terça-feira, 5 de novembro de 2019

Pedagogia II



Pintura de Cynthia Guimarães Taveira

Nos últimos anos em Portugal têm surgido pequenos espaço, quer museus, quer Centros Interpretativos que são extremamente úteis para a preservação da memória. A par com a degradação do património monumental (que o Estado não acarinha excepto quando pode tirar dividendos do Turismo e mesmo assim...), estes pequenos núcleos espalhados pelo país não deixam de ser uma forma de reacção à amnésia, contentam autarcas e "chamam" pessoas para visitar os locais que assim não ficam em casa agarradas ao Facebook. Sempre defendi que deviam existir três tipos de Mecenato para a preservação do património, o pequeno, o médio e o grande consoante os valores em causa. Estes pequenos núcleos que têm surgido pelo país deveriam ser acompanhados pelo mecenato para o restauro do património. Aliás, as Câmaras Municipais deviam e podem (têm contactos previligiados) procurar capturar verbas de empresas para esse fim. A razão da memória é a pedagogia, não há outra. Parte da pedagogia serve para inserir as pessoas no espaço circundante e na sua cultura. Numa altura em que se fala tanto de "inserção" numa perspectiva "social", ou não fossemos todos "filhos" da "sociologia", disciplina menor, a "inserção" na cultura circundante (externa e interna também porque os genes transportam muito mais informação do que aquilo que se pensa), é um dos maiores actos pedagógicos que podemos fazer aos portugueses. Se para um estrangeiro é tudo "interessante", e ainda bem -- as viagens devem ser sempre interessantes, aliás, é o primeiro impulso da "viagem", o interesse, a curiosidade -- para os portugueses é ainda mais do que isso, é a confirmação, a aceitação, o conhecimento de si próprios o que os torna, naturalmente num povo mais seguro de si (peço desculpa ao defensores das minorias mas o povo português existe), mais confiante, mais enriquecido, mais orientado, mais consciente do seu papel no mundo. No último texto falei do papel que têm desempenhado as ciências sobretudo teóricas na pedagogia, nomeadamente, a "psicologia". Evidentemente que o território da memória é sempre apetecível para essa disciplina açambarcadora que é a política. Se por um lado temos espaços de memória neutros politicamente que visam apenas "mostrar o que há" sobre determinadas áreas culturais, por outro, temos estes novos particularismos ideológicos que procuram fazer museus temáticos de forma a que se possa colher da memória aquilo que irá dar votos mais tarde.  É assim que o Museu dos Descobrimentos fica logo à partida "paralisado" por ninguém se entender quanto ao nome. Começam a aparecer léxicos de esquerda e de direita, extremamente precisos - mais uma vez a sistematização a tomar conta de tudo -- e o museu fica encalhado por falta de acordo quanto ao termo a utilizar... por outro lado, o "Museu da escravatura" é tentativa de colocar a história "especializada" em museu. O propósito não é outro senão o de transformar a árvore na floresta... E lá temos o tique comportamental da política, que faz isso mesmo -- a retórica sempre foi a arma da política, o argumento, o seu escudo, a particularização ideológica, a semente que se desenvolve até alcançar a grandeza numérica desejada em democracia -- aplicado aos museus. Tirando este pormenor extremamente visível das "ideias" políticas aplicadas aos museus, a verdade é que, apesar disso, temos visto pequenos núcleos, museus, centros interpretativos (o nome não é grande coisa)  a desabrochar e ainda fora das "lutas" políticas de grande dimensão e de menor valor cultural. Esses espaços deviam constar obrigatoriamente da parte curricular das escolas desde a primária ao décimo segundo ano. Uma espécie de saída da teoria à prática, do livro ao objecto.  Uma criança que cresce a conhecer a sua terra será um adulto mais inserido e mais seguro -- princípio que qualquer antropólogo conhece - e como a sociedade é composta por indivíduos, naturalmente será uma sociedade mais segura. A todos os níveis. 

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