza


Os cavalos avançam naquela praia. A forma como correm é em si mesma uma mensagem de liberdade. As crinas ao vento e aquele focinho comprido que, de vez em quando, inclinam para baixo numa expressão mista, entre a submissão e a rebeldia. Uma corrida desses cavalos é poesia pura, neles encontramos os nossos próprios movimentos, mais até do que nos pássaros, estes mais constantes. Mas os cavalos assim, velozes e com movimentos súbitos parecem traduzir a nossa instabilidade, a nossa inquietação e o nosso profundo prazer na liberdade. E há tanta beleza neste mundo que conhecemos por tão breves anos em absoluta consciência. Devia haver uma educação pelo silêncio e pela contemplação, mais até do que por aquelas modas que há hoje de colocar as crianças a meditar. O silêncio e a contemplação são muito mais acessíveis do que uma meditação herdeira de uma técnica ascética e complexa. Uma educação em que se dê a mão em silêncio só interrompido para chamar a atenção para as coisas lindas deste mundo. Uma paragem do movimento da alma, em que esta se une à paisagem estática e eterna. Pequenos gestos são maiores do que grandes teorias. Nem nos damos conta da importância deles e ainda bem. É por isso que, por vezes, nos lembram de qualquer coisa de que não nos lembramos. Podem ser as coisas mais inocentes e pequenas que fizemos naturalmente, mas que marcaram alguém que nos lembra delas. São paragens profundas no movimento da alma onde esta mergulha e daí retira uma verdade qualquer, daquelas vívidas, inseparáveis do ser. Lembro-me de passear por um centro comercial com Dalila Pereira da Costa e da sua paragem em frente a uma montra com serviços de porcelana. Parou, olhando para o padrão dos pratos e das chávenas como se olhasse para um tesouro. “Que lindo!”, disse, mas com tal alegria e maravilhamento que não mais me esqueci do serviço de mesa. A educação pelo belo parece-me mais importante do que a educação pela revolução. O belo não necessita de rebeldia, apenas de rendição. A rebeldia vem mais tarde, contra o inestético. Uma sociedade que não reconheça o belo está condenada a desaparecer e a nem sequer ter um vislumbre da sua perpetuidade. Desaparece como um mau sonho que se quer esquecer. A beleza é uma exteriorização da alegria do mundo. Não há volta a dar quanto a isto. Continuamos a admirar a escultura antiga, a arquitectura antiga e os ecos que nos deixam de uma outra época para onde viajamos sem querer, neste crepúsculo que nos rodeia. A beleza estende-se a tudo, tem uma capacidade enorme de ser a grande viajante do cosmos, de tocar com os seus dedos os recantos mais escondidos, de embalar as almas mais atormentadas. É a grande senhora do universo. A grande educadora, a grande conservadora e inovadora. A sua dança é maior do que a de Kali. É feita do ouro mais incorruptível e do cristal mais puro. Sabendo isto, as coisas são mais fáceis e as casas exalam a paz que as almas têm. E então, e só então, o espírito desce.


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