terça-feira, 26 de maio de 2020

Dia e noite


Tenho insónias do tamanho da noite. Navego pela noite como se fosse dia e, de dia, adormeço na mais profunda rigidez mortífera que são as coisas práticas. De dia digo que a água chega às casas e retiro-a delas com baldes sem fundo. De noite, nas minhas insónias, navego em todas as divisões das casas circundantes. Encontro todas as pessoas que dormem encostadas aos baldes. Navego em todos os olhares que não me vêem, e escuto todas as palavras que não dizem. Depois, o sol nasce e mascaro-me de lua. E vou pela rua com todos os outros, dissolvo-me na água que invade as casas até que a noite chega e, regresso do fundo das águas, como uma ilha nascente capaz de voar por todos os mares que são todas as casas onde dormem os aflitos.

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