sexta-feira, 22 de novembro de 2019
O amor é cego a a justiça também
Se hoje, mais do que nunca, se confunde, visibilidade com qualidade (o que leva as pessoas a serem obrigadas a fazer uma constante auto-propaganda, isto se quiserem sobreviver), também a justiça se confunde com a qualidade dela. Há juízes que se movem numa espécie de relatividade da qualidade (muito na moda) e atingem um tal extemo que fazem das pessoas ratos de laboratório para as suas experiências ou bodes expiatórios para as suas frustrações, ou ambos. A visibilidade, nestes casos, nunca está completamente posta de lado. Mais tarde ou mais cedo, sabemos todos de julgamentos loucos feitos por juízes cheios de si próprios cujas vírgulas da lei são aproveitadas para que os pobres réus dancem ao som da sua música.
Tornar a qualidade volátil e instável é meio caminho andado para sociedades onde a injustiça se propaga e contamina, como uma doença, desde as acções maiores (que até podem ser pequenas), às mais pequenas (que até podem ser maiores). Vemos nitidamente esta relação com a imagem, com a publicidade e com a propaganda a tentar retirar a qualidade do caminho conferindo-lhe a subjectividade que toma o lugar da objectividade que existe no conhecimento pelo coração. Quanto maior for essa subjectividade aplicada às massas, por via da propaganda, maior a injustiça e o desiquilíbrio social. A ascenção social é feita por três etapas: primeiro, possuir uma imagem, segundo, fazer publicidade dela e terceiro, fazer propaganda da mesma (publicidade em escala maior com vista às massas), timbre elementar dos ditadores. Isto aplica-se a todos: desde ao comum dos mortais até aos juízes que acabam por ser porta vozes de uma qualquer ideia tirânica. A maior ambição que se pode dar a alguém hoje, não é ser rei nem sacerdote, nem ambos: cada um à sua maneira ou mesmo híbridos, fazia a ligação com o céu. Quando o céu se retira, resta a tirania. E é com ela que vivemos todos os dias. Em democracia, o percurso do tirano está sempre lá, na imagem, na publicidade, na propaganda. E, quando o céu se retira, a justiça segue-o, cega de amor e indiferente para os homens.
terça-feira, 19 de novembro de 2019
A diferença pequena
Bem, parece que o amor está na moda (no ar não sei se está) e eis que hoje me encontro com duas frases contraditórias, uma de Camões " (...) e sabei que, segundo o amor tiverdes / tereis o entendimento dos meus versos", e uma outra que circula por aí e que não sei de quem é, talvez seja de Santo Agostinho: "ninguém ama o que não conhece". Assim, temos dois movimentos, o primeiro parte do amor para o conhecimento e o segundo parte do conhecimento para o amor. Penso que é indiferente, por vezes é uma coisa, por vezes, outra porque, às tantas, é a história das "bacias semânticas" apontadas por Gilbert Durand : as ondas formam a bacia e a bacia forma as ondas.
Mas sempre preferi poetas a padres porque eles guardaram a tradição. E o amor. E a beleza. E porque o conhecimento do e pelo coração não é factual, quantitativo, enumerável. E porque as razões do coração são as do coração e não são outras. Sei que sempre gostei de flores. Sempre. E um dia, elas explicaram-me porquê. Só mais tarde soube porquê e foi porque elas se desvendaram, sem que pedisse, mas sim porque souberam que as buscava. Desta forma, a palavra "pronto", da qual fala Fernando Pessoa, soa pelo cosmos. Acorda os seres. Vibra dentro deles e desabrocha. Beijaram-me a mão quando entrei para o universo delas. Entre pedir e buscar, há toda a diferença do mundo...
Não falem
Não falem em amor se não forem poetas. Todas as tentativas para o fazer cheiram a mentira, raciocínio e podridão.
terça-feira, 12 de novembro de 2019
Colunas
A invisível história que se desprende dos gestos contidos
fica submersa, Atlântida quase perdida.
É ela quem edifica
pedra a pedra o ser invisível
que se desprende da vida
e transpõe os portões do tempo.
É como uma respiração mais profunda,
um canto vindo da barca
que não se vendo, passa...
Não há realidade que lhe tire o rumo
Nem esperança humana que a absorva,
E, quando irrompe,
é uma vaga de luz,
de terraços sobre o mar,
de puro amor toldando os néscios que somos,
sepultados sem ele
na terra fria, sem água
e logo renascidos somos rotas para a ver,
a verdade.
(Cynthia Guimarães Taveira)
terça-feira, 5 de novembro de 2019
O mordomo
O facto de este blogue não ser lido (ninguém o visita a não ser eu e uma amiga), confere-me paz de espírito depois da inquietude da palavra porque toda e qualquer ressonância universal pertence à ressonância universal, dela sai e a ela regressa sem que passe pela leitura dos textos. É reconfortante ter um espaço livre sem o eco fechado das paredes das opiniões e das sugestões de terceiros. Não há maior paz posterior do que a das palavras deixadas em paz, nascidas para a amplitude do silêncio e deixadas cair no vazio. Nunca um ser foi definido por palavras. Quando Adão nomeou os animais, estabeleceu-lhes limites. Um ser, está para além do nome e está para além das palavras. Elas surgem como prolongamentos que podem ser oníricos ou não de uma mente. Ou surgem porque no silêncio se ouvem melhor. A necessidade de escrever surge do mau estar. Está-se mal e então escreve-se. Diz-de coisas. Hoje ninguém pode estar mal. Há uns dias tive de dizer em voz alta: "Ou se morre em paz e na ignorância, ou se procura saber na inquietude. Cada um morre da forma que quer". Estar desassossegado é sinónimo de "pouca evolução espiritual". Os únicos sossegados que conheci estavam mortos para o pensamento, mortos para o espírito e mortos para si próprios. Os vivos estremecem. O universo estremece. As almas movem-se no deserto, na floresta, na montanha, no mar. Os quietos têm um diploma na mão e andam sempre de chinelos a arrastar pelo chão. Não há diplomas nas aventuras. Nem diplomatas, nem diplomacia. Todos os episódios de diplomacia numa aventura, escrita, filmada ou vivida fazem parte daquela pausa nem sempre necessária e funcionam como sátira, como antítese da aventura. O mordomo surge no meio do jantar tempestivo como contraponto, enaltecendo ainda mais refeição desconfigurada... os ecos, as opiniões, as críticas, são sempre esses mordomos que queriam que o texto fosse doutra maneira e dão-lhe o vigor externo que o público aprecia. Quando se escreve apenas para se ler as próprias palavras esse mordomo é um intruso. Aponta para o texto e para o público e apresenta-os. Diminui o silêncio onde essas palavras outrora caíam. Os leitores são mordomos intrusivos, e os leitores que respondem ao texto são barulhentos. A palavra no silêncio é uma chama. Uma esperança. Um milagre. Uma força. Uma resistência. Um acontecimento. No meio do público é uma tasca, palita os dentes e bebe copos três entre cada opinião. A opinião está a leste da palavra que já foi escrita. Tenta dançar um tango fácil em volta dela. Agarra-lhe na perna e deixa-se arrastar. Perde o orgulho e a coragem. Perde a dignidade. A opinião não tem dignidade. É um movimento a mais no desassossego da palavra. A Hermenêutica é sempre uma nova palavra. A opinião é a fraca atitude dos que não sabem ousar.
Pedagogia II
Pintura de Cynthia Guimarães Taveira
Nos últimos anos em Portugal têm surgido pequenos espaço, quer museus, quer Centros Interpretativos que são extremamente úteis para a preservação da memória. A par com a degradação do património monumental (que o Estado não acarinha excepto quando pode tirar dividendos do Turismo e mesmo assim...), estes pequenos núcleos espalhados pelo país não deixam de ser uma forma de reacção à amnésia, contentam autarcas e "chamam" pessoas para visitar os locais que assim não ficam em casa agarradas ao Facebook. Sempre defendi que deviam existir três tipos de Mecenato para a preservação do património, o pequeno, o médio e o grande consoante os valores em causa. Estes pequenos núcleos que têm surgido pelo país deveriam ser acompanhados pelo mecenato para o restauro do património. Aliás, as Câmaras Municipais deviam e podem (têm contactos previligiados) procurar capturar verbas de empresas para esse fim. A razão da memória é a pedagogia, não há outra. Parte da pedagogia serve para inserir as pessoas no espaço circundante e na sua cultura. Numa altura em que se fala tanto de "inserção" numa perspectiva "social", ou não fossemos todos "filhos" da "sociologia", disciplina menor, a "inserção" na cultura circundante (externa e interna também porque os genes transportam muito mais informação do que aquilo que se pensa), é um dos maiores actos pedagógicos que podemos fazer aos portugueses. Se para um estrangeiro é tudo "interessante", e ainda bem -- as viagens devem ser sempre interessantes, aliás, é o primeiro impulso da "viagem", o interesse, a curiosidade -- para os portugueses é ainda mais do que isso, é a confirmação, a aceitação, o conhecimento de si próprios o que os torna, naturalmente num povo mais seguro de si (peço desculpa ao defensores das minorias mas o povo português existe), mais confiante, mais enriquecido, mais orientado, mais consciente do seu papel no mundo. No último texto falei do papel que têm desempenhado as ciências sobretudo teóricas na pedagogia, nomeadamente, a "psicologia". Evidentemente que o território da memória é sempre apetecível para essa disciplina açambarcadora que é a política. Se por um lado temos espaços de memória neutros politicamente que visam apenas "mostrar o que há" sobre determinadas áreas culturais, por outro, temos estes novos particularismos ideológicos que procuram fazer museus temáticos de forma a que se possa colher da memória aquilo que irá dar votos mais tarde. É assim que o Museu dos Descobrimentos fica logo à partida "paralisado" por ninguém se entender quanto ao nome. Começam a aparecer léxicos de esquerda e de direita, extremamente precisos - mais uma vez a sistematização a tomar conta de tudo -- e o museu fica encalhado por falta de acordo quanto ao termo a utilizar... por outro lado, o "Museu da escravatura" é tentativa de colocar a história "especializada" em museu. O propósito não é outro senão o de transformar a árvore na floresta... E lá temos o tique comportamental da política, que faz isso mesmo -- a retórica sempre foi a arma da política, o argumento, o seu escudo, a particularização ideológica, a semente que se desenvolve até alcançar a grandeza numérica desejada em democracia -- aplicado aos museus. Tirando este pormenor extremamente visível das "ideias" políticas aplicadas aos museus, a verdade é que, apesar disso, temos visto pequenos núcleos, museus, centros interpretativos (o nome não é grande coisa) a desabrochar e ainda fora das "lutas" políticas de grande dimensão e de menor valor cultural. Esses espaços deviam constar obrigatoriamente da parte curricular das escolas desde a primária ao décimo segundo ano. Uma espécie de saída da teoria à prática, do livro ao objecto. Uma criança que cresce a conhecer a sua terra será um adulto mais inserido e mais seguro -- princípio que qualquer antropólogo conhece - e como a sociedade é composta por indivíduos, naturalmente será uma sociedade mais segura. A todos os níveis.
segunda-feira, 4 de novembro de 2019
Pedagogia
Pintura de Cynthia Guimarães Taveira
Hoje escrevi dois textos neste blogue. Um dedicado ao profundíssimo tema da intimidade, outro dedicado a uns miúdos armados em magos que me chatearam pelo caminho. Aquele que mais chamou a atenção foi o texto sobre os miúdos. Mais tarde fui estudar um pouco (o quê? Isso não interessa a ninguém) e depois fui tentar ver imagens antigas no computador cujo rato deixou de funcionar. Depois fartei-me e fui ver televisão. No canal 1 estava a dar (e ainda está) o Prós e Contras dedicado à educação. Apanhei um senhor a queixar-se de que alunos e pais chegavam a agredir professores. Isso é muito comum. Depois outro disse a frase batida de que a educação começa em casa (onde? Se os pais não têm educação como é que a podem dar?), de maneira que, no dia em que os professores começarem a responder a sério, a coisa vai tornar-se desagradável. Os professores só não o fazem por causa da "psicologia" que levou a que sejam penalizados quando respondem. A "psicologia" tem feito maravilhas por todo o lado. Um assassino profissional é um psicopata, ou seja, um monstro é um doente mental. Um professor que responda é um ser pouco dotado de auto-domínio, ou seja, de alguma forma, é um desequilibrado. Todos levam e calam por causa da "psicologia". Mas estas ciências fragmentadas invadiram tudo. O ensino da gramática tornou-se num exercício para linguístas e quem não os acompanha precisa de apoio na escola e, em último caso, é remetido para o psicólogo que vai logo à procura da hiper-actividade e da dislexia, patologias rainhas por entre as crianças. Mas a psicologia invadiu outras áreas como a filosofia e o esoterismo. Os mecanismos de pensamento e do ser residem todos na psicologia, quer seja de uma escola menos evidenciada (Freud, por exemplo aparece muito subterraneamente) ou mais evidenciada, (Jung, por exemplo, aparece muito explicitamente). Os mecanismos psicológicos estão na moda também na política, no marketing, na arte. O problema é que os "mecanismos psicológicos" não são uma ciência exacta nem são uma aproximação à realidade. São um ponto de vista da realidade, mas, se se tornam o centro da realidade, naturalmente, como tudo o que é central, vão moldar essa mesma realidade. De maneira que o que temos é a psicologia a falar de si para si e nada mais do que isso e, por isso, é que as pessoas não mudam. A psicologia molda as pessoas e elas respondem à psicologia exactamente aquilo que a psicologia quer ouvir. Um sopapo só é psicologia por acidente. Um sopapo é um sopapo. As crianças sabem isso, os adultos é que não porque ou são todos psicólogos (independentemente da área), ou são vítimas da psicologia, ou são as duas coisas. Isto atravessa toda a sociedade. Os mais espertos, doseiam o sopapo com a psicologia e são, por isso, considerados "vencedores". Não são. São apenas espertos, da mesma forma que há animais mais espertos do que outros. A inteligência é outra coisa. Está ligada ao coração e quando está ligada à psicologia é por puro acidente. A natureza e o mundo (que é mais do que a natureza), proporcionaram-nos a magnífica capacidade que temos de "prestar atenção", "dar atenção" e de "ter atenção". Já se vê que para "dar" atenção, é preciso "ter" atenção. A atenção é um dos suportes da inteligência ligada ao coração. A atenção, por sua vez, quer dizer "tender para algo". De maneira que, entre o "dar", o "ter" e o "tender", o movimento é de fusão, ou seja, de fusão entre o objecto e o observador. A nossa sociedade confunde a "sugestão" com tudo isto porque a "sugestão" é fundamentalmente "psicológica". Toda a sugestão é a supremacia do observador sobre o objecto. A psicologia é e tem funcionado na sociedade como uma sugestão crescente. Daí que acabe por falar de si para si. Já a atenção, necessita de uma coisa muito simples: a curiosidade. Não há atenção sem curiosidade. Ora, a curiosidade é o contrário de um mecanismo psicológico (que é sempre um sistema fechado e viciado). A curiosidade é um estado duplo de alerta e de abertura (já se vê que estar alerta tem muito significados e não apenas aquele que faz acender certas zonas do cérebro hiper estimulado dessa forma). A curiosidade tem os sistemas que quiser dentro dela, desde que os descubra, já os sistemas não têm ponta de curiosidade porque, no seu universo fechado, já sabem tudo. Uma sociedade "sistemática", quer seja na educação, no regime político, na economia, está condenada à fragmentação e posteriormente à diluição. É por causa dessa diluição que tudo nos parece igual a tudo. Mas não é. Foi o excesso de sistemas que nos conduziu a esse modo de ver as coisas bem como à total separação entre o "ver" e o "sentir". Vejo mas não sinto. Isto contraria o provérbio popular: "Olhos que não vêem, coração que não sente", ou seja uma total identificação entre ver e sentir, sem que haja aqui ponta de psicologia, ou seja, um qualquer mecanismo "psicológico" porque se trata de dois órgãos, os olhos e coração, que se fundem de forma a alcançar a verdade. A verdade do coração. A inteligência do coração. Não há mecanismo psicológico que não passe pelo cérebro do seu "criador" que pensa ser um "descobridor". Mas descobridor, de facto, é o ser humano que faz a descoberta com o coração. Ninguém cria coisa nenhuma porque é impossível criar a partir do zero absoluto. Os criadores são co-criadores, sempre, e isso é um paradoxo. E, como é um paradoxo, não existe. De maneira que o "criador" é um mistério porque não somos nós, pois, ao sê-lo, somos apenas co-criadores e isso não é possível. A criação está ligada à unidade na origem e, em última instância nem existe. A co-criação é que está ligada ao número dois. Mas adiante. A psicologia, ao invadir todos os aspectos da sociedade, acaba por corroê-la gerando-a à sua imagem. A propaganda sabe bem disso... De maneira que este problema dos miúdos andarem a bater nos professores com a ajuda dos pais mostra bem a supremacia da psicologia sobre a pedagogia. Nem os filhos aprendem, nem os pais crescem, nem os professores percebem nada do que está a acontecer porque a sua "psicologia" não funciona... O que torna, isso sim, a sociedade portadora de um problema psicológico grave. E o problema advém do excesso de psicologia em detrimento da inteligência do coração com base na atenção e na curiosidade, entre outras coisas. A psicologia substitui a pedagogia que ensina sobretudo a "ter/dar atenção" e a pensar/ver/sentir com o coração. Assim, andamos nisto e daqui não saímos enquanto as ciências muito "especializadas" lutarem entre si pelo domínio de uma área que devia ser exclusivamente da pedagogia. É mesmo caso para não dizer "A César o que é de César", frase, aliás, da qual nunca gostei. Tornando-se muito mais apropriado dizer "Ao céu o que é do céu". Só assim ele desce. Porque lhe damos peso.
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