O povo diz que é ter a cabeça na lua, mas não concordo. É ter a cabeça no sol. Há qualquer coisa de anómalo quando se passeia pelo supermercado com uma lista de compras numa mão e um carrinho para as levar no outro e, em simultâneo, pensar nos mistérios da vida, querer entendê-los, ali mesmo, por entre prateleiras com manteigas e peças de carne penduradas à espera de serem esquartejadas para um jantar qualquer. O pensamento divide-se entre o frigorífico e as estrelas com a mesma compenetração. Ainda muito cedo deu-se uma percepção da estranheza de se estar vivo à mesa de um restaurante e, desde aí, o quotidiano não mais foi comum, perdeu a inocência de ser apenas quotidiano e ganhou tonalidades que lhe são estranhas, como se houvesse uma invasão de extraterrestres que não permitisse mais a vida normal e o diálogo passasse a ser com outras vozes para além da senhora brasileira da caixa que sorri com gentileza e estende o talão escrito com palavras e números como se essa fosse uma proclamação firmemente impressa de uma verdade. Navegamos a olhar o sol e a nossa pele reflecte a terra que nos rodeia. Deixamo-nos embutir pela demanda visionária e pelo sonho e concluímos filosoficamente uma refeição quando contemplamos o pôr-do-sol, o grande acto mágico da natureza. Somos avatares de nós mesmos, como sombras triplas: a que somos, a que o sol projecta nesta areia fina e a outra que a terra faz de nós em direcção ao sol. Triplo eclipse onde algures, num qualquer ponto da geometria descritiva reside um quarto rosto que não vemos e que não se eclipsa. Tens a cabeça no sol, vives na lua e resides na terra.
segunda-feira, 18 de setembro de 2023
A lista de supermercado
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