terça-feira, 5 de novembro de 2019
O mordomo
O facto de este blogue não ser lido (ninguém o visita a não ser eu e uma amiga), confere-me paz de espírito depois da inquietude da palavra porque toda e qualquer ressonância universal pertence à ressonância universal, dela sai e a ela regressa sem que passe pela leitura dos textos. É reconfortante ter um espaço livre sem o eco fechado das paredes das opiniões e das sugestões de terceiros. Não há maior paz posterior do que a das palavras deixadas em paz, nascidas para a amplitude do silêncio e deixadas cair no vazio. Nunca um ser foi definido por palavras. Quando Adão nomeou os animais, estabeleceu-lhes limites. Um ser, está para além do nome e está para além das palavras. Elas surgem como prolongamentos que podem ser oníricos ou não de uma mente. Ou surgem porque no silêncio se ouvem melhor. A necessidade de escrever surge do mau estar. Está-se mal e então escreve-se. Diz-de coisas. Hoje ninguém pode estar mal. Há uns dias tive de dizer em voz alta: "Ou se morre em paz e na ignorância, ou se procura saber na inquietude. Cada um morre da forma que quer". Estar desassossegado é sinónimo de "pouca evolução espiritual". Os únicos sossegados que conheci estavam mortos para o pensamento, mortos para o espírito e mortos para si próprios. Os vivos estremecem. O universo estremece. As almas movem-se no deserto, na floresta, na montanha, no mar. Os quietos têm um diploma na mão e andam sempre de chinelos a arrastar pelo chão. Não há diplomas nas aventuras. Nem diplomatas, nem diplomacia. Todos os episódios de diplomacia numa aventura, escrita, filmada ou vivida fazem parte daquela pausa nem sempre necessária e funcionam como sátira, como antítese da aventura. O mordomo surge no meio do jantar tempestivo como contraponto, enaltecendo ainda mais refeição desconfigurada... os ecos, as opiniões, as críticas, são sempre esses mordomos que queriam que o texto fosse doutra maneira e dão-lhe o vigor externo que o público aprecia. Quando se escreve apenas para se ler as próprias palavras esse mordomo é um intruso. Aponta para o texto e para o público e apresenta-os. Diminui o silêncio onde essas palavras outrora caíam. Os leitores são mordomos intrusivos, e os leitores que respondem ao texto são barulhentos. A palavra no silêncio é uma chama. Uma esperança. Um milagre. Uma força. Uma resistência. Um acontecimento. No meio do público é uma tasca, palita os dentes e bebe copos três entre cada opinião. A opinião está a leste da palavra que já foi escrita. Tenta dançar um tango fácil em volta dela. Agarra-lhe na perna e deixa-se arrastar. Perde o orgulho e a coragem. Perde a dignidade. A opinião não tem dignidade. É um movimento a mais no desassossego da palavra. A Hermenêutica é sempre uma nova palavra. A opinião é a fraca atitude dos que não sabem ousar.
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