quarta-feira, 6 de maio de 2020

Azul cueca



Na Disneylândia anda tudo bem disposto. As cabeças de animais superam qualquer tristeza. Dantes os livros aos quadradinhos eram para serem lidos, agora são para ser. Numa conversa divertida, António Telmo observou que se nos concentrarmos nas orelhas dos interlocutor eles começam a parecer-se com animais. Rirmo-nos todos com esta observação. Constatamos agora que se o sorriso for de orelha a orelha, as pessoas ficam iguais aos bonecos gigantes que povoam a Disneylândia. Por outro lado, com a máscara, as orelhas tendem a sair para fora, mas nem por isso a audição parece estar mais apurada e muito menos a capacidade de ouvir os outros. Já as escutas vão de vento em popa com o Googles e companhias a escutarem tudinho, bem como os serviços secretos e os hackers (os novos mercenários). A burka venceu. Sinto isso quando entro num supermercado com a máscara azul cueca e me esqueço de tirar os óculos escuros. A nossa dignidade é para manter, não há dúvida... sociedade ridícula. O pinto não quer sair do ovo e só lhe dou razão. A minha parte animal está com ele! Juntos venceremos! Não sabemos muito bem o que venceremos mas está-se bem aqui no sono embrionário, o resto, lá fora, é muito estranho. Logo o azul cueca - provavelmente a cor mais detestável tanto para vestir como para pintar as casas por fora. Vou à rua e penso que as pessoas, coitadas, não têm culpa. Mas apetece-me disparar em todas as direções. Tenho violência contida como as mulheres de burka. Estou farta de gente e de opiniões. E de peritos. Os peritos são os piores!!! Abrem a bocarra por detrás da máscara e sabem tudo. O pior é quando um que sabe se confronta com um que sabe ao contrário. Parecem veados com uma rede de cornos enfiados uns nos outros a lutar pela verdade. Autênticos animais. Se vir passar um anjo vou pedir-lhe boleia. Ao menos é diferente. Andar em cima das nuvens fofas e a ouvir as opiniões das pessoas só se quisermos. Aposto que o telejornal hoje vai falar de viroses e de números. Um mundo tão previsível torna-se o lugar ideal para os bonecos da Disneylândia. Por isso andam sempre a rir e bem dispostos. Quando morrerem vão querer ir de burro e de burka azul cueca sem o som das latas que isso é para gente triste. Para os palhaços tristes. Andámos nós a navegar em alto mar para resumir a vida a uma burka, a um vírus, a um sorriso e a um arco-íris "todo bem", todo in.  No outro dia passei na estrada e vi um grupo de miúdos a andar de bicicleta como andavam antigamente, livres e felizes. Parei o carro e disse-lhes para não crescerem porque nós, os adultos, éramos bonecos de Disneylândia, com pernas fininhas, mas com uma cabeçorra tão grande que não conseguíamos ver o caminho se andássemos de bicicleta. Estamos cá para sermos felizes, é sabido. Os peritos até já inventaram um "índice de felicidade" e medem os sorrisos dos bonecos. Depois põe nos telejornais para vermos quem vai à frente no campeonato. Também fiquei a saber que existe o "índice do batom (não estou a brincar) que indica o nível da crise: parece que elas em crise compram mais batons. Agora com a burka azul cueca se calhar tem de se passar para o rímel isto se não formos ao supermercado de óculos escuros. Uma zarzuela é o que isto é, como dizia a minha avô quando a confusão era mais do que muita. Podíamos pôr o planeta à venda como sala de espectáculos, com cenário e actores incluídos. Talvez um ET qualquer o queira comprar só para se rir um bocadinho nos intervalos da sua vida séria. Esses tristes et's nem sabem como isto aqui é divertido senão já tinham aterrado aqui para viverem sempre em festa. O que eu quero é beleza, o resto que se lixe. Que se lixe mesmo. Enquanto não tiverem o sentido da beleza hão-de andar todos tortos, mancos e rotos. Bonecos de burka.

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