quarta-feira, 31 de julho de 2019

É de homem!


Se as pessoas e os animais não me ocupassem tanto tempo, lia mais, escrevia mais, pintava mais, pensava mais e tudo o resto ficava para segundo plano. Mas entre uma pessoa e uma página escolho a pessoa. O Pessoa é que tinha todo o tempo do mundo para as páginas. É nos buracos do tempo que escrevo, estudo, leio romances e pinto. Já pensar só requer um pretexto e qualquer coisa serve. Sempre desconfiei da soberba soberana masculina no que toca à intelectualidade. Normalmente as pessoas são o buraco do seu tempo. E sempre desconfiei que a falta de virilidade feminina era um embuste. Normalmente todo o resto fica camuflado ou pela ausência ou pela suposta "visão feminina das coisas", coisa em que não acredito nas mulheres. Têm essa "visão feminina das coisas" para agradar e não entrar em conflito com os que os cercam. Foi a diplomacia que arranjaram. Tornam-se todas em sorrisos, em paz e amor. E se não são isso, são viris e metem medo. Entram em conflito com todos os que as cercam e, no fundo, bem lá no fundo, numa sociedade patriarcal, salazarenta ainda nos costumes e cheia de bafio nas atitudes, as mulheres viris não agradam. Tornam-se solitárias muito mais depressa que os homens que já nasceram sós e não ocupam muito tempo com as pessoas. Acredito na androginia com a mesma intensidade com que algumas pessoas acreditam em Deus. Isso não faz de mim nem uma feminista nem ateia. Faz-me apenas desconfiada. Até prova em contrário todos são culpados ou de soberba intelectual ou de ausência de virilidade intelectual. Os restantes encontram-se só por serem solitários, homens, mulheres e assim-assim.

terça-feira, 30 de julho de 2019

Pré-campanhas


Quando há repetições de acontecimentos ou de situações em poucos dias isso indica que o tema que envolve esses acontecimentos ou situações são uma espécie de sílaba tónica do contemporâneo. Ultimamente tenho reparado que existe, a vários níveis, uma repetição da frase idiomática portuguesa "sacudir a água do capote". Foi de tal maneira repetitivo que atingiu pessoas importantes. Aquilo que são pessoas importantes fica ao critério de cada um, no entanto, pelos meus critérios, isso vai desde as pessoas que dão a imagem de terem poder (não é seguro que o tenham ou deixem de ter), até a outras que para mim têm a máxima importância  mas não é seguro que a tenham para mais alguém. De tal forma foi que achei por bem escrever embora saiba que o que escrevo pouco é lido, pelo menos de forma visível já que invisivelmente ninguém pode afirmar com segurança que não é lido. Este comportamento que se traduz como "sacudir a água do capote", ou "passar a batata quente", ou "lavar daí as mãos", vem acompanhado, por vezes, de um intenso desejo de projectar uma imagem de correção em termos comportamentais, de moralidade superior em termos infra-religiosos ou até mesmo de beatude em termos religiosos e que obriga a complementar esse "sacudir a água do capote" com o "agradar a gregos e a troianos". Os períodos de pré-campanha eleitoral são férteis nesta associação de expressões idiomáticas. De qualquer maneira, nas redes sociais e na vida, cada ser individual parece ser obrigado por razões de competitividade que têm a sua base na "evolução das espécies de Darwin" e por razões de sobrevivência tanto no mundo social que o cerca como no mundo individual que muitas vezes é uma criação do indivíduo de uma imagem de um determinado contexto e enredo no qual é a personagem principal, parece ser obrigado, dizia, a estar numa espécie de pré-campanha de si mesmo inserida em "eleições" que só o imaginário onde aquele que se encontra envolvido numa pré-campanha de si mesmo, conhece. O resultado disto é uma injustiça e um desiquilíbrio (o que é a mesma coisa) alimentado por muito tempo num ciclo vicioso que parece não ter fim. No entanto, todos os ciclos viciosos têm fim porque o verdadeiro impulso do universo é a espiral. O movimento espiralado desenvolve-se por sobreposições de ciclos, uns de maior amplitude, outros de menor amplitude. Os ciclos viciosos são uma ilusão. O que verdadeiramente se está a passar é um reposicionamento. Imperceptível mas rigoroso. A Ordem tem dentro de si o Rigor mas não depende dele. Ele é o complemento da Mesericórdia. Entre um e a outra o que existe são ciclos que parecem viciosos. A Ordem apenas Observa a Observância. Sendo assim, na verdade (a verdade para alguns interessa, para outros é coisa secundária e menor o que é indiferente à própria verdade onde quer que ela esteja), se virmos tudo como uma pré-campanha, quer seja partidária quer seja individual, as coisas fazem sentido. É pena que seja assim, muito espectáculo e pouca uva, mas isso não descarta a possibilidade de nos rirmos deste mundo onde abundam os tiques de origem democrática, a esperança democrática, a falta de democracia, a pseudo-democracia, a ilusão de democracia, a democracia-traça à volta da lâmpada a queimar as asas, e mais, muito mais tipos e sugestões de democracia e democráticas. O riso é anárquico. Só pode.

segunda-feira, 29 de julho de 2019

A fonte


Ontem estive a ver um filme com o título: "A verdade e só a verdade" que conta a história de uma jornalista que não quer, que se recusa a revelar a fonte que lhe deu determinada informação indo parar à prisão e ficando a sua vida semi-desfeita por isso. O filme prossegue e mostra que a fonte foi algo que aconteceu na sua própria vida. Algo de inocente na sua própria vida.
A verdadeira fonte reside sempre na inocência da própria vida.

sábado, 27 de julho de 2019

Leonor


O gosto pela obra cega-nos momentaneamente para tudo o resto. Mas é necessário que estejamos na mesma obra para nos esquecemos de nós e de tudo. Depois, voltamos ao normal como se tivéssemos vindo do mesmo sonho e parece-nos que isso é impossível. Não, não é possível partilhar o mesmo momento quase como se não estivéssemos lá, sem corpo, sem eu, sem nós. São estas as piscadelas de olho da eternidade. Um conhecimento antigo. Uma verdade mais do que tudo que, quando quer, se impõe ao tempo e ao espaço. É soberana. E todo o resto perde importância perante esses momentos de eternidade que sempre o foram. É como uma espécie de visão mística fazendo desaparecer tudo à nossa volta. Há experiências que Fernando Pessoa nunca teve. Nem sequer virtualmente nos seus heterónimos e nas suas figuras. Creio que intuiu a Aldeia, mas só a sua chegada a ela. Intuiu um Mestre nela, mas só a simplicidade dele. Nunca saiu da cidade e todo o campo para ele era um apelo. Daí que se idenficasse  com a nostalgia de António Nobre. Apesar de tudo, e de uma infância ainda muito tenra no campo, a nostalgia de António Nobre era verdadeira e vivida. Pessoa chega à aldeia pela infância de António Nobre. Era aí que se encontravam, na infância, onde tudo era possível e a latência das coisas era ignorada. Mas há algo de mais profundo no Portugal profundo. Algo que provavelmente só a Ordem se Cristo soube. E Pessoa chega também à Ordem de Cristo, pelo alto,  vindo de um espaço do tamanho do cosmos e sintetizando-a quase ao nível do átomo para que melhor essa Ordem fosse entendida e, em simultâneo, escondida, dependendo o pendor do pêndulo do leitor: ora compreendendo o que lê, ora mais próximo do mistério que é sempre um som indefinido. Há coisas que nunca foram escritas. Ainda há coisas que nunca foram escritas porque foram só vividas. Não como uma infância curta, longínqua e com semelhanças com o Paraíso. São só semelhanças com ele o que se encontra na infância, como quem chega à entrada de uma aldeia e ainda não a conhece. Para isso é preciso ter atravessado os tempos e tantas vezes que este é abolido. Para isso é preciso ter atravessado os espaços e tantas vezes que ele se dilui e fica suspenso no tempo da eternidade. A verdade que atingimos e que nos atinge, está no poço que fica no centro da Aldeia. Está na fonte que fica no centro da Aldeia. Está no largo principal. Está na água que sobe e desce. Nos cântaros de Leonor que vai formosa e não segura. Na ânfora que nunca se parte, nem no fundo do mar. Não no meio dia nem na meia noite. Mas na hora que medeia o dia e a noite e que não se sabe qual é. Ou antes, poucos sabem qual é.

quinta-feira, 25 de julho de 2019

Água viva


Deixamos que a idiotice prevaleça e depois não nos podemos queixar. Que o pensamento estéril haja e aja nos discípulos, que se maltratem as árvores, que se construam horrores de betão, que a arte seja muito engraçadinha e bem copiada do estrangeiro, que se ensinem as crianças a não aprender, que não se glorifiquem as fontes de água viva. Depois... Queixamo-nos como bebés e dizemos que não percebemos o que corre mal.

quarta-feira, 24 de julho de 2019

As tias desavindas


Conta-me alguém a história das duas tias da aldeia que tinham sido muito amigas durante muitos anos e que, logo a seguir ao 25 de Abril, ao ficar uma de um partido e outra de outro, se deixaram de falar até ao fim das suas vidas. Esta história é frequente ultimamente, não porque haja um ou outro partido, mas sim, por causa dos fragmentos, restos e rastos de ideologias, pedaços soltos de religiões, e crenças nas mais variadas teorias, desde as das conspirações até às esotéricas com os dois pés bens metidos nos lamaçais ideológicos. Assim, assiste-se a sucessivos desentendimentos, afastamentos e raivas súbitas, até aí insuspeitadas, com base, muitas vezes, nas mais estranhas razões, e na mais aprumada irracionalidade. No meio de tudo isto, sinto que tenho sorte. Depois de, entre 2008 e 2012 de ter atravessado o pântano onde conhecidos se batiam por causas e "batiam" uns nos outros por causa delas, e depois do dia em que me tocaram e me empurram fisicamente por causa dessas aberrações modernas (por mais defensores das tradições, dos arcanos, das raízes que dissessem ser), dei por mim num deserto. Lembro-me de uma pessoa chegada ter dito que me metia nos copos por pura maldade, quando os meus copos eram cheios de lágrimas... Assim, a minha sorte foi a de ter passado pelo pântano e dele ter prosseguido para o deserto, nele ter chorado um mar de lágrimas e a de quando dele saí,  ver que, num campo fértil, esperavam por mim alguns novos anjos que tinham vindo do alto e alguns velhos amigos que sempre o tinham sido com uma amizade imune a essas rodas vivas ideológicas, esotéricas, conspirativas e políticas. As tias desentendidas tinham desaparecido no horizonte baço devido aos incêndios e a mais cristalina manhã aparecia com flores cobertas de orvalho...
Um cerco invisível tinha-se erguido à minha volta e só o atravessariam aqueles que passassem inúmeras provas, algumas delas mesmo iniciáticas. Outros não precisavam porque estavam dentro do meu jardim donde, aliás, nunca tinham saído.
Em épocas caóticas as tias desavindas proliferam e parecem aves mortas a cair subitamente do céu. O espectáculo é deveras triste. O mundo, por mais que o neguem, anda deveras triste. Aparecem umas Fúrias (ver teatro grego) a atravessar o palco de uma ponta à outra, a meio do espectáculo, e cantam "paz e amor". Assim como aparecem, desaparecem, o que torna a figura delas em qualquer coisa de ridículo. Pregam isso como pregadores das novas seitas de microfone na mão e palmas no fim (quando não geram mesmo suicídios).
Ora a matéria prima da humanidade são as próprias pessoas. Esta verdade parece de La Palice e não é tão óbvia assim, como a verdade da Lili Caneças quando afirmou que "estar vivo é o contrário de estar morto" também não é tão óbvia assim. Aquilo que ainda mantém o mundo de pé são essas cercas invisíveis e as provas necessárias para as superar. E o apregoar em alto e bom som "paz e amor" não só não consta do rol dessas provas como se tornam imediatamente suspeitas por, a curto prazo, se tornar o apregoador do dito numa das entre muitas tias desavindas, ou nessas aves que quedam em morte súbita do céu.

segunda-feira, 22 de julho de 2019

A intelectualidade


Quanto mais penso, menos intelectual fico. Pensamos para gastar a intelectualidade. Depois, oferecem-nos rosas, umas das preferidas, as "Sweet Avalanche" e ficamos a olhar para elas. Coloco-as numa garrafa de whisky, porque elas são o meu whisky. E penso que gastei de vez a intelectualidade. E ponho-me a pintar um móvel velho. E tudo desaparece e fica o símbolo, a ferver, ofuscando tudo à volta. E penso de novo, (para gastar mais um bocadinho a intelectualidade) que esta contemporaneidade pseudo-criativa é infértil porque lhe falta o símbolo que une o que está dentro com o que está fora e ainda a tal verdade interior absolutamente transparente, sem enganos nem mantos a encobri-la. A única coisa que vale a pena são os símbolos, as rosas e o restauro daquilo que está velho. A intelectualidade não tem nenhum interesse face a estas três coisas. Nenhum. Apenas com estas três coisas o coração fica transparente aos que falam a mesma língua. E como os amo, Meu Deus, como os amo...