quarta-feira, 6 de maio de 2020

O dia e a noite


Os sonhos podem confirmar o que pensamos e o que sentimos durante o dia. Hoje sonhei que vivia numa casa muito antiga e bela, com mosaicos nas paredes, alguns brilhantes com figuras de animais, pessoas e plantas. A casa situava-se no meio de prédios altos todos de vidro, gelados e iguais uns aos outros sem grande variação de forma ou de altura. Tenho-me recusado a levantar. Não me apetece. E posso. Deixo-me ficar até ao meio dia/uma hora na cama. As minhas noites vão até às três, quatro, cinco, seis da manhã. A essas horas o mundo está com o silêncio com que sempre esteve. Francamente também nunca gostei por aí além dos dias muito pseudo-diurnos. A noite foi sempre muito mais solar para mim. Lá passa-se mesmo tudo. O dia é para os loucos que pensam ser muito activos, pró-activos, dinâmicos e aerodinâmicos e que pensam que no dia se passa tudo por causa deles.  Desvairados, na sua grande maioria. As manhãs, no seu início, trazem a candura da noite e, a pouco e pouco, à medida que as horas passam, a cor do dia torna-se mais baça e sofucante. Este vírus e todo o seu contexto levou a discursos patéticos como "o mundo não será mais o mesmo". As pessoas estão desejosas de que seja mais o mesmo e que haja mais do mesmo com a diferença de que agora podem usar máscara sempre que alguém lhes diga para as usar. As pessoas querem exactamente o mesmo que tinham e querem ser exactamente o que eram: cada um com a sua vidinha, o seu meio de sustento, a sua poluição de estimação, os seus pseudo-direitos assegurados, os seus deveres de obidiência à pseudo-ciência devidamente estimulados. Resumindo, as pessoas querem estar vivas (a morte numa sociedade laica é o grande pesadelo) e querem números. Não querem mais nada. Querem mais canais de televisão, carros mais rápidos e modernos, aviões super lotados, mais pessoas a fazer turismo (a qualidade não interessa para nada), mais dinheiro, mais modas, mais qualquer coisinha se faz favor. Se possível à custa dos que têm menos. As pessoas não querem comunidades de pessoas, querem, ora um comunismo, ora um feudalismo com o seu senhor, alternados ou em simultâneo, que é exactamente a mesma coisa. Não vai mudar nada, a não ser para pior. Vamos ter a já costumeira "recuperação da crise" para que se passe rapidamente à normalidade, à vida normal e às pessoas normais que vão votar quando lhes mandam, agora talvez com maior intensidade porque o governo as salvou de uma morte "iminente". Este vírus mata tanto como a gripe, mas a gripe  mé ligeiramente mais arrastada no tempo, a única diferença está nessa rapidez e a ausência de camas nos hospitais dá mais nas vistas como deu em Espanha e em Itália, hospitais pagos pelos contribuintes. Este vírus é apenas mais vistoso com um ou outro caso de reacções surpreendentes: diz-me que um chinês ficou preto! Devia ter acontecido ao Trump! E há pessoas que conseguem falar quase sem oxigénio! Espantoso! Deve ser uma preparação para Marte!  A democracia quer-se vistosa e espampanante. É o sistema do folclore, agrada a eleitos e eleitores e cerca-os a todos num caos delicioso que todos deglutam até ao osso, até não haver democracia nenhuma apenas a ditadura de grupos económicos, políticos, científicos, académicos, de comunicação social.  É uma democracia composta por pequenas ditaduras que asseguram o funcionamento da "liberdade de expressão" geral e das pequenas ditaduras que, somadas, formam a grande ditadura difusa como uma nuvem. Irrespirável. O centro deixou de existir o que existem são vários centros à imagem e semelhança do caos. De maneira que as pessoas querem mais do mesmo. E se possível pior ainda. Prefiro a noite.

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